SÃO PAULO
Enquanto a situação na Venezuela não se define, e torcendo para que o embate não degenere em guerra civil, podemos nos perguntar se o movimento deflagrado por Juan Guaidó deve ser classificado como tentativa de golpe ou como revolução para pôr fim a uma usurpação. A imprensa mundial se dividiu sobre a designação, e não apenas segundo as linhas ideológicas esperadas.
A definição menos polêmica de golpe, como ruptura institucional, em geral pela força, funciona bem até a página 1. Quando temos um governo legítimo que tem seu funcionamento suspenso de forma não prevista em lei, estamos inegavelmente diante de um golpe. É o caso da deposição de João Goulart em 1964.
É raro, porém, que o mundo nos presenteie com situações tão claras. Ora, nem todo governo é legítimo, mas todo governo impõe uma ordem jurídica passível de violação. Se nos centrarmos no critério formal, teríamos de considerar golpista, por exemplo, a resistência francesa ao nazismo, que, ao fim e ao cabo, agia contra a lei vigente com o objetivo de depor o regime.
O caso da Venezuela é suficientemente ambíguo, pois, embora os partidários de Guaidó tenham buscado uma ruptura, dá para afirmar que o governo de Nicolás Maduro tornara-se ilegítimo seja quando se utilizou de uma artimanha não prevista em lei para esvaziar os poderes da Assembleia Nacional em 2017 ou, de modo mais polêmico, quando fraudou o pleito que o reelegeu em 2018. Se aceitamos isso, faz sentido enquadrar Guaidó não como golpista, mas como resistente.
A moral da história é que não estamos diante de questões que possamos decidir por meio de formalismos jurídicos. Não há como escapar à tarefa bem mais difícil de fazer juízos morais sobre as posições dos contendores.
Minha avaliação pessoal é a de que, com Maduro, a Venezuela não tem futuro, daí que, na melhor tradição consequencialista, é melhor para o país livrar-se dele.
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