A tranquilidade gerada pela saída de Ernesto Araújo do Ministério da Relações Exteriores parece ter sido apenas um sonho de uma noite do outono brasileiro.
Acossado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito – que provavelmente apenas materializará provas para um futuro incerto, Bolsonaro voltou a tumultuar a política externa.
Muito possivelmente, Jair Bolsonaro não sofrerá impeachment ao final da CPI. Ocorre que nem Aras, o Procurador Geral da República, nem Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, devem tocar qualquer relatório de CPI para frente.
Se há algum risco, este se situa em momento posterior, seja no cenário interno ou mesmo externo. Mas ninguém pode afiançar absolutamente nada quanto ao futuro consequente ao que a CPI materializará.
Lamentavelmente, Jair Bolsonaro ataca novamente, e não se segura quando o tema é criar tumulto diplomático. Desta feita, Bolsonaro acusou a China de ter criado o Coronavírus em laboratório para dominar o mundo. Mais ou menos isso. Como se a China já não ditasse as regras do jogo há muito tempo.
O ambiente que estava um pouco ameno na gestão do novo Ministro das Relações Exteriores, Carlos França, pode mudar.
Lembremos que há pouco França amenizou o impacto das palavras do poderoso Ministro Paulo Guedes, que temerariamente acusou a China de propagar o vírus para vender vacinas. E, mais, que a melhor vacina seria norte-americana, a Pfizer.
Ora, a vacina da Pfizer é da alemã BioNTech, fundada pelo casal de médicos Ugur Sahin e Özlem Türeci; ele, médico nascido na Turquia, ela, filha de descendentes turcos.
Em um primeiro momento, com as desculpas de Guedes, tudo parecia entrar para o folclore de mais uma fala aloprada deste governo. Porém, o presidente teorizou novamente conspirações chinesas. O grande problema é que não sabemos até quando vai a paciência da China com os devaneios e agressões vindas do máximo mandatário do país.
O presidente, além de tudo, mostra-se mais preocupado em lançar uma irresponsável declaração como cortina de fumaça, do que calar-se quando se trata de China, o fornecedor de matéria prima para mais de 80% das vacinas aplicadas no Brasil.
A fala de Bolsonaro, na verdade, municia a oposição que lida com ações e omissões do governo federal. Atacar a China, maior parceira comercial e de vacinas neste momento, pode ter efeito contrário ao desejado pelo presidente, reiterando a figura de sabotador de vacinas e de controle da pandemia.
Em alguma medida, Bolsonaro atendeu a demanda de Ernesto Araújo, que há pouco lamentava ter o governo federal perdido a alma. Sabe-se lá a qual alma Araújo se referia. Talvez a alma do Dr.Evil, interpretado pelo ator Mike Myers, no filme Austin Powers, man of mistery (1997).
*Cássio Faeddo, advogado. Mestre em Direito. MBA em Relações Internacionais – FGV/SP
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