terça-feira, 4 de abril de 2023

LENIO STRECK - Jornalista a gente usa?, FSP

 

Lenio Streck

Advogado, jurista e professor, é doutor em direito e autor de “Jurisdição Constitucional” (ed. Forense), entre outros

Erich Fromm atribui a Espinosa a frase "Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo". Discursos sempre têm implicaturas. O dito e o não dito.

Lembrei da frase ao ler, nesta Folha, a coluna de Conrado Hübner Mendes ("Jornalista a gente usa e abusa, ‘dizem ministros’", 29/3). Nela, o colunista joga uma ácida crítica a jornalistas, advogados e ministros. O título já funciona como "enunciado performativo".

Hübner leciona direito. Na Folha, tem colegas jornalistas. Portanto, estou certo em presumir que conhece bem o direito constitucional e o jornalismo. Questiono, então, qual alvo ele tem em mente em mais uma de suas sempre tão ácidas críticas. Tão ácidas que, no entanto, lá atrás, pouparam o lavajatismo.

Sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

Na coluna sob comento, diz que jornais, vejam só, incentivam magistrados (!) a "delinquir impunemente" quando noticiam algo que um jornalista ouviu de fonte sua. Qual é a delinquência incentivada e impune? Ministros do Supremo são delinquentes? Ora, é preciso ser claro. Um texto tão corajoso exige coragem até o final, porque coisas tão sérias não podem ficar no ar.

Porque há uma questão grave aqui: o professor Hübner sabe bem, então, a importância jurídica e moral do sigilo de uma fonte. Que é um direito constitucional fundamental. E é isso que ele ataca quando diz que jornais —jornalistas— incentivam delinquentes, no caso, ministros da Suprema Corte. Jornalismo "off the records" seria uma aberração, diz. Então a Constituição é uma aberração, professor? Pode até ser. Mas fundamente, por favor. Saquemos fora esse dispositivo?

O cronista poderia separar o off que já deu à humanidade alguns dos maiores furos da história (lembremos "Garganta Profunda", do Watergate) do off fraudulento —que conhecemos bem, como aquele que a Lava Jato usou para emparedar ministros e subordiná-los a Curitiba.

"Ninguém sai eticamente ileso", diz. Pois é. Nem Hübner. Suas ácidas críticas não poupam ninguém. Nem a ele mesmo, pelo visto. Porque também ele, quando não nomina os acusados, insinuando prática de crime ou desvios éticos, atua do mesmo modo, em off jurídico. Pronto. Descobrimos um novo método de acusação, exportável ao Ministério Público, mormente para a parcela que protagonizou o lavajatismo: o "jus off". Isso: "Dizem que..."!

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Numa espécie de "Navalha de Hübner", lemos que o off dos jornalistas incrementa ilícitos e delinquência de ministros, que sinalizariam resultados (off) para aumentar o seu preço. Um certo Rubicão parece ter sido atravessado. Mesmo que diga que a expressão "preço" na frase é apenas "simbólico", há excesso de ambiguidades e duplo sentido. Digamos que exige demais do leitor. Ou de menos.

Deixando seu alvo oculto, Hübner mira nele mesmo e em seus colegas de jornal. Termina o texto ironizando seus alvos: antes era a Suprema Corte; agora também a imprensa. Na democracia, alvos fáceis.

No mais, a crítica de Hübner é semelhante a que ele ataca: "Dizem ministros". Só que ele mesmo diz pela metade. Seu alvo, de sempre, fica em off. O sujeito oculto, aqui, nunca é indeterminado. Mas, de novo, Spinoza tinha razão. Quando Pedro fala de Paulo...

"A Suprema Corte a gente usa e abusa", diz. Atacando a imprensa e o STF desse modo, parece até que a frase faz sentido. Filme velho.

Como um post scriptum, acrescento: observando alguns temas da República, percebemos que muitos deles são discutidos mais por offs e assessorias de imprensa do que pelos agentes encarregados, que acabam deixando a discussão ocorrer em terreno minado. Isso acontece toda vez que há vagas, principalmente, para os tribunais superiores. Há um certo patrimonialismo (no sentido científico) no ar, como se tudo dependesse de relações. Talvez isso tenha motivado o texto de Hübner. Bem, nessa parte até concordo: a se tratar dessas temáticas, há off demais. Pior: sem que se pergunte o que os listados para o cargo fizeram nos verões passados ou o que pretendem fazer nos próximos invernos. Que serão rigorosos.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Evangélicos universitários são vítimas de assédio moral?, Juliano Spyer

 "Para os meus colegas e professores, não há a possibilidade de alguém ser crente e de esquerda. Ou você é bolsonarista ou é crente falsa!"

Esse foi o desabafo de uma interlocutora ao ler a minha última coluna sobre a dificuldade de a esquerda dialogar com mulheres evangélicas.

Essa interlocutora é uma jovem negra, primeira de sua família a entrar na universidade e concluiu recentemente a graduação na Unicamp, no campo das ciências humanas. Para escrever sobre casos como esse, não mencionarei os nomes e o curso de cada interlocutor para não expô-los.

A jovem explica sua posição: "Quando eu falo para as pessoas na universidade que eu sou crente, elas esperam, principalmente os professores, que eu abandone o meu estado de ‘barbárie’ para me ‘civilizar’ saindo da religião. E, como eu não larguei a fé, deixei de ser bem-vinda ali. Não é uma atitude explícita, mas a gente percebe…".

Como ela frequenta uma igreja neopentecostal, associada a pastores aproveitadores e ao desejo de prosperidade, não se sente respeitada nem na universidade nem por outros crentes. "Para nenhum deles existe a possibilidade de coexistência nesses espaços," diz. Mas ela admite que encontrou mais possibilidades para se posicionar na universidade. "Na minha igreja é impossível", afirma.

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Marcha para Jesus em 2022, em São Paulo - Bruno Santos - 9.jul.22/Folhapress

Quando, em 2018, meu segundo interlocutor, ex-estudante da USP, postou que jamais votaria em Bolsonaro, um amigo de sua igreja respondeu: "Foi infectado pela faculdade, amigo?".

E, na universidade, a "zoeira" comum entre estudantes às vezes cruzava a linha da intolerância religiosa. "Quando contei a um colega que acreditava no nascimento virginal de Jesus, ele respondeu que, na verdade, isso é uma historinha para esconder um suposto adultério de Maria."

"Confesso," ele diz, "que a postura dos irmãos da igreja sempre doeu mais. Eu via as chacotas na universidade como ignorância, mas esperava que o vínculo com um irmão em Cristo fosse algo maior do que crenças na política e que eu nunca seria tirado do convívio, da comunhão".

Meu terceiro interlocutor, formado pela Unila, também atravessou a graduação rejeitado e criticado pelos dois lados. "Fui me sentindo deslocado na igreja e na universidade. Uns e outros invalidavam a minha fé. Parece que passei a graduação jogando Twister, um pé na igreja, uma mão na universidade e o corpo todo torcido."

A disputa entre universidades públicas e igrejas, além de mau exemplo à sociedade, parece estar produzindo vítimas. Os dois lados se apresentam como acolhedores dos vulneráveis e das diferenças.

Mas há um modo de chamar essas práticas, que vitimam jovens que vivem entre esses dois mundos, com outro termo que não assédio moral?