sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Colocando ordem na desordem, Marcia Castro. FSP

 Ao tomar posse em 2023, o presidente Lula deixou claro que o acesso adequado à saúde era uma das prioridades de seu governo.

O longo tempo de espera para acesso a exames, procedimentos e atenção especializada, além de vazios assistenciais e gestão ineficiente de recursos, são gargalos da saúde que levam ao descrédito da população no SUS.

Esses gargalos resultam de problemas estruturais que acompanham o SUS desde a sua criação, a saber, o subfinanciamento e a frágil governança regional.

A imagem mostra várias pessoas sentadas em bancos de concreto ao lado de uma entrada iluminada, que parece ser de um hospital ou unidade de saúde. Algumas pessoas estão com expressão de cansaço ou desconforto, e uma delas usa máscara facial. Outras estão em pé, formando uma fila, sugerindo espera para atendimento. O ambiente é simples, com iluminação artificial, e o local parece movimentado, típico de um pronto-socorro ou unidade médica pública.
Pessoas aguardam atendimento na Upa City Jaraguá, em São Paulo - Ronny Santos - 29.abr.2024/Folhapress

Em fevereiro de 2023, o governo deu o primeiro passo para mitigar as longas filas. Lançou o Programa Nacional de Redução das Filas (PNRF), com foco na redução das filas de cirurgias eletivas, cujo tempo de espera havia se agravado durante a pandemia de Covid-19.

Em 2023, as cirurgias eletivas previstas no programa tiveram um aumento de 20% comparado com 2022. A estimativa para 2024 é de um aumento de 40%. A grande oportunidade de colocar ordem na casa surge com o Programa Nacional de Expansão e Qualificação da Atenção Ambulatorial Especializada, também conhecido como Programa Mais Acesso a Especialistas (Pmae) .

A iniciativa busca ampliar e qualificar a atenção especializada, garantindo o acesso às consultas e aos exames, a partir de encaminhamento realizado pela atenção primária. Inicialmente, o foco será em cinco áreas de cuidado integrado: oncologia, cardiologia, otorrino, oftalmologia e ortopedia.

A meta é que consultas e exames sejam realizados em no máximo 30 dias (para atenção especializada em oncologia) ou 60 dias (para as demais especialidades).

Em vez de entrar na fila várias vezes (o que leva ao diagnóstico tardio ou a desistência da busca por atendimento, resultando em morbidade e mortalidade precoces), o paciente entra na fila apenas uma vez e recebe cuidado integrado, ágil e com retorno para atenção primária para acompanhamento.

Em áreas onde há carência de profissionais de atenção especializada, a ferramenta Telessaúde permitirá a expansão do atendimento sem que haja necessidade de deslocamento do paciente, a não ser para realização de alguns exames que demandam equipamentos especiais.

O Pmae aumentará a agilidade e resolutividade do cuidado, a confiança da população no SUS e a eficiência na gestão de recursos, além de reduzir a detecção e tratamento tardios de agravos. Estados e municípios precisam aderir ao Pmae e elaborar um Plano de Ação Regional (PAR).

Até dezembro de 2024 todos os estados e 99% dos municípios haviam aderido ao programa (42 dos 44 municípios que ainda não aderiram estão em Sergipe). Programas regionais já elaborados cobrem mais de 80% do território nacional. Planos regionais são uma inovação importante! Reconhecem diferenças geográficas.

Municípios que cumprirem a meta de tempo de atendimento recebem, como incentivo, um repasse maior para custear o serviço. Além disso, o Ministério da Saúde monitorará mensalmente a fila de espera, o que hoje não acontece já que não existe um sistema nacional que permita acompanhar o tempo de espera.

O Pmae, se bem implementado e monitorado, pode ser tão inovador e disruptivo para a atenção especializada como a Estratégia de Saúde da Família foi para a atenção básica.

Feliz 2025 para o SUS e a saúde no Brasil!

Roubança nas emendas: é preciso atacar gangues e feudos parlamentares, VTF FSP

 Ainda que não se furte ou se desperdice o dinheiro das emendas parlamentares, sabe-se que o modo pelo qual senadores e deputados modificam o Orçamento muita vez não tem planejamento, cálculo de eficiência, de prioridade ou picota recursos escassos em investimentos que podem até ser um campo de futebol society.

Sim, mas se furta. A comissão pode ser de 12%, segundo conversas captadas pela Polícia Federal, relatadas pela revista piauí. O resultado do trabalho da PF, de auditorias da Controladoria-Geral da União e, mais recentemente, do ministro Flávio Dino, do STF, são amostras de um buraco profundo, que começa com desperdício e ineficiência.

