quarta-feira, 17 de abril de 2024

Entenda o que acontece se Trump for condenado e depois reeleito presidente, FSP DW

 Carla Bleiker

DW

O ex-presidente Donald Trump, nome praticamente certo do Partido Republicano para concorrer na eleição presidencial dos EUA deste ano, não é um novato no banco dos réus. Em janeiro passado, um tribunal de Nova York determinou que ele pague milhões de dólares à escritora E. Jean Carroll por abuso sexual e difamação. Trump está recorrendo da decisão. Esse foi um processo civil.

Agora, Trump se tornou o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a ir a julgamento por acusações criminais. O caso, que começou nesta segunda-feira (15) num tribunal de Nova York, é sobre se ele comprou o silêncio da estrela pornô Stormy Daniels, sobre um encontro sexual entre ambos, para proteger a sua campanha eleitoral de 2016 para a Casa Branca.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump comparece ao julgamento no Tribunal Criminal de Manhattan, em Nova York - Jabin Botsford - 15.abr.24/POOL/AFP

Esse é o primeiro de quatro casos criminais —dois estaduais e dois federais— que Trump tem pela frente. O outro caso estadual envolve a acusação de tentar reverter a sua derrota na Geórgia na eleição presidencial de 2020. Num dos casos federais ele é acusado de ter conscientemente promovido mentiras sobre fraude eleitoral em 2020, e no outro, de ter mantido consigo ilegalmente documentos confidenciais do governo quando deixou a Casa Branca.

TRUMP PODERÁ CONCORRER SE CONDENADO?

Sim. Não importando como vá terminar cada um desses casos, Trump ainda poderá concorrer à presidência dos EUA. A Constituição do país lista apenas três requisitos para uma pessoa concorrer: ela deve ser cidadã americana nata, ter ao menos 35 anos, e ter residido nos EUA por ao menos 14 anos. O texto não afirma que uma pessoa condenada não pode se tornar presidente.

"Há muitos debates sobre se um candidato presidencial que foi acusado ou está envolvido num processo judicial em andamento pode concorrer ao cargo", diz a professora de ciência política Laura Merrifield Wilson, da Universidade de Indianápolis. "Mas eles se baseiam em questões morais, juízos de valor e opiniões, não em leis explícitas ou barreiras processuais."

TRUMP PODE SER IMPEDIDO DE CONCORRER SOB A 14ª EMENDA?

A seção 3 da 14ª Emenda da Constituição dos EUA afirma que pessoas que "se envolveram em insurreição ou rebelião" depois de jurarem cumprir a Constituição são desqualificadas para ocupar qualquer cargo, civil ou militar, nos Estados Unidos.

Os ativistas que querem ver Trump desqualificado com base nessa cláusula afirmam que as ações do então presidente no período anterior ao ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, constituem participação numa insurreição. Eles argumentam que as mentiras de Trump sobre como os democratas roubaram a eleição incentivaram a turba que invadiu o Capitólio naquele dia.

Foram feitas tentativas para que Trump fosse removido das cédulas de primárias em alguns estados com base nessa emenda, "que foi originalmente usada para impedir que secessionistas retornassem a seus cargos no governo após a Guerra Civil Americana", explica o jornalista Brandon Conradis, editor do site de notícias políticas The Hill.

Mas, em março de 2024, a Suprema Corte derrubou uma dessas tentativas no Colorado, sob o argumento de que não são os estados que têm autoridade para impedir que pessoas se candidatem a cargos federais, mas o Congresso.

Essa decisão anulou tentativas semelhantes em outros estados. Como o Congresso está dividido, com os republicanos tendo maioria na Câmara dos Deputados e os democratas tendo uma maioria de apenas um assento no Senado, parece pouco provável que Trump seja impedido de concorrer com o recurso à 14ª Emenda.

TRUMP PODERÁ VOTAR SE CONDENADO?

Provavelmente não. O registro eleitoral de Trump é na Flórida, onde condenados não podem votar.

