sexta-feira, 7 de março de 2025

Hidrogênio verde pode aquecer indústria local de fertilizantes, FSP

 Caroline Rocha

FORTALEZA

Até julho de 2023, foram entregues ao mercado brasileiro mais de 23 milhões de toneladas de fertilizantes intermediários e complexos NPK, que contêm nitrogênio, fósforo e potássio, de acordo com a Associação Nacional de Difusão de Adubos (Anda). O número já ultrapassa a quantidade integral de 2022.

Também nos sete primeiros meses do ano, do total de fertilizantes utilizados no setor agrícola brasileiro, 88% foi importado.

Diante desse quadro, a discussão que ganhou visibilidade recentemente gira em torno do potencial brasileiro para a produção de hidrogênio verde, a nova aposta internacional para a descarbonização —que pode ter impacto na produção nacional de fertilizantes.

Produção de hidrogênio verde na planta piloto da EDP Brasil, no Ceará
Produção de hidrogênio verde na planta piloto da EDP Brasil, no Ceará - EDP Brasil/Divulgação

O hidrogênio dito verde é obtido por meio do processo de eletrólise da água, no qual hidrogênio e oxigênio são separados utilizando energia elétrica advinda de fontes consideradas limpas, como a solar e a eólica.

"A gente já utiliza o hidrogênio na indústria de fertilizantes. Só que é um hidrogênio de origem fóssil, porque ele vem a partir da reforma a vapor do gás natural. Quando o hidrogênio é produzido a partir do gás natural, para cada tonelada ele emite quase o dobro de dióxido de carbono", explica Natasha Esteves, doutoranda em engenharia elétrica e membro do Laboratório de Energias Alternativas (LEA) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

De acordo com a pesquisadora, o hidrogênio verde tem sido pautado no mercado global por suas inúmeras possibilidades de utilização, que envolvem, por exemplo, o uso como combustível gerado a partir de fontes de energias renováveis. Na indústria de fertilizantes, o hidrogênio pode gerar a amônia, base para a produção de nitrogenados.

O Brasil tem sido apontado em estudos de consultorias internacionais, como McKinsey e Bloomberg, como uma aposta para a produção de hidrogênio verde em decorrência de suas condições geográficas privilegiadas, em especial no Nordeste, com forte incidência solar e eólica.

As iniciativas ainda começam a tomar forma. Há investimentos anunciados nos estados do AmazonasBahia, Ceará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do NorteRio Grande do Sul e toda a região Sudeste.

No CearáRio de Janeiro e Pernambuco, hubs focados na produção de hidrogênio verde já contam com acordos de entendimento, que funcionam como contratos de intenção, assinados com empresas interessadas em participar da cadeia do composto no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, na região metropolitana de Fortaleza; no Porto de Açu, no norte do Rio de Janeiro; e no Complexo Industrial Portuário de Suape, na região metropolitana do Recife. Entre as empresas interessadas, figuram a portuguesa EDP, a australiana Fortescue Future Industries, a norte-americana AES e a francesa Qair, além de grupos nacionais como Vale e White Martins.

Foi no Ceará que ocorreu, em janeiro deste ano, a produção da primeira molécula de hidrogênio verde da América Latina, realizada pela EDP. A planta da empresa, em projeto piloto, conta com uma usina solar com capacidade de 3 megawatts pico (MWp).

De acordo com as projeções do CEO da EDP Brasil, João Marques da Cruz, o principal consumo do hidrogênio sustentável gerado pela empresa deverá se concentrar nas regiões em torno da área produtora. Entretanto, há interesse na exportação: "Para o futuro, devemos estimular e criar estrutura para que o Brasil seja um grande exportador, mas esse cenário ainda precisa ser construído e testado".

Para Maurício Lopes, pesquisador da Embrapa Agroenergia, embora o investimento em hidrogênio verde com foco na descarbonização da matriz energética possa vir a ser uma solução para outras regiões do mundo, essa pode não ser a melhor estratégia para a realidade brasileira.

"Grande parte das nossas alternativas energéticas, inclusive para transporte urbano, de carga, já são descarbonizadas porque o Brasil usa muita hidroeletricidade e nós usamos muitos biocombustíveis. Então, o Brasil já tem uma solução bem interessante para a descarbonização do seu sistema de transporte", explica o pesquisador.

