terça-feira, 30 de abril de 2024

Eleita a sétima melhor fruta do mundo, a jabuticaba coleciona feitos à saúde, OESP

 

Por Regina Célia Pereira

Uma espiada no ranking de frutas da plataforma internacional TasteAtlas, atualizado em 15 de abril, mostra a nossa jabuticaba na sétima posição. Trata-se da única brasileira entre as 10 melhores do mundo, eleita por usuários do site, famoso por trazer avaliações de pratos típicos dos quatro cantos do mundo. A lista completa exibe 94 espécies, e traz ainda o açaí na 20ª posição, o guaraná na 36ª e o fisális na 63ª.

E se agora a jabuticaba está no topo, em 2008 era quase uma desconhecida fora daqui. Foi nessa época que o engenheiro de alimentos Mário Maróstica, da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, começou suas pesquisas com o fruto. Um dos motivos que o levou à espécie foi a coloração exuberante da casca. “A cor denuncia a presença de compostos de ação antioxidante conhecidos como antocianinas”, diz.

Presente na lista das 10 melhores frutas do mundo, a jabuticaba concentra substâncias valiosas à saúde.
Presente na lista das 10 melhores frutas do mundo, a jabuticaba concentra substâncias valiosas à saúde.  Foto: Leonidas/Adobe Stock

Esse mesmo grupo de pigmentos, da família dos fenólicos, atrelado a uma porção de benefícios à saúde, contribuiu para parte da fama de algumas gringas, caso das “berries”, ou seja, cerejas, framboesas, amoras e mirtilos, além, é claro, das badaladas uvas.

Pigmentos especiais

PUBLICIDADE

O nome antocianina vem do grego, onde anthos significa flor e kyanos, azul. Acredita-se que hortênsias, azaleias e quaresmeiras tenham servido de inspiração. Assim como o trio, a beleza da jabuticaba serve de atrativo para pássaros, auxiliando na perpetuação da espécie. Insetos polinizadores também se encantam, inclusive as vespas do Sítio do Picapau Amarelo, como descreveu Monteiro Lobato (1882-1948).

Na natureza, as antocianinas servem como uma espécie de escudo, protegendo a fruta dos raios solares, das variações climáticas e de tantos outros fatores oxidantes. E atuação protetora também se dá no organismo humano, já que as substâncias neutralizam os radicais livres, moléculas desemparelhadas acusadas de danificar as células. Não à toa, são associadas à redução do risco de câncer, aliadas contra males cardiovasculares e doenças degenerativas, caso do Alzheimer.

Outros destaques

Apesar das antocianinas merecerem menção honrosa, a jabuticaba guarda outros fenólicos, caso do ácido gálico, do ácido elágico, da quercetina, das catequinas e das flavononas. Da mesma turma, há uma substância de nome peculiar, a jabuticabina.

imagem newsletter
NEWSLETTER
Saúde & Bem-Estar
Inspire-se com notícias sobre cuidados e qualidade de vida, às segundas e quintas.
Ao se cadastrar nas newsletters, você concorda com os Termos de Uso e Política de Privacidade.

Para fechar a lista com jeitão de aula de química, temos os taninos, que inclusive são apontados como os que amarram a boca.

PUBLICIDADE

Partindo para nomes mais populares, o alimento contém sais minerais como o potássio e o fósforo. “Vale destacar ainda a oferta de vitaminas do complexo B”, comenta a nutricionista Maísa Mota Antunes, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sem contar a quantidade de fibras, as guardiãs do intestino, inclusive existem trabalhos apontando seus efeitos na microbiota.

O que está por trás da coleção de evidências em prol da saúde é a sinergia de todos esses ingredientes.

Há indícios de que a mistura traz vantagens especiais ao coração, já que atua no equilíbrio das taxas de colesterol. Os compostos ainda seriam capazes de favorecer o relaxamento das artérias, num mecanismo bem-vindo para o controle da pressão arterial.

