Uma espiada no ranking de frutas da plataforma internacional TasteAtlas, atualizado em 15 de abril, mostra a nossa jabuticaba na sétima posição. Trata-se da única brasileira entre as 10 melhores do mundo, eleita por usuários do site, famoso por trazer avaliações de pratos típicos dos quatro cantos do mundo. A lista completa exibe 94 espécies, e traz ainda o açaí na 20ª posição, o guaraná na 36ª e o fisális na 63ª.
E se agora a jabuticaba está no topo, em 2008 era quase uma desconhecida fora daqui. Foi nessa época que o engenheiro de alimentos Mário Maróstica, da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, começou suas pesquisas com o fruto. Um dos motivos que o levou à espécie foi a coloração exuberante da casca. “A cor denuncia a presença de compostos de ação antioxidante conhecidos como antocianinas”, diz.
Esse mesmo grupo de pigmentos, da família dos fenólicos, atrelado a uma porção de benefícios à saúde, contribuiu para parte da fama de algumas gringas, caso das “berries”, ou seja, cerejas, framboesas, amoras e mirtilos, além, é claro, das badaladas uvas.
Pigmentos especiais
O nome antocianina vem do grego, onde anthos significa flor e kyanos, azul. Acredita-se que hortênsias, azaleias e quaresmeiras tenham servido de inspiração. Assim como o trio, a beleza da jabuticaba serve de atrativo para pássaros, auxiliando na perpetuação da espécie. Insetos polinizadores também se encantam, inclusive as vespas do Sítio do Picapau Amarelo, como descreveu Monteiro Lobato (1882-1948).
Na natureza, as antocianinas servem como uma espécie de escudo, protegendo a fruta dos raios solares, das variações climáticas e de tantos outros fatores oxidantes. E atuação protetora também se dá no organismo humano, já que as substâncias neutralizam os radicais livres, moléculas desemparelhadas acusadas de danificar as células. Não à toa, são associadas à redução do risco de câncer, aliadas contra males cardiovasculares e doenças degenerativas, caso do Alzheimer.
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Outros destaques
Apesar das antocianinas merecerem menção honrosa, a jabuticaba guarda outros fenólicos, caso do ácido gálico, do ácido elágico, da quercetina, das catequinas e das flavononas. Da mesma turma, há uma substância de nome peculiar, a jabuticabina.
Para fechar a lista com jeitão de aula de química, temos os taninos, que inclusive são apontados como os que amarram a boca.
Partindo para nomes mais populares, o alimento contém sais minerais como o potássio e o fósforo. “Vale destacar ainda a oferta de vitaminas do complexo B”, comenta a nutricionista Maísa Mota Antunes, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sem contar a quantidade de fibras, as guardiãs do intestino, inclusive existem trabalhos apontando seus efeitos na microbiota.
O que está por trás da coleção de evidências em prol da saúde é a sinergia de todos esses ingredientes.
Há indícios de que a mistura traz vantagens especiais ao coração, já que atua no equilíbrio das taxas de colesterol. Os compostos ainda seriam capazes de favorecer o relaxamento das artérias, num mecanismo bem-vindo para o controle da pressão arterial.
Em seus 16 anos de investigações nos laboratórios de Faculdade de Engenharia de Alimentos, da Unicamp, Maróstica já observou efeitos em diversos tipos de pesquisa, em células, com modelos animais ou ainda em ensaios clínicos, que envolvem voluntários. Um dos últimos estudos, publicado no periódico científico Nutrition Research, comprovou ação na síndrome metabólica – distúrbio marcado pelo acúmulo de gordura abdominal, hipertensão arterial, além de taxas elevadas de glicose e de alterações nos níveis de colesterol e triglicérides.
Foram recrutados 49 pacientes, com a síndrome, que apresentavam pelo menos três fatores. Eles foram divididos em dois grupos, uma turma foi orientada a consumir um suplemento em pó, feito com a casca da fruta, e os demais receberam placebo, diariamente, durante seis semanas. Os participantes também passaram por exames para monitorar esses parâmetros.
“Observamos impacto no controle da glicose, além da redução nos marcadores inflamatórios”, revela o pesquisador.
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A riqueza da casca
Embora o fruto inteiro apresente compostos preciosos, é a casca que concentra maior quantidade, e ressalte-se, as antocianinas só aparecem ali. Portanto, não dá para desperdiçar.
Mas como ela é grossa, bem fibrosa, muita gente dispensa. Fora aquela explosão que acontece na boca ao mordê-la. “Dá um tipo de gastura”, brinca a professora Maísa. Por outro lado, há quem aprecie justamente essa experiência sensorial.
Uma sugestão para aproveitar tudo é fazer sucos, mas é importante bater e beber rapidamente, porque o passar do tempo pode alterar o sabor. Molhos, compotas e geleias também são preparações que guardam todas as substâncias.
“Errar a mão no açúcar, pode por tudo a perder”, diz a nutricionista e chef de cozinha Maria Cecília Corsi, à frente do Cecilia Corsi Food Coach, na capital paulista.
Cecília ainda aconselha zelo com a higienização das cascas e dar preferência às versões orgânicas do fruto.
Aos que gostam de ser aventurar na cozinha, dá para fazer um tipo de farinha, depois de assar a casca no forno, e deixar pães, biscoitos, vitaminas e outras preparações muito mais coloridas e nutritivas.
O lamento dos fãs é que se trata de uma espécie que, raramente, é encontrada fora do tempo. Geralmente dá as caras nos mercados entre setembro e os primeiros meses do ano.
“Reforça a sazonalidade”, elogia Maísa. A professora refere-se a um conceito cada vez mais valorizado que resulta em frutos mais nutritivos e saborosos.
“E ainda enaltece o que é nosso”, diz.
Nativa da Mata Atlântica, a jabuticabeira ocorre naturalmente em todos os estados das regiões sudeste e sul, mas se esparramou pelo interior do país. É chamada por cientistas de Plinia peruviana, Plinia cauliflora ou Myrciaria cauliflora. Mas os indígenas a batizaram de jabuticaba que significa “fruta em botão”. Eles já conhecem há tanto tempo, mas o mundo começa agora a descobrir tamanha riqueza.