Texto ficou a anos-luz do original no que tange ao impacto sobre os mais pobres
Ainda que possa não representar uma vitória do governo, a aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência pela Câmara foi interpretada por boa parte dos analistas como uma imensa derrota para a esquerda brasileira.
O “7 a 1 na esquerda”, como classificou Vinicius Torres Freire em coluna publicada nesta Folha em 11/7, se faria ver pelo amplo placar de aprovação do texto-base em meio à forte resistência pública da oposição à necessidade de reforma.
Quando olhamos para o que ficou de fora do texto aprovado, a história é um pouco diferente.
O “7 a 1 na esquerda”, como classificou Vinicius Torres Freire em coluna publicada nesta Folha em 11/7, se faria ver pelo amplo placar de aprovação do texto-base em meio à forte resistência pública da oposição à necessidade de reforma.
Quando olhamos para o que ficou de fora do texto aprovado, a história é um pouco diferente.
Primeiro, o aumento do tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos previsto na proposta de Guedes afetaria um grande número de trabalhadores mais pobres, que passam mais tempo no setor informal e/ou fora do mercado de trabalho para cuidar dos filhos, no caso das mulheres. No fim das contas, o mínimo foi mantido em 15 anos para mulheres e homens que trabalham no setor privado.
A desconstitucionalização das regras que definem idade e tempo de contribuição mínimos, que permitiriam mudanças futuras nesses itens por projeto de lei com quórum menor que o necessário para aprovar uma PEC, também foi vetada.
Além disso, as alterações na aposentadoria rural e no BPC (Benefício de Prestação Continuada), que seria reduzido para R$ 400 até os 70 anos, foram retiradas do texto. Ficou de fora também o dispositivo que previa a criação de um sistema de capitalização de caráter obrigatório para quem aderisse.
Ou seja, as alterações no texto afastaram do horizonte o futuro sombrio que apresentei na coluna “Os Brasis da nova Previdência”, de 28/2, no qual os mais ricos poupariam para sua própria aposentadoria e os mais pobres ficariam de fora da previdência pública por não cumprir o tempo mínimo de contribuição de 20 anos, recorrendo apenas a benefícios assistenciais de valor cada vez menor.
Embora alguns aspectos do texto ainda possam interditar o apoio dos partidos de oposição, como a desvinculação das pensões, a alteração da base de cálculo dos benefícios e as iniquidades associadas a regimes especiais, a essência do que foi aprovado ataca problemas que a ex-presidente Dilma Rousseff já apontava em 2015 quando defendeu reformar a Previdência: a idade média baixa nas aposentadorias por tempo de contribuição em meio ao aumento da expectativa de sobrevida da população e as discrepâncias entre o Regime Geral e o Regime Próprio de Previdência dos Servidores.
A imposição de uma idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens e as alíquotas progressivas de contribuição para servidores públicos federais, por exemplo, irão afetar sobretudo os mais ricos, melhorando um pouco o caráter redistributivo do sistema.
Alguns dirão que a esquerda não teve nenhum papel no que foi aprovado, pois se posicionou contrária à reforma. Mas, se for assim, aqueles que se colocaram a favor de forma acrítica também não têm nenhum mérito sobre o texto final, que está a anos-luz do proposto por Guedes no que tange ao impacto sobre os mais pobres.
A verdade é que foram mais de três anos de debate dentro e fora do Congresso, que já haviam culminado na retirada de injustiças semelhantes da reforma proposta por Temer: alterações no BPC, na aposentadoria rural e no tempo mínimo de contribuição já não constavam da segunda versão, apresentada ao final de 2017.
É difícil imaginar o mesmo resultado se todos os partidos tivessem adotado uma estratégia tecnocrata de apoio qualificado à necessidade da reforma. Se alguém ganhou nessa história, foi a política, com suas estratégias mais ou menos evidentes.
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