Em seus 16 anos de investigações nos laboratórios de Faculdade de Engenharia de Alimentos, da Unicamp, Maróstica já observou efeitos em diversos tipos de pesquisa, em células, com modelos animais ou ainda em ensaios clínicos, que envolvem voluntários. Um dos últimos estudos, publicado no periódico científico Nutrition Research, comprovou ação na síndrome metabólica – distúrbio marcado pelo acúmulo de gordura abdominal, hipertensão arterial, além de taxas elevadas de glicose e de alterações nos níveis de colesterol e triglicérides.

PUBLICIDADE

Foram recrutados 49 pacientes, com a síndrome, que apresentavam pelo menos três fatores. Eles foram divididos em dois grupos, uma turma foi orientada a consumir um suplemento em pó, feito com a casca da fruta, e os demais receberam placebo, diariamente, durante seis semanas. Os participantes também passaram por exames para monitorar esses parâmetros.

“Observamos impacto no controle da glicose, além da redução nos marcadores inflamatórios”, revela o pesquisador.

A riqueza da casca

Embora o fruto inteiro apresente compostos preciosos, é a casca que concentra maior quantidade, e ressalte-se, as antocianinas só aparecem ali. Portanto, não dá para desperdiçar.

PUBLICIDADE

Mas como ela é grossa, bem fibrosa, muita gente dispensa. Fora aquela explosão que acontece na boca ao mordê-la. “Dá um tipo de gastura”, brinca a professora Maísa. Por outro lado, há quem aprecie justamente essa experiência sensorial.

Uma sugestão para aproveitar tudo é fazer sucos, mas é importante bater e beber rapidamente, porque o passar do tempo pode alterar o sabor. Molhos, compotas e geleias também são preparações que guardam todas as substâncias.

Preparar sucos é uma ótima maneira de aproveitar a casca da jabuticaba, a parte mais rica da fruta.
Preparar sucos é uma ótima maneira de aproveitar a casca da jabuticaba, a parte mais rica da fruta. Foto: RHJ/Adobe Stock

“Errar a mão no açúcar, pode por tudo a perder”, diz a nutricionista e chef de cozinha Maria Cecília Corsi, à frente do Cecilia Corsi Food Coach, na capital paulista.

Cecília ainda aconselha zelo com a higienização das cascas e dar preferência às versões orgânicas do fruto.

Aos que gostam de ser aventurar na cozinha, dá para fazer um tipo de farinha, depois de assar a casca no forno, e deixar pães, biscoitos, vitaminas e outras preparações muito mais coloridas e nutritivas.

O lamento dos fãs é que se trata de uma espécie que, raramente, é encontrada fora do tempo. Geralmente dá as caras nos mercados entre setembro e os primeiros meses do ano.

“Reforça a sazonalidade”, elogia Maísa. A professora refere-se a um conceito cada vez mais valorizado que resulta em frutos mais nutritivos e saborosos.

PUBLICIDADE

“E ainda enaltece o que é nosso”, diz.

Nativa da Mata Atlântica, a jabuticabeira ocorre naturalmente em todos os estados das regiões sudeste e sul, mas se esparramou pelo interior do país. É chamada por cientistas de Plinia peruviana, Plinia cauliflora ou Myrciaria cauliflora. Mas os indígenas a batizaram de jabuticaba que significa “fruta em botão”. Eles já conhecem há tanto tempo, mas o mundo começa agora a descobrir tamanha riqueza.

A cultura do cancelamento embrutece a nossa sociedade, Wilson Gomes, SFP

 Quando acusada de um delito na antiguidade clássica, a pessoa tinha o direito de compor e fazer um discurso de autodefesa que seria apresentado diante de uma assembleia e perante seus acusadores.

Esse discurso, a apologia, era reconhecido como o exercício do sagrado direito de se defender diante de acusações públicas. Os gregos, que deram origem à prática, davam grande valor à honra e à integridade do indivíduo, não abriam mão das normas que garantiam o direito de autodefesa e davam ao acusado a oportunidade de se valer de todos os meios de persuasão.

No período medieval, a combinação entre religião e política mudou o sentido da apologia, que já não dava ao orador uma oportunidade de absolvição. A maioria dos acusados já havia sido condenada antes de sua defesa, de forma que a apologia era basicamente uma chance de aceitar o próprio destino, acolher a morte, mostrar por que se merecia ao menos o perdão de Deus. A persuasão por argumentos não tinha qualquer papel nesse processo, pois de nada valem a razão contra crença e a lógica contra o dogma.