Segundo Lopes, o Brasil precisa priorizar a própria realidade ao pensar no direcionamento dos investimentos em hidrogênio verde. "A pergunta é: nós não deveríamos, como brasileiros, pensar primeiro em utilizar essa fonte tão nobre para descarbonizar ainda mais os nossos processos e fortalecer ainda mais a nossa agenda voltada para a descarbonização de vários setores, principalmente do setor de fertilizantes, levando em conta o tamanho e a importância da agricultura brasileira?", questiona.

Terminal de fertilizantes no porto de Santos (SP) mostra montanha de pó amarelado
Terminal de fertilizantes no porto de Santos (SP) - Moacyr Lopes Junior - 13.jun.14/Folhapress

É no potencial de produção de amônia verde que o hidrogênio sustentável pode se relacionar de forma direta com o fortalecimento da indústria nacional de fertilizantes.

Isso se dá pelo fato da amônia verde —produzida a partir do hidrogênio sustentável— poder ser utilizada para a produção de fertilizantes nitrogenados no lugar do gás natural, que, historicamente, tem altos custos de produção no Brasil.

É o que explica Bernardo Silva, diretor-executivo do Sindicato Nacional das Indústrias de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert). "Hoje o Brasil só produz [fertilizantes] nitrogenados usando gás natural, que é muito caro no país. A gente paga às vezes quatro vezes mais do que seria o ideal para viabilizar projetos de nitrogenados no país. Esse é o principal entrave."

De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em seu estudo "Hidrogênio sustentável – perspectivas e potencial para a indústria brasileira", a produção de amônia e fertilizantes verdes em localidades próximas ao agronegócio oferece uma oportunidade viável e competitiva de exploração do hidrogênio verde em um curto prazo para o Brasil.

De acordo com a dissertação de mestrado de Natasha Esteves, "uma pequena área é capaz de produzir os fertilizantes necessários para suprir uma demanda interna e ainda exportar para os países vizinhos."

Algumas iniciativas focadas nessa produção já estão em desenvolvimento no país. A empresa Atlas Agro iniciou neste ano a instalação de uma fábrica de fertilizantes nitrogenados produzidos a partir da amônia verde em Uberaba (MG), com orçamento aproximado de R$ 4,3 bilhões. De acordo com a companhia, o foco é produzir fertilizantes visando exclusivamente o mercado interno.

Dificuldades logísticas, que envolvem transporte, armazenamento e altos custos de produção, além do estabelecimento de uma legislação para o novo mercado, ainda precisam ser superados.

De acordo com o diretor-executivo do Sinprifert, Bernardo Silva, um problema é a falta de estabilidade que o Brasil oferece ao negócio, que requer investimentos com foco em longos prazos. "A questão do custo do Brasil é um entrave. Você tem a tributação, custos trabalhistas, custos logísticos muito altos, incertezas regulatórias… E você não sabe se, mesmo cumprindo todas as regras, terá seu projeto aprovado", explica.

Esta reportagem foi produzida durante o Lab Tereos + Folha - 2º Programa de Jornalismo Especializado em Agroindústria Sustentável

Em 2024, país enfim bate o recorde de 'riqueza' de 2013, VTF FSP

 Em 2013, a renda (PIB) por pessoa no Brasil havia chegado ao nível mais alto da história. Em certa medida e na média, portanto, os brasileiros jamais haviam sido tão "ricos". Então, rolamos ladeira abaixo.

Apenas no ano passado, em 2024, o PIB per capita superou aquele recorde, como pudemos confirmar nesta sexta-feira (7), com os dados do crescimento da economia divulgados pelo IBGE.

Foi uma temporada no inferno da Grande Recessão (2014-2016), da quase estagnação de 2017-2019 e do desastre da epidemia (2020-2021). Foi uma depressão causada por tolice econômica e selvageria política em anos de azares para os quais não nos protegemos (secas terríveis, economia mundial em crises, queda do preço dos produtos que o país mais exporta).

O ano foi bom, sim. O crescimento do PIB e do PIB per capita foi o maior desde 2011 (a alta do PIB de 2021, de 4,8%, não conta, pois em grande parte foi recuperação do tombo de 3,3% do 2020 da epidemia). E daí?

