quarta-feira, 17 de abril de 2024

Caraguatatuba ergue muros no encontro de rio com o mar e engorda praias; entenda por quê, OESP

 


Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização: 

Muros de pedra do tipo molhe construídos pela prefeitura de Caraguatatuba estão levando as águas do Rio Juqueriquerê ao menos um quilômetro mar adentro, na cidade do litoral norte de São Paulo. A estrutura formou um canal de 190 metros de largura por até 1,3 quilômetro de extensão a partir da foz do curso d’água, que está sendo desassoreado para permitir a retomada plena da navegação. O Juqueriquerê é o maior rio e o único navegável na região.

Obra cria canal de 190 metros de largura em rio de Caraguatatuba
Obra cria canal de 190 metros de largura em rio de Caraguatatuba Foto: Claudio Gomes/Prefeitura de Caraguatatuba

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A obra, que também tem o objetivo de evitar enchentes na região, está mudando o perfil do litoral no município, que é estância turística devido às suas praias. A areia retirada do canal está sendo usada para engordar as praias do entorno, atingidas pela erosão.

O projeto prevê até um farol para orientar os navegantes. Comunidades caiçaras e de pescadores tradicionais, no entanto, temem que a pesca seja afetada.

Tecnicamente, a obra é denominada enrocamento, com o uso de molhes – estruturas de pedra construídas na água. Para erguer o muro norte, com 1,2 mil metros de extensão, e o sul, com 1.350 metros, o município já utilizou mais de 20 mil caminhões de pedras.

Construção de molhes leva águas do rio mar adentro em Caraguatatuba
Construção de molhes leva águas do rio mar adentro em Caraguatatuba Foto: Claudio Gomes/Prefeitura de Caraguatatuba

Outra obra de grande impacto na região – a construção do Contorno Norte da Rodovia dos Tamoios, que retira o tráfego rodoviário da área urbana de Caraguatatuba – contribuiu para o projeto do Rio Juqueriquerê. Para construir os molhes, a prefeitura utilizou as rochas do ‘bota-fora’ da abertura do túnel do contorno da Tamoios.

Segundo a prefeitura, o enrocamento do Rio Juqueriquerê é a segunda maior construção de molhes do país, atrás apenas dos molhes da Barra do Rio Grande (RS), que medem 1,7 km (sul) e 2,1 km (norte). A previsão de custo da obra paulista será de R$ 42,5 milhões.

Conclusão da obra é prevista para julho

É também a terceira maior intervenção no litoral paulista, depois das obras de ampliação dos portos de Santos e de São Sebastião. A previsão é de que o conjunto esteja totalmente concluído em julho.

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Na semana passada, o molhe norte estava pronto e, no sul, faltavam 70 metros para completar a extensão – o canal ficará mais estreito, com 100 metros de largura na extremidade, para aumentar a pressão na saída da água.

Quando prontos, os molhes vão arrefecer a força das marés e conter a areia que se deslocaria para a foz do rio, segundo o prefeito de Caraguatatuba, Aguilar Junior (PL). “É uma obra que a população esperava há mais de 40 anos”, diz.

“Na foz do rio, que deságua no mar, o movimento das marés acabava formando um banco de areia. Esse ponto, às vezes, ficava com uma lâmina de apenas 15 centímetros de água, dificultando muito a navegação. E quando chovia, até a pressão da água estourar o banco de areia, a água ficava represada e a população sofria com as inundações”, acrescenta o prefeito.

Com o desassoreamento do rio próximo à foz, realizado pelo Estado por meio do Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee), a água já flui melhor, segundo Aguilar. Em dezembro, foi iniciada a retirada de areia e detritos em uma extensão de 800 metros do rio, a partir da Rodovia Rio-Santos (SP-55), até o bairro Porto Novo, próximo à praia.

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Com escavadeiras e dragas embarcadas, estão sendo retirados cerca de 30 mil metros cúbicos de areia e sedimentos, equivalentes a 1,7 mil caminhões basculantes.

