Levantamento da Folha analisou 26 mil anúncios no Rio de Janeiro e em São Paulo
SÃO PAULO
Um quartinho vago ou um imóvel desocupado pode parecer a base dos imóveis disponíveis no Airbnb. Um levantamento exclusivo da Folha aponta que os principais anunciantes na plataforma de aluguéis por temporada são bem mais profissionais do que isso.
Dos dez maiores anunciantes em São Paulo e Rio, ao menos oito deles são empresas que chegam a administrar, cada uma, até 157 imóveis. Entre esses maiores perfis, há também um que afirma morar na França e é responsável por divulgar mais de 240 imóveis no Rio.
A reportagem analisou 26 mil anúncios nas duas cidades, disponíveis entre 4 de fevereiro e 15 de abril.
As empresas assumem, para os verdadeiros proprietários, as burocracias de divulgação do local, check-in, check-out, limpeza e manutenção dos imóveis. E ganham, em geral, uma parcela do que é pago pelos usuários, que varia de 15% a 25% nos casos analisados.
Entre os perfis que oferecem essa administração há agência de turismo, de apoio administrativo e imobiliárias.
Do ponto de vista de quem vai alugar o imóvel, o serviço profissional parece ter padrão parecido com o ofertado por anunciantes menores. Segundo o levantamento, anúncios pertencentes a perfis com mais de dez imóveis possuem uma avaliação média de 4,66. A nota considerando os anunciantes com até dois espaços para alugar é 4,84 (a escala de avaliação vai de 0 a 5).
Hipoteticamente, se esses nove anunciantes profissionais tivessem alugado todos seus imóveis no período avaliado, teriam arrecadado juntos meio milhão de reais em um único dia.
A profissionalização, porém, é mais um capítulo nas discussões sobre a regulamentação de plataformas como essa no país.
O setor hoteleiro entende que o Airbnb deveria estar enquadrado nas mesmas regras e exigências a que ele é submetido. Os hotéis afirmam que cerca de 40% do valor da diária corresponde a impostos e tributos.
O Airbnb discorda da avaliação. A empresa defende que apenas facilita o contato entre proprietários e interessados nos aluguéis por temporada.
Cobrar impostos da plataforma poderia aumentar a arrecadação do poder público, que pode reverter o recurso em serviços públicos. Por outro lado, o preço dos aluguéis no serviço tenderia a aumentar.
Já os representantes das imobiliárias dizem que anunciantes profissionais, Airbnb e similares deveriam ter o registro como corretores de imóveis - o Creci -, o que os obrigaria ao pagamento de uma taxa de R$ 633 e anuidade que pode chegar a R$ 2.533 em São Paulo, por exemplo.
Por ora, a discussão de regulamentação no Brasil é incipiente. Não há regulamentação específica sobre o tema nacionalmente. Algumas cidades tentam adotar regulações, mas sem sucesso até agora.
A indefinição contrasta com cidades como Nova York e Barcelona, que vêm impondo regras para tentar disciplinar esses serviços de locação por temporada.
Enquanto não se definem regras claras no Brasil, vão operando anunciantes como Daniel, que não fornece o sobrenome, diz ser francês e não ter empresa.
Segundo levantamento da Folha, ele administrava 244 imóveis no Rio (à época da coleta de dados), que chegam a custar R$ 4.284 de diária e estão concentrados em Copacabana, Ipanema e Leblon.
Em entrevista feita via uma rede social, ele afirma morar na França e ser responsável pela divulgação dos imóveis no Airbnb. Daniel diz que declara na França seus rendimentos com o serviço e é lá que paga impostos relativos à atividade (não informou o montante ou como é a tributação).
Thais Silva, que administra a segunda empresa com mais imóveis anunciados em São Paulo (40 imóveis), afirma cobrar de 20% a 25% do valor das diárias que o proprietário recebe. Antes, o Airbnb deduz 3% desse valor, percentual previsto no acordo de uso da plataforma.
Mario Galvão, do Rio, possuía 157 imóveis na plataforma à época da coleta de dados. Ele informa na descrição de seu perfil no Airbnb que é uma agência de aluguel por temporada. A atividade econômica do negócio está registrada no Rio de Janeiro como agência de turismo.
Para ele, o serviço oferecido não se enquadra na categoria de um hotel ou de uma imobiliária, por se assemelhar mais a um intermediador online.
