quarta-feira, 5 de junho de 2024

Polos paulistanos, editorial FSP

 

Toalhas com estampas de Bolsonaro e Lula em comério na rua 25 de março, em São Paulo (SP) - Rubens Cavallari/Folhapress

Desde o restabelecimento da democracia no país, a cidade de São Paulo mostra uma expressiva parcela de eleitores alinhada às convicções conservadoras. Esse contingente, que havia perdido algum terreno no início deste século, voltou a se fortalecer nos últimos anos.

Em 2003, segundo pesquisa do Datafolha, 27% dos paulistanos aptos a votar se declaravam de direita. O percentual caiu a 20% nas sondagens sobre o tema realizadas em 2006 e 2013; agora, são 28%.

É notável que, mesmo ainda inferior, a fatia autodeclarada de esquerda do eleitorado paulistano tenha apresentado crescimento talvez até mais agudo no último período, saltando de 14% para 21% —é preciso levar em conta, porém, a margem de erro nos dois casos.

Parece natural inferir que a ampliação das cifras reflete o acirramento da polarização política e ideológica do país no decênio, marcado pelos protestos populares de 2013, ascensão e queda da Operação Lava Jato, o impeachment da petista Dilma Rousseff e a entrada em cena do bolsonarismo.

Não é de espantar que tudo isso esteja associado à tomada de posições mais assertivas e menos moderadas por parte dos eleitores. A parcela dos paulistanos que dizem não saber sua preferência no espectro ideológico caiu de 16%, em 2013, para 8% hoje.

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Complexo, o perfil dos polos desafia estereótipos. A direita é mais forte na base da pirâmide social, com 48% dos que não estudaram além do fundamental e 32% dos que ganham até dois salários mínimos. Sem deixar de ser competitiva em outros estratos, a esquerda tem liderança mais clara na faixa de renda acima de dez mínimos (39%).

De tal panorama não se devem extrair previsões para a eleição municipal desde ano —desde a redemocratização, a cidade teve prefeitos de orientações variadas. Um vasto grupo mais moderado de centro-esquerda (10%), centro (22%) e centro-direita (12%) será certamente decisivo no pleito.

Difícil crer, no entanto, que o eleito vá desfrutar de índices muito elevados de popularidade ao longo do mandato, numa metrópole já tradicionalmente pouco propensa à satisfação com governantes.

editoriais@grupofolha.com.br

Privatizar praias? Todo mundo é dono do mundo, Zeca Camargo , FSP

Uns anos atrás eu andava sozinho na bela praia de Imbassaí, na Bahia. Era a primeira hora da manhã, eu recebia as primeiras luzes do dia. Nos meus pés, as primeiras ondas. Na minha cabeça, o pensamento: "Isto aqui é meu".

Sim, eu me sentia dono daquela praia, não porque havia comprado um pedaço dela e podia então mesquinhamente aproveitar aquele espaço só para mim. Imbassaí, naquelas manhãs de inverno de 2023, era muito minha, porque o mundo é meu.

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A praia de Imbassaí - Jefferson Senna/Divulgação

E é também de todos, diga-se. Nada nos faz pertencer tanto a esse mundo como a possibilidade de explorá-lo, de andar por um chão, seja de pedra, terra, areia, asfalto e pensar: "Aqui eu me pertenço".

Claro que a experiência turística não se resume a lugares por onde podemos circular livremente. De museus a prédios históricos, de parques privados a centros culturais, pagar para visitar algo construído pelo homem faz parte do pacote de qualquer viajante. Mas as praias?

Escrevo isto ainda ligeiramente indignado com a possibilidade absurda de nossas praias se tornarem propriedades privadas. A incipiente PEC quer tirar nosso direito de circular quando quisermos por um dos litorais mais belos do planeta: o do nosso Brasil.

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Além dessa alvorada em Imbassaí, lembrei-me de outras areias que tão bem me receberam em todo o território nacional, das falésias de Beberibe (CE) ao contorno de Galinhos (RN). Das cores de Pajuçara, em Maceió, ao descompromisso da praia do Rosa (SC).

É tudo muito lindo para que a oportunidade de qualquer um visitar esses horizontes seja diminuída pelo preço de um ingresso. Mais: é revoltante a chance de que um direito ancestral do ser humano seja tolhido por uma vil especulação imobiliária.

Minha indignação cresceu, nos últimos dias, conforme eu ia me lembrando das possibilidades que a tal PEC teria o potencial de nos tirar. Carneiros, em Pernambuco; Carnaubinhas, no Piauí; Porto Seguro, na Bahia; São Miguel dos Milagres, em Alagoas; Barra do Sahy, em São Paulo.

São Miguel dos Milagres, em Alagoas - Leo Caldas/Folhapress

E ainda lembrei de outras praias que vi pelo mundo, nenhuma tão linda quanto as nossas —talvez a que visitei nas Maldivas. Mas todas inquestionavelmente são espaços abertos; na Tailândia, no Vietnã, em Bali, Belize, Moçambique... Nem vamos começar a falar do Mediterrâneo.

Me lembro ainda de um dia andando por uma surpreendentemente estranha costa na Índia, mais especificamente em Goa. Lá comecei a pensar na ligação que aquele lugar tinha com o Brasil, que devemos, claro, a Portugal.

Goa, a improvável colônia portuguesa em território indiano, dá ao visitante brasileiro a curiosa sensação de estar visitando um enigmático canto do nosso litoral. Mas, se a arquitetura colonial nos ilude, quando olhamos para aquele mar temos certeza de estar em território desconhecido.

