Normalmente, a concepção de uma reforma tributária leva em conta alguns princípios e objetivos: simplificação, equidade, progressividade desejada, melhoria da eficiência alocativa, dentre outros. Para que sejam atingidos, a taxação do consumo, das rendas e do patrimônio devem ser, além de coerentes individualmente, consistentes entre si, de forma a produzir um sistema harmônico.
O “normalmente” já não é tão frequente. Na semana passada, o governo apresentou alterações, que caminham na direção correta, à tributação da renda das pessoas físicas e jurídicas, como a redução do IRPJ, a taxação dos dividendos, e a maior isonomia na taxação de alguns instrumentos financeiros.
O problema está nos detalhes, e a formulação produziu um “pasticcio” que será altamente indigesto ao setor produtivo, com implicações para os investimentos e para o crescimento econômico futuro. É difícil crer, por exemplo, que a brutal elevação que calcula-se para a tributação das empresas no lucro presumido (de 34% para 49%) ou que a definição de uma alíquota média sobre o lucro distribuído superior à da OCDE terá viés pró-crescimento.
Há duas interpretações: a correção da tabela do IR é uma medida eleitoreira (de eficácia duvidosa) encomendada pelo Planalto. Para viabilizá-la fiscalmente, produziu-se tal resultado. Disso se depreenderia, também, que o Ministério da Economia abriu mão de seu papel, eficaz até então, de barrar as “grandes ideias” que todos sabemos como termina.
A interpretação caridosa é que a versão submetida não passou pelos ajustes finais, aqueles onde as implicações para a dinâmica dos investimentos, produtividade e crescimento econômico são explicitadas aos interessados de forma a estabelecer limites ao que é possível ser feito. Iria para a conta das trapalhadas, como a finada ideia do uso de precatórios para financiar a expansão de programas sociais.
Se não for isso, teremos de aguardar os argumentos que defendem as escolhas e seus impactos. Será curioso para um governo dito pró-mercado que combate a má alocação de recursos (e que conta até com simpatizantes do inusitado “imposto é roubo”). Nada do que está ali é indefensável.
A progressividade do sistema e o tamanho da mordida em cada grupo são escolhas normativas. É apenas um caminho estranho ao que se defendeu até aqui e que onera ainda mais o setor produtivo em favor de uma fração (de tamanho incerto) da classe média.
Se a versão caridosa for a verdadeira, paciência. Coloca-se a conta no sujeito oculto que a produziu, e busca-se interlocução com a sociedade para que o projeto final seja melhor calibrado.
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