Parte da areia está sendo usada para engordar faixas de praias na própria região do enrocamento, como a Praia da Enseada e a Praia do Porto Novo. Conforme o prefeito, além de restabelecer as condições naturais do rio, a melhora no escoamento das águas facilita a navegação e reduz muito o risco de enchentes nos bairros ribeirinhos, onde vivem 43 mil pessoas.

“O rio está 100% dentro dos limites de Caraguatatuba, mas além de drenar toda a região sul do município, drena o norte de São Sebastião. O impacto positivo será nos dois municípios”, afirma ele.

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Donos de barco com casa em Ilhabela usam marinas da região

No Rio Juqueriquerê e seu entorno, estão instaladas 13 marinas, além de um entreposto de pesca e de um estaleiro para manutenção de barcos e escunas. Centenas de embarcações circulam regularmente pelo rio e sua foz, mas a navegação ainda é limitada pelo assoreamento.

O empresário Armando Salles, dono de uma marinha no Juqueriquerê, disse que as intervenções já realizadas trouxeram impacto positivo. “Hoje, os barcos já não precisam esperar a maré para entrar ou sair. Este ano também não tivemos inundações aqui na região”, disse.

Segundo ele, a melhora nas condições do rio, aliada à construção da segunda pista na Tamoios, concluída em 2022, levou muitos donos de barcos com casas de veraneio em Ilhabela a ancorarem suas lanchas nas marinas do Juqueriquerê.

“Eles deixam o carro na marina e vão de barco para a casa na ilha, escapando da fila da balsa entre São Sebastião e Ilhabela. O que levaria até duas horas, eles fazem em menos de 30 minutos. Todas as marinas estão lotadas”, afirma.

Vice-presidente da Associação Caiçara Juqueriquerê (Acaju), Pedro Paes Sobrinho manifestou preocupação com o aumento no tráfego de embarcações pelo rio. “O projeto beneficiou as marinas e o turismo, mas para o pescador, ainda vamos ver os efeitos. Um movimento muito grande de barcos não é bom para a pesca.”

Pescador desde a juventude – ele faz 88 anos em maio -, Sobrinho diz que os bancos de areia nunca foram problema para quem pesca. “O pescador conhece as marés e sabe a hora certa para sair com o barco”, afirma.

Presidente do Entreposto de Pesca do Porto Novo, Ladisla Coelho acredita que a pesca será afetada pelo maior movimento de barcos. “A gente não vai longe para pescar, faz a pesca por aqui mesmo (no rio). Se hoje já está difícil por causa do fluxo alto de barcos, imagine quando abrir de vez o canal. Onde há 100 barcos no rio, terá 400”, prevê.

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“Vai ter congestionamento de barco. Muitos não têm noção de velocidade e já houve casos de baterem nos barcos dos pescadores”, acrescenta.

Segundo Aguilar Junior, pescadores profissionais que precisam se deslocar para o mar serão os mais beneficiados pela obra, pois não dependerão das marés para entrada ou saída com as embarcações. “Embora os outros impactos devam ser considerados, o principal ganho é da população que vai ficar livre das inundações pela melhoria na drenagem do rio”, diz.

Projeto prevê construção de farol

Os estudos para a construção dos molhes se iniciaram em 2017 e a licença para a obra foi aprovada pela Companhia Ambiental do Estado (Cetesb) em agosto de 2020. A obra foi licitada em abril de 2022 e deve ser entregue em julho deste ano.

Segundo a gestão municipal, foram cumpridas as compensações ambientais exigidas pela Cetesb, fazendo replantio de árvores retiradas durante a obra, e está reurbanizando a região do molhe com verba de R$ 6,5 milhões liberadas pelo Departamento de Apoio e Desenvolvimento das Estâncias (Dade), do Estado.

