A banda de punk rock Dead Kennedys viria ao Brasil. Era para ser o primeiro show da banda por aqui e os fãs esperavam ansiosos —afinal, os sucessos da banda são do início dos anos 1980. A produtora do show aqui no Brasil contratou um artista brasileiro para fazer um pôster desse show histórico.
O resultado foi um pôster impactante: nele, uma família com camisetas da seleção e narizes e cabelos de palhaço segura espingardas. Ao fundo e ao redor, favelas pegando fogo, tanques de guerra e sangue escorrendo. Num balão de fala, o filho diz: "I love the smell of poor dead (sic) in the morning!" (algo como "Eu adoro o cheiro de pobres mortos pela manhã"). A imagem é um claro deboche aos apoiadores de Bolsonaro.
A resposta das redes sociais não tardou. Os fãs gostaram. Mas milhares de comentadores irados vieram atacar a banda. Alguém tinha alguma ilusão de que os Dead Kennedys, banda punk cujas letras ofendem coisas como a religião e a polícia, seriam a favor do governo Bolsonaro?
Intimidada, a banda tirou o pôster do ar, disse que nunca o havia aprovado (o que era mentira) e pediu desculpas. Sem conseguir se livrar da polêmica e do desastre de relações públicas, cancelou oshow. A banda conseguiu, em suma, se queimar com todo mundo. Com os bolsonaristas, que já a odiariam de qualquer maneira, com os fãs, que não toleraram a covardia, e com os produtores e o artista, que ficaram com um enorme prejuízo na mão e agora buscam cobrir parte dele vendendo a imagem do pôster original com o título "Chicken Kennedys".
O erro dos Dead Kennedys foi se deixar intimidar pela barulheira politicamente motivada das redes sociais. Acreditaram que o grito mais alto representa a opinião popular. Esqueceram-se de seus próprios fãs e de seus valores.
Comparemos com um outro exemplo. Em setembro do ano passado, a Nike americana fez uma campanha publicitária com Colin Kaepernick, ex-jogador de futebol americano que ficou notório por seus protestos antirracismo e anti-Trump. A reação das redes (pró e contra) foi intensa, com muitos republicanos —inclusive o presidente Trump— atacando a empresa e propondo boicotes. Meses depois, qual o resultado da agitação contra a empresa? Nenhum. As vendas seguem boas. Há uma lição aí.
O ataque virtual impressiona à primeira vista, mas passa logo sem deixar cicatrizes. O militante digital (alguns o chamam de "miliciano digital") é cão que só late. Passada a onda de xingamentos, não sobra nada.
Vamos lembrar a lição de John Stuart Mill em "Sobre a Liberdade": a opinião pública agressiva e ignorante pode ser tão danosa à liberdade de expressão quanto a censura oficial. Qualquer sonho de regulação das redes é ilusório. A defesa terá que vir de nós mesmos.
A primeira providência é manter a serenidade e não se deixar levar pelo grito desvairado das militâncias online. Elas raramente acertam. As acusações são injustas, não levam em conta nuances e contexto e são feitas de forma burra. Os ataques, difamações e calúnias mais graves merecem resposta pela via da Justiça. Os demais, apenas o deboche, que é o que mais irrita o indignado profissional.
Todos nós erramos; é da vida. Em alguns casos, desculpas são devidas a alguém que foi injustiçado. Mas para uma turba de semeadores de ódio não se deve satisfação nenhuma. O interesse de quem ataca não é reparar alguma injustiça. É apenas fazer o alvo se submeter, ajoelhar-se perante seus agressores virtuais e pedir perdão, que não lhe será concedido.
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