"A maioria dos condenados na Flórida recupera o direito de voto depois de cumprir toda a sentença, incluindo liberdade condicional ou liberdade provisória, e pagar todas as multas e taxas", explicou a jornalista de política Maggie Astor no New York Times.

Mas a liberdade condicional de Trump provavelmente não terminaria a tempo de ele recuperar seu direito de voto. Portanto, se condenado, Trump ainda poderia concorrer à presidência, mas não poderia votar.

MAS O QUE ACONTECERÁ SE TRUMP FOR PARA A CADEIA?

Ninguém sabe.

"Isso tudo é muito longe de qualquer coisa que já tenha acontecido", disse o especialista em direito constitucional Erwin Chemerinsky, da Universidade da Califórnia em Berkeley, ao New York Times. "É tudo suposição."

Legalmente, Trump continuaria elegível e poderia concorrer, mesmo atrás das grades. Se ele fosse eleito, fica a questão de como tomaria posse e de como iria conduzir reuniões.

"Trump poderia entrar com um processo para ser libertado com base no fato de que sua prisão o estaria impedindo de cumprir suas obrigações constitucionais de presidente", especula Astor.

Mas, mais uma vez, como nunca nada parecido com isso aconteceu nos EUA, é impossível dizer como as coisas seriam na prática.

SE ELEITO, TRUMP PODERIA USAR O PERDÃO PRESIDENCIAL PARA SE BENEFICIAR?

Em teoria, Trump poderia comutar sua sentença de prisão ou até mesmo tentar usar o perdão presidencial para si mesmo, mas esses seriam usos extremos do poder presidencial que provavelmente teriam sua constitucionalidade questionada na Suprema Corte (onde os juízes conservadores têm uma maioria de 6 a 3).

Como alternativa, o presidente Joe Biden, no fim de seu mandato, poderia perdoar Trump, se o republicano for vitorioso, para que o homem eleito pelos eleitores dos EUA pudesse governar o país.

Essas ações, porém, só se aplicariam aos casos federais e não aos julgamentos em Nova York e na Geórgia, pois presidentes não têm o poder de conceder perdão para condenações estaduais.

O governo está tonto, Elio Gaspari, FSP

 Desde dezembro do ano passado, quando a boca do jacaré se abriu com a pesquisa do Ipec, mostrando que 50% dos entrevistados não confiavam em Lula contra 48% que confiavam, o governo tem ido de sobressalto em sobressalto. O Lula 3.0 está tonto porque não consegue ficar do tamanho que gosta de se imaginar.

Essa perplexidade tem duas origens. Uma, essencial, é a descoberta de que não entregará os rios de mel da campanha eleitoral. Ganha um fim de semana em Essequibo quem acreditava nas metas de contas públicas do ministro Fernando Haddad. Lula recebeu a economia em mau estado e reequilibrou-a. Com a propensão ilusionista de todos os governos, recuou das metas e, ao mesmo tempo, elevou o salário mínimo. São diversas as promessas de Haddad e algumas delas podem virar realidade, desde que se trabalhe. Se gogó resolvesse dificuldades da economia, o Brasil nunca teria conhecido déficits.

O presidente Lula (PT) em discurso em São Paulo
O presidente Lula (PT) em discurso em São Paulo - Nelson Almeida - 12.abr.24/AFP

A segunda fonte da perplexidade vem da descoberta de que Lula esgotou seu criadouro de bodes expiatórios. Perdeu meses de verbo escalando o presidente do Banco CentralRoberto Campos Neto, para esse papel. Até mesmo a alma inelegível do governo Bolsonaro revelou-se um adversário gasto.

Quando Lula descobre o valor do seu silêncio em assuntos internacionais, a doutora Gleisi Hoffmann atravessa o mundo para expor suas noções de democracia na China. Faz tempo que se macaqueiam os chineses. Muita gente boa admirava o igualitarismo do camarada Mao. Não se sabia à época que ele viajava quase sempre de trem. Como dormia quando queria (às vezes às dez da manhã para acordar às cinco da tarde), o trem só andava depois que ele despertava. A China de Xi Jinping é tão democrática quanto era igualitária a de Mao.