A imagem mostra um terminal de pagamento em um caixa, com uma mão segurando um cartão e outra mão interagindo com o terminal. O terminal é preto com um visor amarelo e botões coloridos. Ao fundo, há um balcão e alguns itens de compras visíveis.
O crescimento do PIB e do PIB per capita de 2024 foi o maior desde 2011 - Adriano Vizoni - 24.set.24/Folhapress

O PIB e o PIB per capita são os indicadores mais precisos que temos de variação de renda ou produção, mas não lá muito precisos nem quanto ao que pretendem medir. Menos ainda são precisos quanto a bem-estar material, mesmo na média. Mas podemos ver por essas e outras medidas (consumo, trabalho, miséria etc.) que melhoramos um pouco.

Na minha medida mais do que impressionista e idiossincrática, em 2014 não via crianças vendendo coisas no sinal, pedintes famintos ou a selvageria de pessoas destruídas e largadas nas ruas do centro rico ou remediado de São Paulo. Alguns dos abatidos pela crise ainda estão lá, mas muitíssimo menos do que em 2023 ou antes. Até as multidões de zumbis sociais do centro velho da cidade parecem menores.

Não foi apenas o PIB, claro. O valor total e médio dos benefícios sociais, Bolsa Família em particular, aumentou bem, embora, com tamanha melhora, a miséria já pudesse ter sido praticamente erradicada (há miseráveis que não recebem os benefícios). Miséria no sentido puramente monetário: a pobreza tem um monte de aspectos e causa danos de espécie variada.

Essa outra década perdida, a que começou em 2014, dá o que pensar. Tivemos aquela entre os anos 1980 e 1990. Crescemos muito pouco entre 1995 e 2003, entre o Real e o primeiro ano de Lula 1. Fins de Lula 1 e Lula 2 foram os melhores anos desde 1980.

Dependemos muito, como quase sempre, de ciclos de commodities (dos preços dos produtos que exportamos), por vezes fazendo bom uso da bonança, por vezes não. Faz mais de 40 anos passou a última onda de crescimento longo e muito rápido, já então crescimento "forçado" no final dos anos 1970, errado e marcado para morrer em uma crise grande, que enfim sobreveio, no início dos anos 1980. Estamos desde então tentando acabar a travessia desse deserto, encontrando um oásis ou outro pelo caminho.

Parece impróprio ou exagerado falar de passado remoto em um dia que estamos a analisar o mero resultado do crescimento do quarto trimestre de 2024. Olhando os dados recentes, porém, o fantasma das ondas curtas de crescimento parece emanar das planilhas. Ou pelo menos vem o medo dos maus espíritos.

A economia desacelerou no final de 2024, mais do que o previsto. A baixa do ritmo em indústria e serviços impressionou. O consumo privado caiu 1% no quarto trimestre (ante o terceiro). Não se via tal coisa, baixa do "consumo das famílias" desde os anos da Grande Recessão (afora os anos da epidemia, claro, que é outra história).

Poderia ser passageiro. Não deve ser assim, dadas as taxas de juros de arrocho, a redução do gasto do governo, que já não pode crescer mais sem causar efeitos colaterais ruins, tumultos na economia e política mundiais e preços menos brilhantes das commodities. Alguma desaceleração haverá. Seria uma mera baixa cíclica do ritmo, amena? Pode ser. Chuta-se por ora que cresceremos entre 1,5% e 2% neste 2025, com encolhimento do PIB no segundo semestre.

Dados os erros de avaliação da economia, nos últimos quatro anos, até isso é muito difícil de saber. Sabemos pouco dessa (talvez) nova economia brasileira pós-epidemia, pós-depressão, com peso maior do setor externo (exportações e importações), talvez renovada em parte por métodos e tecnologias novas.

Mas sabemos uma ou outra coisa. A economia parece aquecida além da conta, vide a inflação e o aumento de importações. Importante, a taxa de poupança é muito baixa (14,5% do PIB), neste século maior apenas do que nos anos depressivos de 2016-2019 e do que em 2000-2001.

A taxa de investimento está em 17%. Taxa de investimento: quanto do PIB é destinado a ampliar a capacidade de produção de bens e serviços (novas moradias, instalações produtivas, máquinas, equipamentos, "softwares" etc.). Em 2024, foi maior apenas do que, de novo, nos anos depressivos de 2016 e 2019 e do que em 2003, neste século. Os ciclos de crescimento não irão muito longe ou também não terão ondas altas com investimento tão baixo. O crescimento do investimento em 2024 foi até melhorzinho, 7,3%, mas decresceu ao longo do ano.

