Sempre, desde pequeno, me pergunto por que mudamos de ano se nossa vida continua a mesma. Se acabaram a desigualdade e a injustiça e não pagaremos a odiosa dívida externa? Acabou a exploração neoliberal e agora defendemos o planeta e o clima? Ou será que Bolsonaro renunciou? A pandemia e os confinamentos acabaram? De jeito nenhum!
Dizem que o dia 31 de dezembro é o último do calendário gregoriano, o padrão de 365 dias (mais um no nos anos bissextos, como em como 2020) que governou o Ocidente desde que o calendário juliano foi descontinuado, em 1582. Sua passagem celebra o fim de um ciclo que marcou as contas do tempo para várias culturas e por milênios: uma revolução completa da Terra em torno de sua estrela, o sol.
Não há dúvida de que a data em que um ano começa e termina não é baseada na ciência, mas sim em uma convenção, um sistema “inventado”. Assumir que o ano termina à meia-noite do dia 31 de dezembro e começa no dia 1º de janeiro é uma construção social, definição que se deu em um momento da história.
O dia e o ano (conforme definido hoje) são baseados no movimento da Terra sobre si mesma e ao redor do Sol. Eles são os blocos de construção de um calendário solar. No entanto, o mês é uma unidade baseada no movimento da Lua e forma a base dos calendários lunares.
Como a base para medir um ano é o tempo que a Terra leva para girar em torno do Sol, a contagem do início e do término desse ciclo pode ocorrer, na prática, a qualquer momento. E desde que o imperador romano Júlio César o colocou em vigor, no ano de 46 a. C., o calendário juliano serviu para contar a passagem dos anos e da história da Europa, até o final do século XVI.
Mas, desde a Idade Média, vários astrônomos perceberam que essa forma de medir o tempo produzia um erro cumulativo de aproximadamente 11 minutos e 14 segundos a cada ano. E assim, em 1582, o Papa Gregório XIII promoveu a reforma do calendário, adotando o que usamos até hoje e introduzindoos bissextos para corrigir os erros de cálculo no calendário juliano.
A verdade é que não existe uma unidade de medida única, mas pelo menos quatro para contar o tempo que a Terra leva para circundar o Sol: o ano juliano ou calendário, o ano sideral, o ano trópico médio e o ano anomalístico. O juliano é uma convenção e é usado na astronomia como uma unidade de medida em que se considera que a Terra gira em torno do Sol em 365,25 dias.
O ano sideral é aquele que leva para a Terra fazer uma revolução do Sol em relação a um sistema de referência fixo. Nesse caso, toma-se como referência o grupo de estrelas fixas e esse ano tem uma duração de 365,25636. O trópico médio leva em consideração o comprimento da eclíptica do Sol, ou seja, a trajetória do Sol no céu em relação à Terra ao longo do ano, principalmente nos equinócios, que dura um pouco menos que o ano sideral, 365,242189 dias.
E, finalmente, o ano anomalístico sinaliza que a Terra, como os outros planetas, se move em reticências. Essa elipse às vezes torna o Sol cada vez mais distante da Terra. Mas há um ponto em que os dois estão mais próximos que nunca, o chamado periélio. E o ano anomalístico é o tempo decorrido entre duas passagens consecutivas da Terra através de seu periélio. Dura 365,2596 dias.
Isso tudo é muito preocupante. Mas talvez devêssemos valorizar que todo dia 31 de dezembro é a oportunidade de passá-lo com a família, com os amigos, na esperança de que desta vez, neste ano que se inicia, nossas esperanças floresçam.
Os escritores eo ano novo
Muitas promessas são feitas no Ano Novo, mas poucas são concretizadas. Para não ficar totalmente desmotivado, é altamente recomendável levar em consideração o pensamento desses escritores na noite de 31 de dezembro.
Por exemplo, Mark Twain publicou um artigo em 1863, dizendo que “este é o momento aceitável para tomar as boas resoluções habituais a cada ano. Na próxima semana, você poderá pavimentar o caminho para o inferno com eles, como sempre. Ontem, todo mundo fumou seu último cigarro, bebeu seu último gole e disse sua última grosseria. Hoje, somos o exemplo de uma comunidade perfeita”.
“O Ano Novo é uma tradição inofensiva, sem uso especial para ninguém, exceto como pretexto perfeito para beber promiscuamente, fazer gestos amigáveis %u20B%u20Be propostas tolas. Espero que o disfrutem com o conforto adequado para a grandeza da ocasião”, acrescentou.
De sua parte, G.K. Chesterton, comentou que “a meta do Ano Novo não deve ser a de ter um ano novo. Deveria ser para ter uma nova alma e um novo nariz, novos pés, novas costas, novas orelhas e novos olhos. A menos que esse homem em particular tenha feito resoluções de Ano Novo, não haverá propósito. A menos que um homem comece tudo do zero, ele não fará nada efetivo”.
Charles Bukowki, em seu poema “Palm Leaves” disse que “o fim do ano sempre me apavora… a vida não conhece os anos”. E Oscar Wilde apontou que “as boas resoluções são simplesmente cheques emitidos para um banco no qual não há conta”.
O poeta espanhol León Felipe lamentou: “que pena se esta nossa vida tivesse – esta nossa vida – mil anos de existência! Quem o tornaria tolerável até o fim? Quem aguentaria tudo sem protestar? Quem lê dez séculos de história e não a fecha vendo as mesmas coisas sempre com uma data diferente? Os mesmos homens, as mesmas guerras, os mesmos tiranos, as mesmas grilhões, os mesmos farsantes, as mesmas seitas e os mesmos, os mesmos poetas! Que pena que tudo é sempre assim, sempre da mesma forma! Que pena!”
Tomara
Mais perto de nós, Eduardo Galeano nos deixou seus “Desejos de Ano Novo”:
“– Tomara que sejamos dignos de uma esperança desesperada.
– Tomara que possamos ter a coragem de ficar sozinhos, e a valentia de arriscar estarmos juntos, porque de nada serve um dente fora da boca, ou um dedo fora da mão.
– Tomara que possamos ser desobedientes, toda vez que recebamos ordens que humilhem nossa consciência ou violem nosso bom senso.
– Tomara que possamos ser tão teimosos para continuar acreditando, contra todas as evidências, que a condição humana vale a pena, porque fomos maltratados, mas não estamos acabados.
– Tomara sejamos capazes de continuar trilhando os caminhos do vento, apesar das quedas, e das traições, e das derrotas, porque a história continua, muito além de nós, e quando ela diz adeus, está dizendo até logo.
– Tomara que possamos manter viva a certeza de que é possível ser compatriota e contemporâneo de quem vive animado pela vontade de justiça e pela vontade de beleza, nasça de onde nasça e viva quando viva, porque não há fronteiras nos mapas da alma e do tempo”.
Tomara. E para não abandonar as convenções ou os bons costumes, mas fazendo força para virar o omelete, Feliz Ano Novo… E a redobrar a esperança!”.
Aram Aharonian é jornalista e comunicador uruguaio, criador do canal TeleSur, presidente da Fundação para a Integração Latino- Americana (FILA) e diretor do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)
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