Informações pouco precisas sobre condições climáticas geram gargalo de segurança
SANTOS (SP)
A morte da modelo Caroline Bittencourt, 37, após cair de uma lancha durante a tempestade que atingiu o canal de São Sebastião e causou uma série de estragos há pouco mais de um mês, acendeu um sinal de alerta sobre a navegação pelo litoral de São Paulo.
O caso, porém, não foi filho único. O rescaldo da surpresa pelo mau tempo ainda contou outras quase tragédias como a de uma família, resgatada à deriva em um bote com um bebê de nove meses. E a pior, envolvendo dois navios petroleiros, que foram arrancados do porto de São Sebastião e arrastados para o meio do canal.
Os navios estavam conectados para a transferência de óleo quando tiveram as suas amarrações soltas pela tempestade. A operação durou quase seis horas e terminou com uma morte devido a um mal súbito de um dos trabalhadores a bordo.
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Os casos levantaram preocupação de marinheiros, principalmente, em relação à velocidade e precisão das informações meteorológicas que utilizam antes das navegações. Os dados são fornecidos oficialmente pela Marinha desde 1972.
“Não existe uma periodicidade de informações meteorológicas hoje que capturem casos fora da curva. A intensidade [da tempestade] pegou muita gente de surpresa, precisamos nos estruturar”, disse Guilherme Kodja, 46, capitão privado e piloto de testes.
Além das informações da Marinha, que emite avisos de mau tempo e faz previsões por meio de seu site e com o aplicativo Boletim e Mar, marinheiros consultam, pelo menos, mais de um aplicativo para fazer um desenho sobre a previsão de futuro.
Mesmo assim, ainda há uma distância de precisão. A Marinha divulgou dois dias antes do caos que deixou Ilhabela em “estado de emergência” a previsão de ventos de 62 km/h. Na véspera, atualizou para “ventos intensos de até 75 km/h". No domingo, os ventos chegaram a 123 km/h, de acordo com relatórios da Defesa Civil.
“Há países que acertam o horário e o minuto que vai começar a chover, assim funciona na Nova Zelândia. Melhoramos bastante nos últimos anos, mas ainda estamos distantes de informações para não sermos pegos de contrapé”, explicou Marcos Möller, 41, proprietário da Marina Porto Ilhabela, uma das mais tradicionais da região e que tem 160 embarcações guardadas.
Uma alternativa adotada por marinheiros foi a criação de grupos de WhatsApp para atualizar sobre previsões que se antecipam. Um deles, criado recentemente por Guilherme Kodja, está sendo estruturado para ajudar nas informações.
“Pouca gente, de verdade, sabe realmente interpretar todas as informações divulgadas. Faço investimentos anuais em cartas náuticas e que me dão tranquilidade para fazer uma leitura correta de previsão. Não me aventuro, são 31 anos navegando, mas precisamos melhorar”, disse Kodja.
Em Ilhabela, embarcações atracadas foram arrastadas para a areia. Uma delas, inclusive, chegou a parar dentro de um posto de combustíveis, já em uma das avenidas.
“Acontece de soltarem muitos alertas que não se cumprem. Então, muitas vezes, a informação cai em descrédito. Moro a bordo de um veleiro catamarã e, se tivesse melhores informações, teria tirado o barco de onde estava. Acabei brigando por horas com o barco sendo arrastado e com alguns prejuízos”, disse Antonio Fernando Previdi, 39, que aluga a própria embarcação para passeios.
SEM VETO
Há, também, preocupação pela ausência de um controle mais eficaz dos usuários de barcos particulares. Mesmo com tempo adverso, não é possível impedir a saída daqueles que desejam navegar.
A polícia divulgou a troca de áudios entre Jorge Sestini, marido de Caroline Bittencourt, e o responsável pela marina Le-Mar, Lenildo Oliveira. Ele passou alertas para evitar a tragédia ao empresário, que será indiciado por homicídio culposo (quando não há a intenção de matar).
As embarcações particulares são as que levantam o maior temor. Para navegar, nem sequer se faz obrigatória a comunicação à Capitania dos Portos de deslocamentos. A responsabilidade é exclusivamente do marinheiro.
Por praxe, há protocolos de segurança a serem cumpridos, mas que muitas vezes são ignorados. É recomendável, por exemplo, que sempre haja um plano de navegação com informações sobre destino, qual será o deslocamento e horário de retorno. Além disso, marinheiros devem estar sintonizados em estações rádio costeiras para avisos.
“Algo comum são marinas que mimam os donos de barcos. Deveria existir um cuidado maior de alguns antes de ir para o mar. Podemos impedir? Não, somos como uma garagem e cumprimos o papel de avisar, informar mudanças de tempo. Decidir sair, ou não, cabe ao responsável pelo barco”, disse Möller.
“Da nossa parte, fornecemos um adesivo de ‘checklist’. Checou a previsão do tempo? O nível de combustível? Salvatagem? Plano de navegação? Sempre lembramos da responsabilidade que há”, disse.
No ano passado, a Capitania dos Portos registrou três incidentes que resultaram em buscas e resgates na região pelo não cumprimento de regras básicas de segurança. Neste ano, houve registro de dois naufrágios e até mesmo de uma morte no canal de Ilhabela.
A Delegacia da Capitania de São Sebastião informou que faz diversos tipos de fiscalizações do tráfego marítimo, além de blitze constantes para verificar as condições dos barcos, principalmente nos fins de semana, e se a habilitação é compatível ao condutor.
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