Apesar disso, para evitar riscos, Galvão diz ter registro no Creci – conselho responsável por fiscalizar a atividade de corretagem de imóveis no país. “A visão do Creci é que, se mexeu com imóvel, é Creci.”
Dos nove maiores anunciantes profissionais analisados, três afirmaram à reportagem não terem o registro.
O Airbnb entrou na Justiça em 2017 contra o conselho paulista após a entidade notificar e multar a plataforma por prestar serviço de corretagem e solicitar que a empresa se regularizasse no país.
A plataforma se defende alegando que não há relação jurídica entre ela e o Creci e quer a anulação da multa. Decisão liminar beneficiou o Airbnb. O julgamento, porém, ainda está pendente.
O Airbnb se exime de qualquer responsabilidade nos acordos de locação firmados dentro da plataforma e diz que seu papel é conectar as partes interessadas.
No processo contra o Creci, afirmou que a empresa é responsável apenas pelas atividades de divulgação e marketing da plataforma.
Para uma eventual regulamentação nacional, tramita no Senado projeto de lei que regulariza a locação por meio de plataformas como o Airbnb.
A proposta prevê que, no caso de atuação profissional da atividade, a pessoa ou empresa deverá se submeter à Lei do Turismo, tendo que se enquadrar aos padrões e tributos específicos a serviço de hospedagem. A norma, no entanto, não descreve o que é atuação profissional nesses casos.
O projeto ainda deverá ser debatido na Comissão de Assuntos Econômicos da Casa antes de ser encaminhado ao Plenário.
REGULAMENTAÇÃO
O tema de regulamentação em Nova York de serviços como o Airbnb surgiu em 2014, após o então procurador geral da cidade, Eric Schneiderman, concluir que, na medida que a plataforma não diferencia pessoa física de pessoa jurídica, a empresa permitiria que “hostels ilegais” atuassem na cidade.
O procurador constatou que o anunciante com maior número de imóveis ofertados (273) gerava receita de quase US$ 7 milhões de dólares por ano.
Após o relatório, o Airbnb adotou na cidade a política “um usuário, um anúncio”, em que um perfil só poderia divulgar um imóvel na plataforma. A medida, porém, fez com que novos perfis de uma mesma empresa surgissem para responder à nova regra.
Atualmente o dono de um imóvel não pode alugar seu apartamento por um período menor de 30 dias caso não esteja presente. Um segundo imóvel poderá ser anunciado dependendo da região de Nova York que esteja localizado.
Para Bianca Tavolari, pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), os problemas vão além da esfera jurídica e tributária. Na Europa, vagas que eram de locação residencial migraram para os aluguéis curtos, encarecendo o custo de vida dos moradores.
A mudança contribui para um processo de expulsão dos locais para bairros mais periféricos, diz Tavolari.
Para tentar amenizar os efeitos, a prefeitura de Barcelona, na Espanha, passou a exigir que o dono de um imóvel adquira uma licença para alugá-lo em aplicativos. O número de licenças é determinado pela administração municipal, e a divulgação de imóveis considerados ilegais acarretou multa de 600 mil euros em 2016 ao Airbnb e outra plataforma.
Já em Berlim, na Alemanha, o proprietário pode pedir autorização para alugar sua casa ou apartamento por tempo indeterminado se for sua residência principal. Em caso do segundo imóvel, só poderá ser locado por curta temporada num total de 90 dias no ano, também com autorização da autoridade local.
No Brasil, grandes anunciantes do Airbnb de São Paulo e Rio contam que começaram no negócio de forma amadora. William Astolfi, que anunciava 53 imóveis em São Paulo no período de coleta dos dados, começou alugando o próprio apartamento, no Jardins, região central da capital paulista, em 2014.
“Notamos que o faturamento era muito superior ao aluguel tradicional, mas o trabalho era muito grande. Vi aí uma oportunidade de negócio.” A empresa foi aberta em 2015.
O mesmo aconteceu com Matheus Maia, com 34 apartamentos na cidade. Depois de ver o negócio dando certo, em 2012, amigos que estavam se mudando de São Paulo começaram a procurá-lo para cuidar do aluguel de temporada de seus imóveis. No ano seguinte ele já havia aberto a empresa.
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