O projeto prevê ciclovia, paisagismo, guarda-corpos nos molhes e a construção de farol, ainda em fase de projeto. O entorno do rio ganhou também o Parque Natural Municipal de Juqueriquerê, com trilhas como a do Esquilo, do Teiú e da Capivara, além de um observatório de aves. A entrada é gratuita e há monitores para guiar as visitas.

Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado informou que as obras de enrocamento do rio Juqueriquerê passaram por licenciamento ambiental, tendo sido emitidas as Licenças Ambientais Prévias (LP) e de Instalação (LI), que estabeleceram condicionantes a serem atendidas na fase de implantação do empreendimento.

Segundo a nota, o atendimento às exigências está sendo avaliado pela Cetesb. As condicionantes incluíram, entre outros itens, o plantio de 6 mil m2 de área verde, levantamento e monitoramento da população de peixes e da qualidade das águas, plano de comunicação à sociedade civil e controle ambiental das obras.

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Tragédia com 436 mortes marcou região

O assoreamento do Rio Juqueriquerê remonta à tragédia que atingiu Caraguatatuba em março de 1967, quando chuvas intensas atingiram a região e uma avalanche de pedras, árvores e lama soterrou grande parte da porção urbana.

As áreas adjacentes ao rio foram cobertas por até quatro metros de lama e grande parte dos detritos acabou levada para o manancial. Oficialmente, a tragédia ocasionou 436 mortes e ainda é considerada uma das maiores do País.

Com 13,3 km de extensão, o rio drena as águas de 17 canais e ribeirões. As margens sofreram intensa ocupação urbana, sobretudo a margem direita, onde os manguezais e remanescentes florestais deram lugar a edificações que atingem a quota das marés mais altas e inundam com as chuvas mais intensas.

O novo Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) do Litoral Norte, em vigor desde 2017, permite a ocupação de até 80% das áreas, inclusive para empreendimentos industriais.

O rio está ligado à história de Caraguatatuba. No início do século 20, a região foi explorada para o corte de árvores visando a fornecer dormentes para as ferrovias, em forte expansão no Estado naquela época. As toras eram transportadas em balsas pelo Rio Juqueriquerê e levadas para São Sebastião e Santos.

No fim da década de 1920, um grupo britânico comprou as terras para produzir frutas, especialmente laranja e banana, para exportação. No auge da produção, a Fazenda dos Ingleses chegou a ter 6 mil moradores para cuidar de 500 mil pés de laranja e 3 milhões de bananeiras.

Foi construído um portinho no Juqueriquerê para embarcar as frutas, que eram levadas em barcaças para o Porto de Santos, de onde seguiam em navios para a Inglaterra. Duramente atingida pela catástrofe de 1967, a fazenda foi vendida anos depois para um grupo pecuarista.

terça-feira, 16 de abril de 2024

Juliano Spyer Existe salvação fora do extremismo religioso? Talvez não, FSP

 O pastor batista Ed Rene Kivitz é uma pedra no sapato do bolsonarismo evangélico. Ele é ao mesmo tempo um erudito, capaz de debater qualquer tema à luz da Bíblia e em alto nível, e um polemista. "Quem não incomoda, não faz a diferença", ele argumenta. Qual papel, então, está reservado a ele neste momento em que o campo evangélico flerta com o extremismo de direita?

Ed é o nome mais conhecido entre pastores que rejeitaram publicamente o bolsonarismo. Ele é um comunicador carismático e mantém um decoro ético que pastores progressistas e de esquerda muitas vezes não têm.

Ideologicamente, ele é ligado à Teologia da Missão Integral que, assim como a Teologia da Libertação, associa o cristianismo à militância social. E sem ter se pentecostalizado, ele conduz cultos exuberantes do ponto de vista estético, principalmente pelo uso da música acompanhando cultos. Esses componentes o tornaram uma liderança com influencia nacional: ele tem hoje 400 mil seguidores no Instagram e mais 263 mil no YouTube.


