02 de janeiro de 2022 | 04h00
Não há como fazer projeções econômicas otimistas para 2022. O governo não tem nada parecido com um programa econômico, colaborou para que interesses partidários capturassem o Orçamento, e com isso destruiu o arcabouço fiscal que a duras penas vinha sendo construído. O inevitável aumento da percepção de risco desestimulou as compras de ativos brasileiros por parte de não residentes e, pior ainda, estimulou os brasileiros a elevarem a proporção de investimentos em ativos estrangeiros, acentuando a depreciação do real.
A combinação do baixo grau de previsibilidade na economia com a queda da qualidade das instituições gerou um clima hostil aos investimentos. É isto que sinaliza o Índice de Incerteza da Economia, construído pela FGV. Seus quatro picos acima de 130 coincidem com as recessões de 2002, 2008, 2014 e 2020. Durante as recuperações das três primeiras eles logo declinaram, porém, desde a recuperação em V da recessão de 2020 ele ainda está próximo do fatídico nível de 130, o que sinaliza risco de uma recessão em 2022.
Uma exceção é o setor agrícola, que tem previsão de uma safra recorde. A outra é a construção civil, que até recentemente se beneficiou do aumento da demanda de imóveis provocado pelas baixas taxas de juros. Na direção contrária está a produção industrial, que nunca se recuperou da queda ocorrida nos dois primeiros anos da recessão iniciada em 2014, e que por longo período ainda será penalizada pelo rompimento das cadeias de suprimento. Quanto ao consumo das famílias, nem mesmo os mais ingênuos ainda acreditam no “aumento salvador de gastos” custeado pela “desova da poupança” acumulada em 2020. Embora o Auxílio Brasil contribua para elevar os gastos, a recuperação do nível de emprego ocorreu ao lado da sua precarização, o que reduz a massa salarial ampliada.
Dois riscos afetam este cenário. O primeiro é a reação do Fed, não somente apressando o encerramento da compra de ativos, como elevando ainda em 2022 a taxa dos fed funds. Gera, com isso, o fortalecimento do dólar cuja contrapartida é a depreciação de todas as demais moedas, o que coloca uma “pá de cal” na expectativa de que uma sensível valorização do real anteciparia o início da queda da taxa de juros. O segundo é o risco relativo ao populismo vindo da queda de popularidade do incumbente, que eleva a probabilidade de novas surpresas fiscais, com reflexos no câmbio e na inflação, dificultando a tarefa do Banco Central.
*EX-PRESIDENTE DO BC E SÓCIO DA A.C. PASTORE E ASSOCIADOS
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