sábado, 1 de maio de 2021

LUÍS CARLOS MORO Profissionais de aplicativos devem ter legislação trabalhista própria? NÃO e SIM

 Luís Carlos Moro

Advogado trabalhista, é secretário-geral da Associação Americana de Juristas e presidente da Jutra (Associação Luso Brasileira de Juristas do Trabalho)

“Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.” Este é o texto do parágrafo único do artigo 6º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Temos lei! Há muito! Grave é nossa disposição em não a cumprir.

O Brasil viveu um febril reformismo trabalhista, voltado a demolir um arcabouço jurídico lógico e com propósito de existir. A iniciativa iconoclasta de desconstruir o direito do trabalho evoluiu nos últimos anos, com contributos legislativos e judiciários. Quer-se, em suma, situar trabalhadores para além do alcance de suas normas, principalmente pela disposição de direitos (dita “flexibilização”), pela terceirização e pelo trabalho informal.

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As pessoas destinatárias das garantias previstas no artigo 7º da Constituição ficaram à margem da lei. Relações coletivas foram individualizadas, e tornaram-se invisíveis os que vivem sob a dependência econômica de seus dois grandes ativos que podem ser postos à disposição do mercado: o tempo de vida e a energia para o trabalho.

Aos profissionais de aplicativos, supostos autônomos, reservou-se a marginalidade da lei. Sua contratação vem embalada em formas jurídicas imemoriais: a “locatio rei”, a “locatio operarum” e a “locatio operis faciendi”, antiquíssimos contratos de arrendamento, prestação e locação de serviços, locação de obra ou empreitada, que trariam a pretensa modernidade, enquanto o contrato de trabalho, exatamente o sucessor histórico daqueles contratos, recebe a chancela de antigo e ultrapassado.

Em meio a essa exclusão, há quem defenda que os artificialmente despojados da proteção trabalhista devam ser reincluídos, agora ao abrigo de lei nova, mas com parâmetros (ainda mais) reduzidos de gozo de direitos.

Trabalhadores de serviços intermediados por plataformas digitais não formam fenômeno social diverso do trabalho conhecido e previsto por lei existente e vigente no país. Essa “plataformização” dos serviços evidencia características de emprego que, embora profundamente presentes, têm aparente desvanecimento. Diversas garantias previstas e não respeitadas se dizem inaplicáveis. Transpõe-se, assim, a regulação do trabalho humano da lei para a figura do contrato de adesão, dos “termos de uso”.

Vários países do mundo constatam emprego em tais plataformas. Há julgados nesse sentido em altas cortes de Justiça. Estados Unidos, França, Espanha, Reino Unido, Emirados Árabes, entre outros, já declararam ou caminham para reconhecer direitos a tais trabalhadores como empregados, em sua dimensão individual e coletiva, assegurando-lhes organização sindical, diálogo social e respeito à lei. Como o aplicativo é o mesmo, o que altera é o país, a lei e o desejo de desproteção.

Aqui, a CLT, tão agredida, há muito previa que não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que presentes os pressupostos da relação de emprego. Mas vivemos um período de enorme dificuldade em reconhecer nossas normas gerais e abstratas. Para tudo busca-se um diferencial, uma distinção, ainda que artificializada, que justifique uma lei para chamar de sua.

Leis nos sobram. Faltam-nos seus cumpridores!

SIMMauricio Corrêa da Veiga e Luciano Andrade Pinheiro

Advogados trabalhistas e sócios de Corrêa da Veiga Advogados

O trabalho em plataformas digitais está relacionado à denominada economia colaborativa (“sharing economy”), que provoca uma profunda mudança nos conceitos trabalhistas.

Esse novo sistema de trabalho nasce em um período de mudanças da economia global e se traduz em um modelo empresarial no qual a atividade é facilitada por plataformas colaborativas, que criam um nicho de mercado que possibilita a utilização temporária de bens e serviços, muitas vezes prestados por particulares.

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Ao contrário do que se propaga, os prestadores de serviços disponibilizados por aplicativos não são “empresários” e donos do seu próprio negócio. Por outro lado, também não são empregados nos moldes tradicionalmente conhecidos.

Contudo, à míngua de uma legislação específica acerca deste tema no Brasil, apenas dois caminhos podem ser seguidos quando as demandas são submetidas ao Judiciário trabalhista: 1 - reconhecer a autonomia desses prestadores de serviço e afastar o vínculo de emprego pretendido; ou 2 - reconhecer que se trata de uma relação de emprego e deferir o liame empregatício e os consectários legais.

Tudo vai depender da análise de cada caso concreto, mas pelo que se tem percebido, de uma forma geral, há uma certa autonomia na prestação desses serviços, o que fez com que, nos casos julgados até o presente momento pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho), fosse afastado o vínculo de emprego.

Em precedente da 4ª Turma do TST, restou demonstrada a “autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”. Em outro caso, o ministro Douglas Alencar Rodrigues, da 5ª Turma do TST, bem pronunciou que critérios antigos de relação trabalhista, como previstos na CLT, não se aplicam às novas relações que envolvem plataformas e aplicativos.

Em Portugal existe um movimento para se aprovar um estatuto de “presunção de laboralidade”, no qual fica transferido para as plataformas o ônus de provar que não existe vínculo de emprego com o trabalhador.

Trata-se de um critério que contribui para o aumento da litigiosidade, tendo em vista o elevado grau de subjetividade.

Recentemente, o Tribunal Supremo da Espanha proferiu decisão para unificar a doutrina, na qual é ressaltada a prevalência da primazia da realidade em detrimento ao “nomen iuris” (“o nome de direito”), bem como a constatação de que os serviços são prestados para uma organização produtiva —os frutos da atividade não pertencem ao prestador dos serviços, mas sim a essa organização. Sem assumir os riscos do negócio, logo, será ele empregado.

No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 3.748/20, que institui o regime de trabalho sob demanda, com garantias de direitos mínimos e que cria uma figura híbrida entre um prestador de serviços autônomo e um trabalhador sob o regime da CLT —ou seja, um parassubordinado, o que certamente traria maior segurança jurídica para empresas e trabalhadores, pois seria um critério balizador.

Estamos diante da ponta de um iceberg de uma profunda mudança nas relações de trabalho. Não há como regular essas relações com os antigos conceitos de direito do trabalho, razão pela qual é necessária uma abertura para novos caminhos de regulamentação da realidade que se descortina.

A gênese do direito do trabalho revela que sua origem se deu justamente para trazer novas categorias no direito e foi fonte de inspiração para vários ramos. Chegou a hora de resgatar essa história e tradição, com a aplicação de novos conceitos a essas novas relações de trabalho.

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