Ed influencia o campo evangélico mesmo somando apenas uma fração da audiência de pastores bolsonaristas como Claudio Duarte. Sua comunidade de fé, a Igreja Batista da Água Branca (Ibab), atua na formação de pastores e, mais recentemente, ela se tornou a principal alternativa a oferecer cultos online para desigrejados descontentes com a politização excessiva de suas igrejas.


Além disso, Ed decidiu se expor mais falando sobre política. Ele manteve uma posição conciliadora no debate público mesmo depois de ser violentamente cancelado em um ataque de pastores fundamentalistas e de ser excluído da Ordem dos Pastores Batistas.

O pastor batista Ed René Kivitz, crítico dos apoiadores de Bolsonaro e do fundamentalismo cristão - Danilo Verpa/Folhapress

Mas nas últimas duas semanas ele mudou de estratégia e abandonou a neutralidade: declarou que não tinha a obrigação de ser imparcial com racistas, fascistas e golpistas, que não convidaria lideranças como o deputado Nikolas Ferreira para pregar na Ibab, e dissecou criticamente a Teologia do Domínio que inspira o discurso de pastores bolsonaristas.



Somando prós e contras, Ed Rene continuará a influenciar o debate político entre religiosos, mas de forma modesta. Novos ataques devem levar um intelectual como ele a se posicionar cada vez mais próximo do campo progressista. Ao fazer isso, ele será celebrado por artistas e influenciadores de esquerda, como acontece com o pastor Henrique Vieira. Mas suas falas, que já não chegam à massa pentecostal, continuarão afastando os evangélicos moderados, que rejeitam a instrumentalização de suas igrejas, mas não querem relativizar a pauta de costumes.

E assim o pensamento fundamentalista continuará atuando para descreditar e isolar quem, no campo evangélico, se contrapuser a ele.


spyer@uol.com.br


Ex-corregedor da Fazenda de SP retoma trabalho na pasta após caso de 'bunker' com US$ 180 mil,FSP

 Guilherme Seto

SÃO PAULO

O ex-corregedor da Secretaria da Fazenda de São Paulo Marcus Vinícius Vannucchi voltou a atuar na gestão estadual em março, como assistente fiscal na delegacia tributária de Jundiaí (58 km da capital). Em 2019, ele foi preso sob suspeita de cobrar propina de fiscais que eram investigados pelo órgão.

O servidor foi absolvido pela Justiça em 2021, e o processo administrativo disciplinar da secretaria, aberto desde 2019, ainda não foi concluído.

Vannucchi ficou no cargo de 2016 a junho de 2019. Ele era responsável pelo setor que abriu processos administrativos contra servidores que se dispuseram a informar ao Ministério Público sobre suspeitas de irregularidades dentro da Secretaria da Fazenda, cujos casos foram revelados pela Folha.

Cédulas de dólar encontradas pela Polícia Civil na casa da ex-esposa de Marcus Vinícius Vannucchi
Cédulas de dólar encontradas pela Polícia Civil na casa da ex-esposa de Marcus Vinícius Vannucchi - Reprodução-7.jun.2019

Semanas após ter sido afastado pela gestão estadual sob a justificativa de questões familiares, Vannucchi foi preso. Na casa de sua ex-esposa, Olinda, a Polícia Civil encontrou US$ 180 mil (cerca R$ 960 mil) e 1.300 euros (cerca de R$ 8.400) em um "bunker", espécie de sala escondida dentro da residência, que fica em Itatiba (a 84 km da capital).

Em sua decisão, o juiz Ezaú Messias dos Santos, da Vara Criminal de Itatiba, disse que "os elementos trazidos aos autos não são aptos a convencer que os valores em moeda estrangeira encontrados na casa de Olinda eram provenientes de crimes contra a administração pública praticados por Marcus como agente de fiscalização tributária".

Vannucchi atuou na Fazenda estadual nas gestões Geraldo Alckmin (PSB), Márcio França (PSB), João Doria (sem partido) e, agora, Tarcísio de Freitas (Republicanos).