A imagem mostra um grupo de homens em uma reunião. Em primeiro plano, um homem de óculos e cabelo curto está olhando para baixo, com uma expressão séria. Ao fundo, outro homem está parcialmente visível, também com uma expressão concentrada. O ambiente parece ser um espaço formal, possivelmente uma sala de reuniões.
O ministro Flávio Dino em sessão plenária do STF (Supremo Tribunal Federal) - Pedro Ladeira/23.out.24/Folhapress

Faz parte das atribuições parlamentares emendar o Orçamento. Transformá-lo em colcha de retalhos miúdos é outra coisa. Pode ser que uma cidade pobre ou necessitada por outro motivo recorra a dinheiro federal a fim de resolver um problema municipal. Mas qual instância de governo terá recursos e capacidade de coordenação bastante para executar grandes obras de impacto regional ou nacional ou investimentos de fundo e de peso em pesquisa e ciência?

Esse problema parece quase luxuoso quando se faz uma pequena verificação do destino das emendas, como a auditoria que a CGU publicou em novembro, por exigência de Dino, do STF.

Quase 40% de 256 obras analisadas não haviam começado. Em parte das 30 cidades investigadas, não se sabia que fim se dera a equipamentos comprados. Das dez ONGs que mais haviam recebido dinheiro de emendas, sete não teriam capacidade técnica ou pessoal adequado para realizar o projeto bancado pelas emendas. Haveria superfaturamento. Etc.

Além do uso ineficiente de tanto dinheiro e da roubança já descoberta, o dinheiro das emendas é um modo de criar feudos. Note-se que os recursos das emendas equivalem mais ou menos a um quarto daquela parte do Orçamento que se chama de "livre" (que não é destinado a gastos obrigatórios, por leis, pela Constituição ou pela mera necessidade de funcionamento da máquina administrativa).

Os barões do Orçamento, lideranças partidárias e seus agregados, se tornam donos de um pedaço dos dinheiros federais, por lei ou pressão política. Donos. Vide a luta de quem pretende ao menos esclarecer quem manda no dinheiro, para onde vai e com que fim. A redução do butim é ora combate inglório, um problema também para a organização das contas federais.

O feudo que criaram e conquistaram nos anos de enfraquecimento caótico do Executivo (desde 2015) alimenta feudos eleitorais regionais, currais eleitorais e ração para políticos locais agregados. Além de distorcer a destinação de recursos, os barões do Orçamento criam dinastias políticas —distorcem a competição eleitoral.

O que fazer? A PF não pode dar batidas a torto e a direito. O trabalho da CGU indicou que, mesmo em pequena amostra, se puxa uma pena e vem uma galinha. O inquérito da PF para investigar o processo de liberação das emendas, determinado em dezembro por Dino, deve descobrir mais bichos gordos. Mas é preciso mais auditoria.

O governo vai fazer? Gente graúda do Congresso já diz que Dino e Lula estão mancomunados. Se o governo investigar mais, é possível que barões e gangues se revoltem, como fizeram com Dilma Rousseff, de quem queriam ajuda para fugir da polícia.

De onde pode sair um movimento nacional de pressão?

Bruno Boghossian Auto do vale-peru encerra espetáculo de privilégios do Judiciário, FSP

 Nos dias finais de 2024, os tribunais brasileiros encenaram mais um espetáculo de exibição de privilégios. Em três atos, magistrados da primeira à última instância, mostraram o contorcionismo que fazem todos os anos para preservar auxílios, gratificações e indenizações que se somam a seus salários.

A abertura ficou por conta do presidente do STF. Quando a questão dos supersalários tomou forma na discussão sobre o ajuste fiscal, Luís Roberto Barroso reagiu a uma proposta que não deveria ofender ninguém: seguir o que está na Constituição e limitar o valor pago a qualquer servidor público, incluindo juízes.

Como representante da corporação, Barroso declarou que "o Judiciário não tem participação nem responsabilidade sobre a crise fiscal". Acrescentou que o aumento de despesas dos tribunais nos últimos anos foi modesto e indicou que é preciso furar o teto salarial para que os cargos sejam atrativos. Não se pode culpar o ministro por vícios que existem há décadas, mas ele também não precisa enfeitá-los.

A estátua da Justiça, em frente à sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Agência Brasil

Por trás da cortina, lobistas dos tribunais já trabalhavam para desfigurar no Congresso a proposta do governo que deveria dificultar o pagamento de benefícios acima do teto. Em pouco tempo, entidades que representam juízes, procuradores e defensores conseguiram emplacar uma versão do texto que praticamente garante os penduricalhos.

A apresentação terminou com o auto do vale-peru, protagonizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Nas últimas semanas do ano, a corte determinou o pagamento de um auxílio-alimentação especial de R$ 10 mil para juízes e servidores. O Conselho Nacional de Justiça não engoliu o atrevimento e mandou suspender o mimo dois dias depois.

O tribunal prolongou o vexame e pagou o vale-peru, com o argumento de que a decisão do CNJ não foi informada a tempo. A presidente da corte teve que pedir a devolução do dinheiro e lembrou que o TJ-MT vive um "momento desafiador". A magistrada não precisou dizer com todas as letras que o tribunal, que paga em média R$ 116 mil por mês para cada desembargador, tem três integrantes investigados pela venda de sentenças judiciais.