O velho disco toca uma melodia que deixou de encantar. O governo não tem grandes obras, mas está sentado em cima de projetos que podem e devem ser discutidos. Por exemplo: a exploração de petróleo na margem equatorial e a Ferrogrão, uma estrada de ferro de 933 quilômetros que irá de Mato Grosso ao Pará, escoando a safra de grãos e baixando o custo do frete. Nenhum desses projetos está parado por culpa do Planalto, mas dele não sai a faísca para empurrá-los.

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São duas obras que estimulam controvérsias. Ótimo, que venham as controvérsias. A Guiana transformou-se com o petróleo da margem equatorial. No ano passado sua economia cresceu 60%. A Ferrogrão cortaria a Amazônia, facilitando e barateando os grãos. Ela será paralela a uma rodovia já existente. Como se sabe, o trem só para nas estações, já os caminhões param onde querem.

Grandes projetos carregam controvérsias. A Argentina não queria que o Brasil erguesse a hidrelétrica de Itaipu e hoje o Brasil suaria a camisa com os ambientalistas, pois afogaria, como afogou, as cataratas das Sete Quedas.

Se o governo não destrava grandes projetos, deveria valorizar a dieta de feijão com arroz com que toca o país. Graças a ela, baixa o desemprego e melhora a vida dos trabalhadores. Por mais estranho que pareça, o que o Brasil precisa é de quem abra a quitanda de manhã cedo, com berinjelas para vender e dar o troco para as freguesas. Quem passou por quatro anos de Bolsonaro sabe disso, inclusive o próprio governo.

Eles são os homens de bem, Ruy Castro, FSP

 Quem conhece o teatro, romances e contos de Nelson Rodrigues sabe que seus personagens são uma galeria de adúlteros, incestuosos, assediadores, assassinos, suicidas e outros graves transgressores das normas de convívio. Por causa disso, Nelson foi censurado, teve peças e livros proibidos, sofreu ameaças físicas e foi chamado de tarado e pornográfico. Quem são esses personagens? Marginais, presidiários, prostitutas, pobres, destituídos, aqueles de quem a sociedade espera esses "desvios"?

Não. Os tarados de Nelson são advogados, juízes, médicos, políticos, padres, pais de família, até mães de família. Todos "homens de bem" —inatacáveis, detentores do monopólio das virtudes, aqueles sobre quem não resta a menor dúvida. Daí Nelson botar na boca de alguém em seu romance "Asfalto Selvagem": "O homem de bem é um cadáver mal-informado. Não sabe que já morreu".

Nelson pode ter se enganado. O "homem de bem" ainda é uma realidade. Ele tem um "nome a zelar": venceu na vida, é casado, fiel, não tem filhos gays, é sócio de clubes, paga o que deve em dia, vai à Disney com a família, é patriota, religioso e fã de cantores sertanejos.

Talvez não por acaso, seu reduto seja a extrema direita. Certifiquei-me disso outro dia num livro de 1933 do jornalista António Ferro, de loas ao então ditador luso Salazar. É dedicado "aos portugueses de boa-fé e boa vontade" —o que os tornava cúmplices das perseguições, prisões e tortura a que Salazar submetia os opositores.

"Homens de bem", ou que assim se consideram, são também os seguidores sinceros de Bolsonaro. Isso os aproxima de "homens de bem" como os irmãos Brazão, Fabrício Queiroz, Ronnie Lessa, Roberto Jefferson, Daniel Silveira, Allan dos Santos, Eduardo Pazuello, Braga Netto, Augusto Heleno, padre Kelson. Uns, acusados de tentativa de golpe; outros, de fraude e corrupção; e ainda outros, de assassinato, mesmo.

Padre Kelmon em 2022 - Mauro Pimentel/AFP