quarta-feira, 7 de setembro de 2022

A Europa pode e deve vencer a guerra energética, FT FSP

 "A Europa será forjada em crise e será a soma das soluções adotadas para essas crises." Estas palavras, das memórias de Jean Monnet, um dos arquitetos da integração europeia, ecoam hoje, quando a Rússia fecha seu principal gasoduto. Esta é certamente uma crise. Se a perspectiva otimista de Monnet prevalecerá, não sabemos. Mas Vladimir Putin atacou os princípios sobre os quais a Europa do pós-guerra foi construída. Ele simplesmente tem que ser barrado.

A energia é uma frente vital em sua guerra. Vai ser caro vencer essa batalha. No entanto, a Europa pode e deve se libertar do estrangulamento da Rússia. Isso não significa subestimar o desafio. A Capital Economics afirma que, a preços de hoje, o agravamento dos termos de troca equivaleria a 5,3% do Produto Interno Bruto da Itália ao longo de um ano e 3,3% do da Alemanha. Essas perdas são maiores do que qualquer dos dois choques do petróleo da década de 1970. Além disso, ignoram a interrupção da atividade industrial e o impacto do aumento dos preços da energia nas famílias mais pobres.

Tubos de gás natural. Ao fundo, as bandeiras da União Europeia e da Rússia - Dado Ruvic - 18.jul.2022/Reuters

É inevitável, também, que o aumento acentuado dos preços da energia leve a uma alta inflação. A experiência da década de 1970 indica que a melhor resposta é manter a inflação firmemente sob controle, como fez o Bundesbank então, em vez de permitir tentativas desesperadas de impedir que as inevitáveis reduções na renda real se transformem em uma espiral contínua de salários-preços. No entanto, essa combinação de grandes perdas na renda real com uma política monetária menos do que totalmente acomodatícia significa que uma recessão é inevitável.

Por mais difícil que pareça o futuro, também há esperança. Como escreveu Chris Giles: "Praticamente não há como escapar de uma recessão em toda a Europa, mas ela não precisa ser profunda nem prolongada". A probabilidade de uma recessão provavelmente aumentou ainda mais desde então. Mas o trabalho do corpo técnico do FMI mostra que um ajuste substancial é viável, mesmo no curto prazo. Em longo prazo, a Europa pode dispensar o gás russo. Putin perderá se a Europa puder aguentar.

Um documento recente do FMI aponta o potencial papel do mercado global de GNL (gás natural liquefeito) para amortecer o choque na Europa. A integração europeia nos mercados globais de GNL é imperfeita, mas substancial.

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O documento conclui que um desligamento russo levaria a um declínio nas despesas nacionais brutas da UE de apenas cerca de 0,4% ao ano após o choque, se levarmos em conta o mercado global de GNL. Sem este último, a queda seria entre 1,4% e 2,5%. Mas o primeiro, embora muito melhor para a Europa, também significaria preços mais altos em outros lugares, especialmente na Ásia. A queda estimada de 0,4% também ignora os efeitos pelo lado da demanda e pressupõe a plena integração dos mercados globais. Por essas e outras razões, o impacto real certamente será muito maior.

Outro documento do FMI sugere que, com a adição de incertezas, o PIB da Alemanha pode ficar 1,5% abaixo da linha de base em 2022, 2,7% em 2023 e 0,4% em 2024. O trabalho do FMI em países individuais da UE também conclui que a Alemanha não seria o Estado membro mais atingido. A Itália ainda é mais vulnerável. Mas os mais atingidos serão a Hungria, a República Eslovaca e a República Tcheca.

A grande lição dos choques do petróleo da década de 1970 foi que, em meados da década de 1980, havia um excedente global. As forças do mercado certamente fornecerão o mesmo resultado em tempo. O impacto de curto prazo também será gerenciável. As ações necessárias são amortecer o choque sobre os vulneráveis e incentivar os ajustes necessários, que podem incluir a reabertura de emergência dos campos de gás.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, afirmou que o objetivo da política agora deve ser reduzir o pico de demanda de eletricidade, limitar o preço do gás de gasoduto, ajudar consumidores e empresas vulneráveis com receitas extraordinárias do setor de energia e ajudar os produtores de eletricidade que enfrentam desafios de liquidez causados pela volatilidade do mercado. Tudo isso é sensato, até agora.

Um aspecto crucial desta crise é que, como a da Covid, mas ao contrário da crise financeira, quase todos os países europeus são afetados negativamente, sendo a Noruega a grande exceção. Neste caso, sobretudo, a Alemanha está entre os mais vulneráveis. Isso significa que o choque, e também a resposta, são comuns: é uma situação compartilhada. Mas também é verdade que os membros individuais não apenas enfrentam desafios que diferem em gravidade, como também possuem capacidade fiscal substancialmente diferente. Para que a zona do euro passe por esse desafio com sucesso, a questão de compartilhar recursos fiscais voltará a surgir. Em última análise, será insustentável esperar que o Banco Central Europeu seja o principal respaldo fiscal em tal crise. No entanto, se os países mais fracos fossem abandonados, as consequências políticas seriam terríveis.

Pelo menos mais duas grandes questões surgem. A mais estreita é o papel do Reino Unido sob sua nova primeira-ministra, Liz Truss. Ela tem uma opção imediata: consertar as cercas do país com seus aliados europeus em resposta à ameaça compartilhada de Putin, ou romper o tratado que seu antecessor fez para "concluir o Brexit". Os europeus, com razão, não esquecerão nem perdoarão se ela escolher o último nesta hora de necessidade.

