domingo, 30 de maio de 2021

Destinos turísticos se reinventam como ‘cidades-escritório’, OESP

 Cidades de praia sempre foram precárias. Ruas de terra, internet fraca. Mas a pandemia tem provocado uma transformação: com o trabalho a distância, muita gente, principalmente os mais ricos, tem passado temporadas no litoral ou em municípios do interior em busca de um lugar para trabalhar e, ao mesmo tempo, apreciar a natureza. Isso tem aquecido a economia dessas cidades. Prefeituras, empresas de telefonia e até aplicativos de delivery estão investindo para atrair um novo tipo de turista: o dos profissionais digitais.

A paulistana Carla Skaf Abbud, por exemplo, foi para a praia de Guarajuba (em Camaçari, na Bahia) e viu avanços na região. “Aqui não tinha nada. Agora, todo fim de semana tem feirinha ecológica, com vários restaurantes, comida portuguesa, pizza”, conta ela, que fechou o apartamento em São Paulo, onde morava. Hoje, ela e o marido – donos de uma rede de restaurantes – só vão para a capital paulista quando têm algum negócio inadiável. “Mesmo assim, vamos no primeiro voo e voltamos à noite.”

Carla é exemplo de um tipo de turista que começou a chegar no meio do ano passado e foi ficando. E isso fez os olhos das prefeituras locais brilharem. Foi assim em Ilhabela (SP)Campos do Jordão (SP)Porto Seguro (BA)Camaçari (BA)Alto Paraíso de Goiás – municípios com alto potencial turístico e, ao mesmo tempo, próximos a grandes centros.

Ilha Bela
Rodrigues afirma que maior demanda exigiu ‘mudança de cultura’ das cidades Foto: Marco Yamin/Estadão

“A gente só tem o turismo para manter a economia girando. Quando vimos que havia esse potencial, resolvemos investir”, diz Toninho Colucci (PL), prefeito de Ilhabela. Ele procurou várias empresas de telefonia para melhorar o acesso à internet. A Vivo se interessou e investiu R$ 2 milhões para esticar um cabo submarino do continente até a cidade, que antes era servida só com ondas de rádio.

A obra deve ser concluída em junho, mas a prefeitura já decidiu propagandear o feito: aplicou R$ 1 milhão numa campanha, na qual chama as pessoas para irem “trabalhar no paraíso” – com garantia de internet que não cai.

“Quando vimos que o fluxo de dados aumentou muito em lugares como Ilhabela e em outras cidades do Litoral Norte e do interior, resolvemos antecipar o investimento e atender esse novo movimento”, conta Dante Compagno Neto, diretor de marketing da Vivo. Só no primeiro trimestre, a empresa investiu R$ 1,9 bilhão em expansão de rede, 18% a mais que nos primeiros três meses de 2020 – principalmente para atender aos profissionais digitais.

A Oi também tem percebido o aumento na demanda por banda larga de alta velocidade em cidades de veraneio. Em Armação dos Búzios (RJ), por exemplo, a base da empresa cresceu 50% em 12 meses até março. “Em 2020, a demanda foi acima do esperado. Muita gente querendo mais velocidade e qualidade de internet nessas áreas”, diz o diretor de marketing da empresa, Roberto Guenzburger.

No interior, pequenos provedores também passaram a faturar mais com esse movimento migratório, com foco em condomínios de luxo. “Tenho instalado links empresariais, antes restritos a empresas, em residências de condomínios como o Quinta da Baroneza, em Bragança Paulista”, diz Eduardo Garcia, diretor comercial da provedora Net Turbo, presente em 74 cidades paulistas.

“Garantir o acesso a uma internet boa e estável foi o primeiro passo para atrair esse público (que trabalha em home office)”, diz a subsecretária de Turismo de Camaçari, Lúcia Bichara. Para oferecer serviços adicionais, diz ela, foi necessário ir um pouco além. “Criamos um programa para ajudar restaurantes locais a trabalhar com delivery e para explicar para nossos comerciantes como funciona vender pela internet.”

Um reflexo desse movimento também foi o aumento da demanda verificada pelo iFood – aplicativo de delivery. Segundo a empresa, os municípios que mais cresceram no ano foram Pelotas (RS), Petrópolis (RJ), Cabo Frio (RJ), Marília (SP) e São José (SC).

Dono de uma pousada e de uma escola de vela em Ilha Bela, Pedro Rodrigues sempre tocou os negócios de sua casa na capital paulista. Mas o movimento de turistas que antes da pandemia acontecia de sexta a domingo passou a exigir sua presença durante a semana. “Essa mudança, boa para os negócios, exigiu uma mudança da cultura local e os funcionários tiveram de se adequar a isso.”

Com essa nova demanda, Ilhabela conseguiu “segurar” empregos. A cidade terminou o ano com um saldo positivo de 62 vagas com carteira, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) referentes a Ilhabela, de 35 mil habitantes. No primeiro trimestre de 2021, o saldo também foi positivo em 120 vagas.

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