O ano de 2021 terminou como começou: mau, péssimo, desgraçado. No último dia de dezembro o Governo Federal divulgou mais uma de suas façanhas, a destruição de novos 8.531 km2 de cerrado.
Essa área corresponde a uma vez e meia a do Distrito Federal, onde milicianos e militares arquitetam a aniquilação do patrimônio natural, da saúde pública e do ensino —da civilização, enfim. Sob cumplicidade de um Congresso venal e vistas grossas de um Supremo pusilânime.
Assim é o Brasil de Jair Bolsonaro, completando três anos de notícias ruins para tudo que vive e viceja. Entrará para a história como o período mais degradante após a Constituição de 1988, rivalizando só com a ditadura torturante que a precedeu.
O grande sertão de Guimarães Rosa caminha para se acabar, enquanto a maioria dos que se preocupam com o ambiente só tem olhos para a Amazônia. Metade da savana brasileira já foi para o saco, e essa vitória de Pirro sobre a natureza é celebrada com bandeiras do Brasil em cada porteira de fazenda na região.
De agosto de 2020 a julho de 2021, o sistema Prodes Cerrado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) flagrou os 8.531 km2 de corte raso, que implicam um aumento de 7,9% sobre o período anterior. No ano passado, os satélites usados pelo Inpe tinham registrado 7.905 km2.
O incremento nas derrubadas e queimadas preocupa porque reverte uma tendência de queda, mas é preciso reconhecer que a situação já foi pior. De 2001 a 2004, as taxas anuais eram da ordem de 25 mil a 30 mil km2, o triplo da cadência atual.
O ritmo caiu pela metade entre 2005 e 2008, despencando em seguida para menos de 8.000 km2/ano. Isso até 2018, ano da eleição de Bolsonaro, quando o agronegócio, atiçado pelo frenesi ufanista e por um ministro sinistro, meteu motosserra e correntão para passar a boiada sobre os ambientes naturais.
Pior para a Amazônia, que viu o desmate voltar para o patamar de cinco dígitos, e para o cerrado, que se aproxima disso. Poucos atentam para a diferença crucial na situação dos dois ambientes, entretanto: o bioma ao norte tem o dobro do tamanho e 82,6% preservados, contra apenas 48,8% do cerrado.
Se a velocidade de devastação seguir aumentando, o cerrado poderá alcançar um ponto crítico em duas décadas. Ao perder 62% da cobertura original, o bioma veria ameaçada a "percolação", conectividade de corredores naturais pelos quais circula a fauna, cuja sobrevivência ficaria então ameaçada de modo sistêmico.
Nossa savana abriga mais de 20 mil espécies vegetais, entre elas 5.000 endêmicas —plantas que só existem ali. Delas dependem 263 mamíferos, 71 deles presentes apenas no bioma dominante do planalto Central.
O que seria do cerrado sem o imponente lobo-guará, sem os buritis que pontilham as veredas úmidas? Um sertão acanhado, diminuído, por certo.
Não faltam iniciativas e soluções, porém, como mostrou a série de reportagens Foco no Cerrado, desta Folha. Falta é decência. Humanidade. Governo.
Nossa geração foi a que mais fez para destruir biodiversidade, mas também foi capaz de erigi-la à condição de um valor em si. Não por outra razão o maior biólogo da virada do século, Edward O. Wilson, defendeu em seus últimos anos que cada bioma da Terra tivesse metade de sua área preservada.
Wilson morreu neste final desgraçado de 2021. Thomas Lovejoy, seu companheiro na defesa do mundo natural, também se foi. Cerrado e floresta amazônica cambaleiam.
A fome voltou. Os números da Covid apodreceram. Crianças ficam sem vacina. Ômicron e H3N2 levantam um tsunami sem tamanho. Pobres baianos e mineiros sucumbem afogados e soterrados.
Com tanta morte, só Bolsonaro se diverte. Está em seu elemento.
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