Mudanças sociais importantes nas sociedades modernas e contemporâneas mudaram de forma radical o papel da defesa diante de acusações públicas. A democracia trouxe de volta a ideia de deliberação pública e o direito de ser ouvido e considerado, o pensamento liberal moldou a ideia de uma sociedade de direitos e o devido processo legal. A apologia já não precisa ser um discurso de sobrevivência, como na Antiguidade, ou de desespero, como na Idade Média, mas principalmente uma defesa da própria imagem e reputação diante da opinião pública.

Hoje, com a cultura do cancelamento, a impressão que se tem é a de uma brutal regressão às formas religiosas, dogmáticas e irracionais que haviam sido abandonadas com o advento da democracia e do Estado de Direito. Quando alguém é acusado publicamente, a sentença já está lavrada. A diferença legal entre acusado e culpado desapareceu, o devido processo é inaceitável.

Na ilustração, há duas cabeças frente a frente. A cabeça da esquerda em preto e branco é um perfil formado por  diversas impressões digitais que esboçam o perfil de Ludmilla. A cabeça da direita em tons de azul e preto está formada de um emaranhado de fios e cabos. Da boca desse emaranhado sai uma seta também feita de fios que entrando pela boca, atravessa a cabeça da esquerda.
Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes de 30 de abril de 2024 - Ariel Severino/Folhapress

Se estudantes de uma universidade acusam um professor de assédio moral, como aconteceu na UFBA na semana passada, ele é automaticamente um assediador e deve ser tratado como tal, arcando com todas as consequências da sua condição: impedido de dar aula, insultado, quando não imediatamente afastado e demitido. Não importa se a acusação tiver sido objeto de um processo administrativo que não lhe deu provimento. Em um mundo de direitos, uma acusação pode ser falsa, precipitada, sem fundamento, maliciosa ou desproporcional. Na cultura do cancelamento, não há hipótese de os acusadores estarem errados.

Em um videoclipe de Ludmilla que é quase um manifesto de correção política, havia um plano, com duração de uma fração de segundo, em que se via uma pichação típica das disputas no mercado religioso das periferias. "Só Jesus expulsa o Tranca Rua das pessoas", dizia. O plano anterior mostrava um cartaz de defesa do feminismo e denúncia do feminicídio. Mas o olhar patrulheiro conseguiu detectar e isolar apenas este plano, que lhe pareceu justificar a pesada acusação de que o clipe, logo Ludmilla, "incentivou", "reforçou" e "difundiu" racismo religioso e "instigou" a violência contra templos de religiões de matrizes africanas.

Em um universo de direitos, toda acusação pode ser desafiada a apresentar provas e argumentos e deve ser testada em sua solidez com base em razões e fatos. Na cultura do cancelamento, bastam as convicções dogmatizadas pelo grupo.

Ludmilla se tornou responsável pela violência a que estão sujeitas as religiões de matrizes africanas no Brasil, não importa o resto do vídeo, o manifesto que está na sua abertura, quem é a cantora ou qualquer discurso de autodefesa que ela apresente. Como na apologia medieval, nenhuma explicação será considerada, a sentença já foi expedida, a única coisa que lhe caberia é implorar perdão, apagar o vídeo e prometer não pecar mais.

Ludmilla não pode negar ter errado, alegar outra intenção, reivindicar outra interpretação, declarar que foi sem querer ou mostrar por sua história que é uma boa pessoa. Só a mortificação é aceitável: pequei e me arrependo, mereço todas as punições, nunca mais faço de novo.

Ai de quem se recusar a aceitar que todo acusado é culpado; pobre do incauto que repudiar a bruta covardia dos coletivos de linchadores e justiceiros. Quem está contra a sagrada fúria da multidão que ataca o assediador e a racista, o que mais poderia ser além de cúmplice das injustiças do mundo?

A cultura do cancelamento nos embruteceu como sociedade.