terça-feira, 7 de maio de 2019

Brasil, o país mais corrupto do mundo?, OPINIÃO EDUARDO SALOMÃO NETO, FSP

A corrupção se tornou ponto de centro da imaginação nacional. A população grita contra ela nas ruas e sonha com riquezas e produto social distribuído quando ela acabar.

Pela corrupção tudo se explica: desde o fracasso de país muito rico em recursos naturais em atingir o grau de desenvolvimento que poderia ter até o insucesso pessoal de quem se considera honesto.

Mas seria mesmo o Brasil o país mais corrupto do mundo?

Na classificação de 2018, da Transparência Internacional, o Brasil aparece atrás de Chile, Argentina, Guiana, Uruguai, Cuba, Suriname, Panamá e Colômbia —e empatado com Peru e El Salvador. Mas a classificação é feita com base na percepção subjetiva de corrupção da amostra populacional entrevistada e não em casos comprovados. 

Em uma segunda análise, mais discretamente apresentada, a organização indica a porcentagem de indivíduos que declaram ter pago propina para obter serviços públicos nos últimos 12 meses. 
Aí a posição do Brasil é outra, tornando-se o menos corrupto da América Latina, com 11% dos entrevistados declarando ter feito tal pagamento. Para efeito de comparação, a porcentagem para o México é de 51%; Chile e Uruguai, 22%; e, Argentina, 16%. Aqui, porém, a única menção ao Brasil é a fotografia de uma senhora portadora de hanseníase, como alusão aos parcos investimentos do país em saúde.
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Os elementos da narrativa não são falsos. No Brasil, a percepção subjetiva de corrupção é alta, inclusive pelo protagonismo que o tema vem recebendo na mídia —e a assistência à saúde, falha. Mas será a corrupção a principal causadora de problemas na saúde e na educação ou a ineficiência da máquina pública, com pesada estrutura administrativa, que absorve os gastos orçamentários adequados? 

Outra forma de avaliar a corrupção brasileira é prestar atenção à realidade de outros países, tidos com infensos ou pouco dados à corrupção. 

No final dos anos 1990, o ex-chanceler da Alemanha Helmut Kohl, que esteve à frente da reunificação do país, teve revelada a existência de depósito de somas substanciais, por doadores anônimos, em contas no exterior. Justificou-se dizendo que havia prometido absoluto sigilo aos doadores anônimos de que se originavam os recursos.

A explicação foi aceita sem medidas coercitivas contra o então ex-chanceler, que terminou seus dias, se não com a reputação intacta, ao menos livre de providências judiciais que ao sul do Equador o teriam levado a delatar supostos cúmplices. Mais recentemente a imprensa alemã informou que os recursos viriam de associações empresariais e empresas alemãs interessadas em favorecimento, constituindo contribuições de campanha cursadas através de fundações em paraísos fiscais europeus. Soa familiar, não?

Os EUA, diferentemente do que ocorre no Brasil, admitem sem problemas doações empresariais para campanhas políticas, desde que efetuadas por meio de estruturas associativas com o objetivo específico de apoiar determinada candidatura ou causa. O resultado disso é o descolamento entre as ações governamentais e o interesse público. Nota-se isso no apoio irredutível do Congresso americano ao lobby das armas, por mais forte que seja a comoção por massacres em locais públicos.

As narrativas de uma sociedade sobre si mesma são decisivas para o sucesso ou fracasso. Em outros países, a autoimagem é heroica. No Brasil, prevaleceu a versão de que o país é o mais corrupto do mundo, e todos os problemas seriam resolvidos com o fim da corrupção. Por aqui, os problemas passam, sim, pela corrupção, mas vão muito além, para campos que hoje pouco chamam a atenção —e mereceriam chamar.


Eduardo Salomão Neto
Sócio de Levy & Salomão Advogados e doutor e livre docente em direito comercial na USP

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