Às vésperas do segundo turno de 2018, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) conversou por telefone com o então presidenciável Fernando Haddad (PT). O tucano fez uma defesa enfática da democracia, mas não se comprometeu a apoiar publicamente a candidatura do petista. Anos depois, FHC admitiu ter anulado o voto naquela disputa.
Dois anos e meio de Jair Bolsonaro (sem partido) no poder foram o bastante para mudar esse cenário.
Em entrevistas recentes, FHC disse que votaria no PT para evitar a reeleição do atual governo e, na última semana, se reuniu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num encontro que foi divulgado com certo orgulho pelo petista.
Bolsonaro é o padrinho involuntário dessa peça de propaganda política. A conduta do presidente fez com que as tímidas ressalvas ao capitão reformado que alguns líderes políticos apresentaram na última campanha se transformassem em rejeição.
O encontro carrega sinais importantes sobre a dimensão que o antibolsonarismo pode tomar na corrida de 2022.
Se essa força foi suficiente para reunir a dupla de ex-presidentes e fazer com que um tucano histórico admita votar no maior símbolo do petismo, ela também pode ganhar carga razoável para barrar a reeleição do presidente.
A reunião Lula-FHC traduz uma convergência em torno do antibolsonarismo e evidencia uma convivência civilizada entre adversários políticos, mas seria ingenuidade interpretá-la como lançamento de uma engenharia eleitoral única para 2022.
Prova disso é a resposta do PSDB, que disse ser preciso "evitar sinais trocados" e pareceu incluir o petista, equivocadamente, numa categoria que chama de "os extremos". O discurso serve a líderes tucanos que temem ser engolidos pela presença resistente do bolsonarismo no eleitorado de direita.
Muitos deles se serviram do antipetismo para chegar ao poder e pegaram carona na força do capitão reformado em 2018 —caso do governador paulista João Doria (PSDB). É natural, portanto, que nomes do partido rejeitem a impressão de que se tornaram aliados de Lula.
O próprio Fernando Henrique apresentou os limites políticos da fotografia com o petista. Após a divulgação do encontro, ele falou em "evitar más interpretações" e declarou que apoiará o candidato do PSDB no primeiro turno. Admitiu votar em qualquer um que se opuser a Bolsonaro no segundo turno, "mesmo o Lula".
Continua, portanto, a ser um devaneio o projeto de uma frente ampla para a largada da corrida de 2022, com o objetivo de derrotar o atual presidente. O que se enxerga, mais do que alianças formais, é uma convergência natural para o segundo turno, movida pelo antibolsonarismo —o que não é pouca coisa.
A reação imediata de aliados de Bolsonaro mostra o caminho que o presidente deve seguir para se opor a concertações desse tipo. O vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) recorreu a lemas da antipolítica, igualou Lula a FHC e afirmou que os dois fatiam a democracia entre si.
Apesar disso, o repertório bolsonarista, conhecido de 2018, pode não ter o mesmo efeito em 2022. O presidente usará o figurino antissistema contra seus opositores, mas não conseguirá esconder o fato de que se sentou à mesa com o centrão para governar e terá o apoio de parte das siglas do bloco na campanha à reeleição.
A fotografia com FHC é melhor para Lula do que para os tucanos e genéricos que reivindicam o selo da "terceira via". A grande esperança desse grupo era a perspectiva de uma suposta polarização entre o petista e Bolsonaro para levar o eleitorado a buscar um caminho alternativo, mais moderado.
Mas o encontro tem um efeito inicial moderador para Lula. A imagem da conversa com um personagem identificado com a centro-direita não vai descarregar votos simpáticos ao PSDB em sua candidatura já no primeiro turno, mas abre caminho para que ele neutralize parte de sua rejeição entre esses eleitores no segundo turno.
Essa impressão ganha peso se Lula mantiver nas pesquisas um desempenho que o aponte como o candidato mais forte num embate direto com Bolsonaro no segundo turno. O principal desafio do ex-presidente será amenizar o antipetismo e conter a onda de rejeição que provocou uma adesão em massa ao capitão reformado em 2018.
Além do fator simbólico, o encontro Lula-FHC tem peso político porque mexe com dois dos principais sentimentos da política brasileira atual: o antibolsonarismo e o antipetismo. O tamanho de cada um deles deve definir o resultado da próxima eleição.
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