segunda-feira, 6 de julho de 2020

Marcus André Melo 'Avanzar sin transar', FSP

Bolsonaro no modo sobrevivência e sua estratégia

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A expressão que dá título a coluna foi utilizada por Carlos Altamirano, secretário-geral do Partido Socialista Chileno (PS), e tem sido objeto de intensa controvérsia.

Muitos atribuíram-lhe a debacle do governo Allende. Seguir sem negociar teria resultado em tragédia. Mas a expressão capta um dilema crucial das democracias presidencialistas multipartidárias.

Salvador Allende (1908-1973) discursa em aniversário do PC no Chile
Salvador Allende (1908-1973) discursa em aniversário do PC no Chile - AFP

O partido presidencial —o PS— tinha apenas 10% das cadeiras (15 em 150) na Câmara dos deputados e sua coalizão também era minoritária: os sete partidos da Unidade Popular detinham apenas 32%. A ascensão de Allende havia sido viabilizada por uma negociação com o maior partido —o partido democrata cristão (PDC)— para a eleição pelo Congresso, entre os dois mais votados —Allende (PS), 36%, e Alessandri (PN), 35%—, já que nenhum candidato obtivera maioria absoluta no primeiro turno.

O apoio do PDC foi obtido através de um Pacto de Garantias Constitucionales com o PS, pelo qual o presidente se comprometeria a respeitar artigos específicos da Constituição. Com a escalada do conflito, o PDC acusou-o de violar o pacto e foi para a oposição. As relações Executivo-Legislativo são pautadas pela “recusa à transação” pelo governo minoritário, mas tem elementos universais: o Chile é uma espécie de laboratório de embates Executivo-Legislativo. Se não, vejamos.

Em 1922, o impasse presidente-Congresso levou à intervenção militar e destituição de Arturo Alessandri (1920-24), pai do ex-presidente Jorge Alessandri (1958-64), adversário de Allende. E, antes dele, conflito semelhante já ocorrera. Seu desenlace foi o suicídio do presidente —episódio analisado por Joaquim Nabuco em seu “Balmaceda” (1895)— e a adoção do parlamentarismo no país por três décadas.
Presidentes minoritários têm duas opções: negociar apoio parlamentar e compartilhar o poder; ou “avanzar sin transar” —opção maximalista.

Bolsonaro tem adotado variantes de ambas as opções. A opção pelo governo de coalizão após 16 meses ocorre quando embarca em um “modo sobrevivência”: tem caráter defensivo e volta-se para a criação de um escudo legislativo. Representa uma reação à resposta dos demais poderes e da opinião pública às atribulações e estridência que acompanharam seu deslocamento para um avanzo sin transacción. E reflete também a súbita vulnerabilidade criada pela pandemia, que criou uma lente de aumento sobre o desempenho aberrante do presidente.

O processo de investigação do clã familiar do qual resultou a saída de Moro também importa. Afinal afastá-lo é parte integral da transação: o centrão não se volta apenas para o rent seeking mas busca também seu próprio escudo legislativo.

Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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