quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Pastor admite intermediar emenda para favorecer filhos políticos: ‘Quer dinheiro?’; veja vídeo, OESP

BRASÍLIA - O pastor José Wellington Bezerra da Costa, um dos líderes mais influentes da Assembleia de Deus no Brasil, admitiu que a igreja tem feito a intermediação do pagamento de emendas parlamentares para eleger três de seus filhos em São Paulo, maior colégio eleitoral do País. José Wellington também proibiu o apoio de pastores a candidatos que não sejam “ungidos” pela denominação evangélica.

Os filhos do pastor – o deputado federal Paulo Freire Costa (PL-SP), a deputada estadual Marta Costa (PSD-SP) e a vereadora Rute Costa (PSDB-SP) – tiveram acesso a R$ 25 milhões em recursos públicos, no ano passado. Nas eleições que disputaram, os três foram abertamente apoiados pela igreja durante as campanhas.

“A emenda só vai para o prefeito por intermédio do pedido do pastor da Assembleia de Deus”, disse José Wellington durante reunião de obreiros, realizada na última segunda-feira, em São Paulo. “O eleitorado que ali está, irmãos, não é do prefeito, mas são irmãos em Cristo que estão nos apoiando para que os nossos candidatos continuem trabalhando.”

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Pastor José Wellington Bezerra da Costa em reunião de obreiros. Foto: TV Estadão

José Wellington controla a Convenção-Geral das Assembleias de Deus no Brasil, a mais antiga do segmento, há três décadas. Em São Paulo, é líder do Ministério do Belém, vertente mais tradicional da denominação no Sudeste, e apoiou a campanha de Jair Bolsonaro em 2018. No culto, ele afirmou que os filhos são livres para escolher os beneficiados, mas revelou como abordam os prefeitos: “Você quer dinheiro? Quer, mas chame então o pastor da Assembleia de Deus”.

 

No ano passado, o deputado Paulo Freire Costa teve acesso a R$ 16 milhões em emendas, valor destinado a cada um dos congressistas. Ele indicou verbas para 26 beneficiários, incluindo R$ 395 mil para Campinas, onde é pastor, e R$ 600 mil para dois municípios (Bilac e Santópolis do Aguapeí) na modalidade transferência especial, apelidada de “pix orçamentário” por repassar um “cheque em branco” para prefeituras sem fiscalização federal.

Templo

Apesar do apoio a Bolsonaro, José Wellington já foi próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje favorito nas pesquisas de intenção de voto para a disputa ao Planalto. Na reunião em que discorreu sobre as emendas estavam presentes pré-candidatos em outubro, incluindo o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), aliado de Bolsonaro. Aos subordinados, José Wellington costuma dizer que ora por todos e dá espaço a concorrentes de diferentes partidos no púlpito do templo.

Nos últimos anos, a Assembleia de Deus do Belém, uma das vertentes da denominação no Brasil, viu outras alas ocuparem espaços políticos no Congresso. A presidência da bancada evangélica na Câmara passou ontem das mãos do deputado Cezinha de Madureira para as de Sóstenes Cavalcante, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (mais informações nesta página). As duas igrejas são consideradas “irmãs” do Belém, mas disputam poder onde estão instaladas.

Aos líderes, José Wellington expôs a preocupação com o apoio de pastores a candidatos que não são da Assembleia de Deus e apontou o pagamento de emendas como forma de dar força aos nomes escolhidos para representar os fiéis no Legislativo. “Meus irmãos, trabalhem para eleger os nossos irmãos na fé, procurem eleger os nossos irmãos na fé. Glória! Seja fiel a este nome: Assembleia de Deus no Brasil.”

A chancela dos recursos pelos pastores serve, nas palavras do patriarca assembleiano, “para evitar qualquer nuvem negra sobre o comportamento dos nossos companheiros”. José Wellington fez um alerta para que os pastores não aceitem emendas diretamente para as igrejas, ou seja, a intermediação tem de ser feita para destinar recursos às prefeituras ou a outras instituições. “A igreja não precisa de dinheiro do Estado”, insistiu.

Procurado pela reportagem, o pastor confirmou que põe líderes da igreja em contato com prefeitos beneficiados por emendas de seus filhos parlamentares, mas negou troca de favores. “Quando o prefeito de uma cidade precisa de uma verba, é evidente que nós mandamos o pastor da nossa igreja para que ele tenha conhecimento com o prefeito. O nosso deputado vai entender, naturalmente, se a verba for coisa lícita, for necessária, mas pelos canais oficiais”, disse ele. “A igreja não tem qualquer compromisso político.”

Ao admitir que a igreja lança candidatos e pede voto para os fiéis, José Wellington disse ser preciso manter a doutrina. “O candidato da minha igreja, eu ponho ele no púlpito, eu ponho ele na minha casa, eu ponho ele no meu carro, eu ponho ele onde eu quiser. Outros candidatos de fora, não”, afirmou. “Quem trouxe a política para o ministério da Assembleia de Deus fui eu porque entendi que existem interesses da igreja, especialmente legais. Alguns deputados estão fazendo coisas meio marotas contra nossa doutrina pública, que precisamos manter.”  

