sábado, 1 de março de 2025

Gleisi é aposta de alto risco, Dora Kramer,FSP

 A escolha de Gleisi Hoffmann (PT) para comandar a articulação política mostra que o presidente Luiz Inácio da Silva (PT) não usou de força de expressão quando disse que precisava de "mais agressividade" no governo.

A menos que a nova ministra tenha uma identidade secreta a ser revelada na função, Lula parece ter desistido de aplacar ânimos e fez opção preferencial pelo enfrentamento.

A imagem mostra duas pessoas conversando em um evento. À esquerda, uma mulher com cabelo loiro e ondulado, vestindo uma blusa clara com detalhes em renda. À direita, um homem idoso com barba branca, usando uma camisa vermelha e um chapéu de palha com uma faixa preta. Ao fundo, outras pessoas estão visíveis, algumas com roupas em tons de vermelho.
Gleisi Hoffmann, presidente do PT, conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante ato de comemoração aos 45 anos do partido, no centro do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 22.fev.25/Folhapress

À primeira vista não dá para entender, como, de resto no mundo político, ninguém entendeu qual é o plano do presidente para atender às seguintes urgências: desanuviar o ambiente no Congresso, garantir alianças para 2026, fortalecer o ministro Fernando Haddad (PT) e ampliar o governo ao centro.

A indicação de Gleisi sinaliza o oposto. Por óbvio, a repercussão no Parlamento foi negativa. Uma decisão surpreendente para o desenho de uma equipe palaciana onde Rui Costa (PT) já é objeto de desagrado explícito por parte do Legislativo e de outros ministros.

Ao ministro da Casa Civil junta-se uma deputada que tampouco é vista com grande simpatia. O bom relacionamento na cena não é o forte de Gleisi Hoffmann, escolhida justamente para manejar relações.

As avaliações iniciais são as de que há crise contratada à frente. Se a intenção do presidente é a de investir na combatividade da nova articuladora, talvez tenha errado no cálculo do equilíbrio de forças.

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Os adversários —os assumidos, os enrustidos e os aliados descontentes com a escolha— também são bons de combate. Num primeiro momento, a insatisfação tende a se disfarçar para, em seguida, manifestar-se no aumento do preço do apoio.

Se lá na frente a aprovação de Lula continuar ruim, pulam do barco depois de sugar o que puderem. Caso ele consiga recuperar a popularidade e os planos eleitorais da oposição fizerem água, aí há chance de o universo conspirar a favor do presidente.

Pode ser que o jogo de Lula se baseie na certeza de que a sorte lhe garantirá vitória por gravidade, mas é aposta de alto risco e baixa taxa de sucesso.

Muniz Sodré - Hipermalvadeza acima da razão social, FSP

 Talvez sem relevância sociológica, é de interesse analítico uma curta frase em entrevista recente do ator Robert De Niro: Donald Trump não é um homem mau, e sim um malvado. A distinção fica mais clara em inglês, onde "bad character", mau, tem conotação diversa de "perverse person", "mean", "wicked", malvado, cruel. Faz sentido prático estabelecer diferenças dessa ordem, como quando se diz que a droga mata, mas o narcotráfico assassina. Por igual que seja o efeito danoso, na avaliação dos riscos sociais muda a estratégia preventiva.

A imagem mostra a silhueta de uma pessoa dentro de um veículo preto, visível através da janela. A pessoa está usando um chapéu e parece estar sentada no banco do carro. A luz do sol reflete na janela, criando um efeito brilhante.
O presidente dos EUA, Donald Trump, viaja na traseira do carro presidencial ao deixar sua casa no sul da Flórida - Roberto Schmidt/AFP

De Niro já interpretou vários homens maus no cinema e bem sabe que a morfologia desse personagem comporta alguma coragem, capaz de ser aferida como virtude. Para enfrentar adversários, o mau precisa de um caráter, que pode oscilar entre o negativo e o positivo na percepção do público. Já o malvado está mergulhado em si mesmo, sem alteridade possível, como o Drácula lendário desprovido de reflexo no espelho, atuando como máquina humana tipo "idiot savant", o autista que incorpora um mecanismo computacional. Mas diferente deste, o malvado, agente ativo do caos, apenas destrói.

Essa não é perspectiva comum ao campo habituado a pautar análises por disciplinas sociais que sobrepõem o coletivo ao individual, centradas em condições concretas como classes, produção e Estado. No entanto, a personalização do poder é tendência própria a sistemas em que o titular da autoridade é alguém carismático que simboliza o Estado e assume responsabilidade pelas ações. A performance individual é então maior do que a impessoalidade burocrática da coerção.

A essa linha crítica se adequa a tese da maior responsabilidade de Hitler com seu círculo imediato na biopolítica de extermínio do Terceiro Reich. Embora o antissemitismo deite raízes seculares no cristianismo europeu, a obsessão pessoal de Hitler foi decisiva para a implantação dos campos de concentração e para a extensão do ódio a ciganos e outras minorias. Himmler, o organizador dos campos, seguia o impulso, mas como derivação da potência infecciosa do Führer.

É que o malvado infecta. Diferente do homem mau, não vê na vítima um oponente direto, como o inimigo na guerra, mas um alvo de aniquilação programada, contagiosa ao ponto que crie um consenso. Isso fez o hitlerismo por meio do rádio e das marchas triunfais. É também o que as redes sociais fazem pelo trumpismo. Entre nós, calcula-se que deepweb e fundamentalismo religioso sejam correias de ativação infecciosa do vírus extremista.

Razão não falta aos observadores que descartam a "teoria do louco" aplicada ao comportamento caótico de lideranças ultradireitistas. Hitler não era louco, mas um incubador de novos paradigmas pelo caos. Musk exibe uma motoserra após demitir funcionários públicos e, segundo a CNN, os alvos não são de iniciantes, e sim dos mais competentes. Pelo caos, ele e Trump perseguem a ruptura entre Estado e povo para consolidar o modelo de superprodução das elites e empobrecimento das massas. Um percurso lógico e perverso. Para bem figurá-lo, impõe-se esquecer categorias como bem e mal, palhaço e estadista. O estupor puro e simples inaugura a era da hipermalvadeza no poder.