O que o oceano Índico me oferecia ali eram águas turvas, de um tom marrom, que me fez pensar na distância entre a Índia e o Brasil. E em como aquelas águas nos aproximavam: Palolem, uma das praias da costa goesa, e Copacabana inesperadamente conectadas.

E nas duas eu podia me imaginar andando tranquilo, como em Imbassaí, esperando o dia começar, o ar te renovar, o coração bater. Porque não há lugar para se sentir mais livre do que em uma praia.

Essa é uma certeza tão grande quanto a de que a tentativa de tirar o acesso público à nossa costa é apenas uma ideia absurda, que quer mais desviar a atenção do discurso político carregado do que, de fato, mudar alguma coisa.

Mas nada muda o mar. E ninguém tira meu pé desta areia.

 

Chinesa Spic investe R$ 780 mi em eólicas e inaugura primeiros parques solares no Brasil, FSP

 

Letícia Fucuchima
SÃO PAULO | REUTERS

elétrica chinesa Spic anunciou nesta quarta-feira (5) um investimento de R$ 780 milhões na construção de dois novos parques eólicos no Nordeste, ao mesmo tempo em que faz nesta semana sua estreia na fonte solar no país com a inauguração de dois grandes empreendimentos.

Os dois eventos marcam um importante avanço na estratégia da companhia de diversificar seu portfólio de fontes de energia e crescer para se tornar uma das três maiores geradoras no país, disse à Reuters a CEO da subsidiária brasileira.

Os novos parques eólicos da Spic, Paraíso Farol e Pedra Amolar, terão somados 105,4 megawatts (MW) de capacidade instalada, com sua energia comercializada no mercado livre, e ficarão em Touros (RN). A previsão é de que as obras sejam iniciadas até janeiro de 2025, e que os parques entrem em operação no ano seguinte.

Parque híbrido, com turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos, em empreendimento da Spic em Zhangjiakou - 29.out.18 - Reuters

Já os novos empreendimentos solares, localizados no Piauí e Ceará, somam 738 megawatts-pico (MWp) de potência e têm a Spic como principal investidora, com 70% de participação.

Em 2022 a empresa comprou os projetos que estavam em desenvolvimento pela Recurrent Energy (antiga Canadian Solar), que segue como acionista e operadora dos parques, tendo vencido licitação da SPIC para um contrato de "operação & manutenção".

Nomeadas de Marangatu e Panati, as usinas solares receberam R$ 2 bilhões em investimentos e terão toda sua energia vendida no mercado livre de energia. Cerca de 65% da energia já foi comercializada em contratos de longo prazo, e os 35% restantes serão negociados em contratos mais curtos.

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"Os projetos demonstram o apetite que temos pelo país e pelas fontes renováveis... Não temos uma meta numérica, mas queremos ser um dos três maiores 'players' até 2025, então estamos trabalhando para isso. É claro que tem 'players' muito importantes, mas não é só o tamanho, queremos trazer tecnologia, inovação", disse Adriana Waltrick, CEO da Spic Brasil, em entrevista à Reuters.

A State Power Investment Corporation of China tem aproximadamente 3.800 MW de capacidade instalada de ativos em operação no Brasil, considerado um dos mercados prioritários para a empresa. O portfólio inclui a usina hidrelétrica de São Simão, parque eólicos na Paraíba e o complexo termelétrico GNA (Gás Natural Açu), do qual tem 33% de participação.

Segundo Waltrick, a companhia está ativa no mercado e continuará crescendo no país, tanto por meio de projetos "greenfields" (em fase de desenvolvimento e construção), viabilizados no mercado livre ou em leilões para o mercado regulado, quanto aquisições de "brownfields" (já operacionais).

"O cenário atual de preços de energia é de preços baixos. Existe um 'oversupply', mas olhamos o longo prazo, precificamos isso tudo e tentamos equacionar a questão dos preços baixos atuais", disse a executiva, ao comentar sobre a dificuldade momentânea para viabilizar novos empreendimentos de geração no Brasil.

A Spic está aguardando novidades do governo sobre os leilões previstos para este ano, que deverão contratar reserva de potência para o sistema elétrico e também energia nova.

Para o de potência, a empresa afirma ter espaço para adição de duas novas turbinas, cada uma com 372 MW, na hidrelétrica de São Simão, e espera a publicação das regras para avaliar o projeto.

A Spic não tem preferência por fontes de geração de energia e tem interesse inclusive em participar de eventuais leilões para novas hidrelétricas, caso o governo brasileiro decida retomar a construção desses empreendimentos.

"Temos acompanhado as declarações do governo e eventualmente, em havendo leilões hidrelétricos, nós estaremos ativamente participantes."

Em paralelo, a Spic também estuda a hibridização de seus parques renováveis, mesclando por exemplo energia solar com eólica, agregando mais uma fonte de geração para otimizar o uso da infraestrutura de transmissão, além da instalação de baterias e sistemas de armazenamento de energia.

"De forma pontual, em alguns pontos de gargalo, é possível que se possa usar baterias, desde que seja sejam competitivas. Acreditamos que é uma questão de tempo para que elas tenham competitividade e escala."

Os projetos da gigante chinesa no país envolvem ainda estudos para produção de hidrogênio verde associada à instalação de eólicas offshore, uma tecnologia de geração já dominada pela empresa fora do Brasil.

A SPIC já deu alguns passos para se posicionar nesses setores nascentes com a assinatura de memorandos nos Porto de Açu (RJ) e de Pecém (CE).

"Esperamos que o Brasil avance logo com as regras (para eólica offshore), porque essa é a corrida da transição energética no mundo e a gente está muito bem posicionada para ser vencedor enquanto país. Aguardamos as regras para podermos trabalhar para além dos projetos-piloto, para trabalhar escala comercial".