Este 2025 deve começar sendo salvo pelo crescimento da agropecuária, como em 2023. A sensação térmica do PIB será pior. Se o governo não fizer bobagem (tentar anabolizar a economia), talvez juros e dólar possam baixar mais cedo. Talvez em 2026 recomece um ciclo melhor. Mas alguns dos nossos problemas crônicos estão ali nas tabelas do PIB: investimento e poupança baixos, volatilidade alta.

PIB engata 4º ano de bom crescimento. Por que então esse sentimento de fracasso na economia?. OESP

 

Foto do author Alexandre Calais
Atualização: 

economia brasileira cresceu 3,4% no ano passado. Isso fecha um quadriênio bastante positivo, depois do desastre da pandemia, quando houve uma queda de 3,3%. Foram altas seguidas de 4,8% (2021), 3% (2022) e 3,2% (2023), números que podem ser considerados significativos quando se trata do Brasil. Por que então temos esse sentimento de fracasso na economia?

PUBLICIDADE

Números são importantes, mas não mostram tudo. O Brasil tem exibido indicadores bastante positivos nos últimos tempos, mas, em geral, são a parte meio cheia do copo.

desemprego, por exemplo, atingiu os menores níveis históricos no ano passado — a taxa média foi de 6,6%, o melhor resultado desde o início da série iniciada em 2012 pelo IBGE, praticamente um “pleno emprego”. Mas que desemprego é esse? Dos 103 milhões de pessoas que tinham uma ocupação no ano passado, 39% estavam na informalidade. Dezenove milhões de pessoas estavam “subocupadas”, ou seja, trabalhavam menos do que gostariam.

38% dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade
38% dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade Foto: Alex Silva/Estadão

A renda média anual cresceu 1,5% em relação a 2023, e ficou em R$ 3.225. Foi o segundo ano seguido de alta, o que poderia ser considerado bom. Mas é praticamente o mesmo valor registrado uma década antes: em 2014, o valor foi de R$ 3.125. Ou seja, a sensação é de que não saímos do lugar.

Publicidade

O número de famílias endividadas recuou no ano passado em relação a 2023, de acordo com uma pesquisa divulgada pela Confederação Nacional do Comércio em janeiro. Caiu de 77,6% para 76,7%, uma diminuição que, na prática, significa bem pouco. O número continua alto e a sensação de todos é sempre de estar com a faca no pescoço.

Outro número divulgado nesta quinta-feira, 6, pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), mostra que a confiança do consumidor paulista na economia está em queda. Era de 100 pontos em janeiro (índice considerado como “neutro”) e ficou em 98 pontos no mês passado (já no campo “pessimista”). A ACSP avalia que a queda da confiança tem relação com uma “percepção menos positiva da situação financeira das famílias, atrelada à deterioração das expectativas futuras em relação à renda e ao emprego”.

A inflação alta — mas nem tão alta assim, considerando o nosso histórico — tem ajudado nessa percepção ruim. Como um pedaço importante da alta de preço vem dos alimentos, o governo anunciou um pacote para tentar remediar isso. Basicamente, isentou do imposto de importação produtos como carnes, café e açúcar. Na avaliação de especialistas, medidas absolutamente inócuas. Parecem apenas mais um remendo de um governo preocupado com a perda veloz de popularidade em um momento complicado — com uma eleição que ainda parece distante, mas que já permeia todas as decisões.

Para conter a inflação, os juros voltaram a subir. Muito. Há pouco tempo, estavam em 2% ao ano, e agora rumam para os 15%. É um sinal muito claro de uma economia absolutamente desarrumada.

Publicidade

No frigir dos ovos, os números acabam contando uma parte pequena da história. Sem um projeto concreto de crescimento de longo prazo, estamos fadados a comemorar números positivos num dia para lamentar indicadores negativos no outro. É assim que vivemos há décadas. Parece uma sina da qual não conseguimos nos livrar.

O remédio para escapar disso parece cada vez mais distante, em uma sociedade a cada dia mais polarizada. Seria preciso um grande pacto nacional para o País todo conseguir caminhar no mesmo rumo. Executivo, Legislativo, Judiciário e toda a sociedade precisariam de um mínimo de alinhamento, deixando de lado seus interesses particulares, para conseguir chegar a um objetivo bom para todos.

Para conseguirmos um pacto semelhante, no Plano Real, foram necessários anos de hiperinflação. Qual será o tamanho da crise necessária agora para que todos acordem?

Foto do autor
Análise por Alexandre Calais

Editor de Economia