Ruy Castro Sob o Bolso-Reichnaro, FSP

 Na segunda-feira (7), o youtuber Bruno Aiub, vulgo Monark, e o conhecido Kim Kataguiri, vulgo deputado federal (DEM-SP), defenderam o direito de existência no Brasil de um partido nazista. Na terça, um ex-BBB, vulgo comentarista político, tratou do assunto em seu canal e ergueu o braço à maneira nazista. Diante do clamor nacional, todos amarelaram. Um estava "bêbado", outro foi "mal interpretado" e o terceiro queria ser "galhofeiro". Quem não sabe beber, se expressar ou fazer galhofa não deve descer para o play. Inúmeras vozes responsáveis repudiaram as declarações. Só Jair Bolsonaro, vulgo presidente da República, não se manifestou.

Mas há mais debaixo disso do que a irresponsabilidade de três patetas. Desde 2019, em vários estados, sujeitos têm passeado em shoppings com suásticas no braço, abanado bandeiras nazistas na janela e enviado emojis referentes a Adolf Hitler. Um professor, temo que com jovens sob sua influência, decorou o fundo da piscina com uma suástica.

Há estímulos para tal. Em 2021, o secretário especial de Cultura de Bolsonaro, Roberto Alvim, citou em pronunciamento oficial uma frase de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda do Reich. Em seguida, Filipe Martins, assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, fez para milhões um gesto dos supremacistas brancos. Bolsonaro não se alterou. E nem podia porque, pouco depois, recebeu em palácio uma líder da extrema direita alemã e neta do ministro das Finanças de Hitler.

Em 2020, estimava-se em 530 o número de células nazistas no país --uma célula é um grupo de pessoas numa mesma cidade. Por quanto esse número já não terá se multiplicado pela ação de youtubers, podcasters e —perigo— influencers?

Em breve, será muito fácil calcular. Como não há mais possibilidade de um apoiador de Bolsonaro ser um democrata, as eleições dirão exatamente quantos brasileiros ergueram o braço dentro da urna.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

O cachorro e o apito do cachorro, Sérgio Rodrigues, FSP

 O cidadão retirado do anonimato pelo BBB 2015 fez a saudação nazista no ar, num programa de debates daquele canal de TV de direita? Não fez. Fez sim, tanto que acabou demitido. Não, sim, não, sim. Costuma funcionar assim mesmo o "dog whistle".

Para quem anda distraído, "dog whistle" (em tradução literal, apito de cachorro) é uma ferramenta de comunicação política muito usada pela nova direita internacional –uma turma velha de um século na alma, mas agressivamente nova nos métodos.

Uso "dog whistle" porque quando se fala de apito de cachorro, em português, pouca gente pensa no sentido político da expressão. Este nasceu no inglês e não viajou tão bem. No entanto, é uma metáfora excelente.

Adrilles Jorge faz gesto polêmico em programa da Jovem Pan e é demitido
Adrilles Jorge faz gesto polêmico em programa da Jovem Pan e é demitido - Reprodução

Sabe-se que o apito de cachorro literal, ultrassônico, não é captado pelo ouvido humano. A mensagem que para muitos é silenciosa soa para outros –a cachorrada– nítida e estridente.

Quando alguém bebe um copo de leite diante da câmera, pode estar só bebendo leite, ato singelo e banal, quase vazio de sentido –silêncio. Estamos na faixa em que a maioria dos ouvidos nada capta.

O mesmo gesto apita alto ao ser interpretado como senha do supremacismo branco, convenção da alt-right americana que tem poucos anos de vida, segundo a estudiosa da nova direita Michele Prado, autora de "Tempestade Ideológica" (Lux).

Curiosamente, antes de virar símbolo racista o leite teve outro sentido. "Primeiro era usado para trollar esquerdistas", conta Prado. "Os influencers da alt-right diziam que os homens da esquerda eram efeminados porque consumiam muito leite de soja."

O "dog whistle" é algumas décadas mais velho que o leite envenenado. William Safire (1929-2009), que por 30 anos escreveu na revista do The New York Times uma coluna referencial sobre língua e linguagem, teve tempo de se debruçar sobre ele.

Safire acreditava que a acepção política de "dog whistle" fosse uma extensão de seu uso por pesquisadores de opinião dos anos 1980 para designar ruídos que só os entrevistados identificavam nas perguntas.

Nem sempre o apito é tão vistoso quanto um copo de leite ou um Sieg Heil. Em versão mais comum, que para alguns nem merece o nome de "dog whistle", um candidato homofóbico que não queira perder eleitores moderados pode se declarar "a favor da família tradicional" –o que soa mais respeitável do que "odeio gays", embora diga a mesma coisa.

É evidente a semelhança do apito de cachorro com a gíria, o jargão, qualquer código feito para excluir (a maioria) e incluir (os iniciados), fortalecendo o espírito de grupo. Contribui para isso o prazer infantil que, como todo código secreto, ele dá a quem o decifra.

Mas não se trata apenas de um recurso gregário. O apito também é eficiente em espalhar e tornar cada vez mais aceitáveis, naturalizadas por um número crescente de pessoas, mensagens que seriam rechaçadas pela sociedade como reprováveis ou mesmo criminosas se fossem expostas às claras.

Ninguém pode provar que não fosse apenas um tchauzinho tatibitate o gesto feito ao fim de um debate sobre o clamoroso episódio em que uma celebridade digital com nome de bicicleta defendera a legalização do Partido Nazista no Brasil.

Uma coisa é certa: demissões e cartas de repúdio à parte, a defesa do nazismo soa menos estapafúrdia hoje aos ouvidos do brasileiro médio do que soava no início da semana. O "dog whistle" vence até quando perde. Estão ouvindo o apito?