A segunda questão, muito maior, é a mudança climática. Como escreve Fatih Birol, da Agência Internacional de Energia, esta não é uma "crise de energia limpa", mas o oposto. Precisamos de muito mais energia limpa, tanto por causa dos riscos climáticos quanto para reduzir a dependência de fornecedores inconfiáveis de combustíveis fósseis. Aprendemos essa lição na década de 1970. Estamos aprendendo novamente. O argumento para uma revolução energética tornou-se mais forte, não mais fraco.

A forma como a Europa responderá a esta crise moldará seu futuro imediato e em longo prazo. Ela deve resistir à chantagem de Putin. Deve ajustar-se, cooperar e resistir. Esse é o cerne da questão.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Morre Emanoel Araújo, criador do Museu Afro Brasil, aos 81 anos, OESP

 


O escultor, pintor e museólogo Emanoel Araújo morreu na madrugada desta quarta-feira, 7, em sua casa em São Paulo. As primeiras informações dão conta de ter sido um ataque cardíaco fulminante. Segundo um amigo do artista, Araújo foi encontrado morto no escritório de sua residência, onde serviria um almoço para conhecidos. Ele estava com 81 anos.

O velório acontece durante o dia no pavilhão do Museu Afro Brasil, que vai receber oficialmente o nome de Araújo, que foi curador-chefe da instituição de sua fundação, em 2004, até sua morte. Segundo o secretário estadual da Cultura, Sérgio Sá Leitão, o governador Rodrigo Garcia vai decretar luto oficial no Estado pela morte.

Desenhista, ilustrador, figurinista, gravador, cenógrafo, pintor e curador, Emanoel Alves de Araújo nasceu em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, em 15 de novembro de 1940. Realizou sua primeira exposição individual em 1959 e, na década seguinte, seguiu para Salvador, onde ingressou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde estudou gravura com Henrique Oswald (1918-1965).

O escultor, pintor e museólogo Emanoel Araujo, criador do Museu Afro Brasil
O escultor, pintor e museólogo Emanoel Araujo, criador do Museu Afro Brasil  Foto: IARA MORSELLI / ESTADÃO

Em 1972, recebeu a medalha de ouro na 3.ª Bienal Gráfica de Florença, Itália, e, no ano seguinte, o prêmio de melhor gravador. Entre 1981 e 1983, instalou e dirigiu o Museu de Arte da Bahia (MAB), em Salvador, além de expor individualmente no Museu de Arte de São Paulo, o Masp.

De 1992 a 2002, exerceu o cargo de diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo, onde foi responsável pela revitalização da instituição. E, em 2004, tornou-se curador e diretor do Museu Afro-Brasil, aberto naquele ano, em São Paulo, com obras de sua coleção.

No livro Emanoel Araújo - Escultor (2011), o crítico Paulo Herkenhoff observa a múltipla vocação de Araújo, lembrando que foi com um volume de Dom Quixote, ilustrado por Daumier, que o artista iniciou ao mesmo tempo uma carreira de artista, bibliófilo e colecionador. Herkenhoff mostra que sua prática artística de cinco décadas está intimamente ligada ao impacto que a arte de Daumier exerceu sobre o garoto baiano de ascendência nagô, que viria a se tornar, além de escultor, um gravador construtivista e um Quixote na constituição de museus - primeiro, ao comandar a reforma da Pinacoteca do Estado, transformando-a numa instituição internacionalmente reconhecida e, depois, inaugurando o primeiro museu brasileiro dedicado à arte de origem africana.

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O diretor do Itaú Cultural Eduardo Saron lamentou a morte de Emanoel. “Além de grande artista visual e de um grande intelectual, Emanoel foi uma pessoa fundamental para diminuir as barreiras e a fronteira da cultura afro-brasileira. É um legado que ele nos deixa, a que a sociedade e as instituições culturais devem dar continuidade”, disse. “Ele é mais do que uma referência moderna e contemporânea. Emanoel lutou pela diversidade e o reconhecimento e valorização das ancestralidades, e defendeu as artes, como um todo, trazendo grande contribuição para a afro-brasilidade em todos os aspectos”, continuou.

Já o governador Rodrigo Garcia decretou luto oficial de três dias no Estado de São Paulo, que será publicado ainda nesta quarta, em edição extra do Diário Oficial do Estado. “Emanoel Araújo foi um ícone da cultura negra no Brasil. Artista, professor, pesquisador e gestor público de múltiplos talentos, Emanoel deu uma nova dinâmica à Pinacoteca de São Paulo e trabalhou durante toda sua vida pela valorização da história da arte afrodescendente brasileira e da arte africana”, destacou Garcia.

Quem também se manifestou foi Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado. “É uma imensa perda para a cultura brasileira. Emanoel criou o Museu Afro Brasil, que é a maior e mais importante instituição museológica da América Latina dedicada à arte africana e afro-brasileira. E doou ao Governo do Estado boa parte da sua coleção pessoal, um acervo fantástico com obras de grandes artistas. Seu talento, sua generosidade e sua capacidade de trabalho são marcantes”, comentou.

Mineração ilegal de ouro no Brasil cresceu 44% em 2021, diz estudo, FSP

 


RIO DE JANEIRO | AFP

A alta valorização do ouro no mercado internacional alimentou o crescimento da mineração ilegal no Brasil, em grande parte na Amazônia, de acordo com um estudo divulgado na terça-feira (6).

A mineração de ouro no Brasil, 14º maior produtor mundial do metal no ano passado, disparou desde que a pandemia de Covid levou os preços internacionais a níveis recordes.

Das 112 toneladas de ouro produzidas no Brasil em 2021, pelo menos 7% eram de origem ilegal e 25% de origem potencialmente ilegal, segundo estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

 garimpo na Terra Indígena Munduruku
Garimpo na Terra Indígena Munduruku, no Pará - Amazônia Real - 25.jul.2022/Amazon Watch

"De 2020 para 2021 houve um aumento de 44% na quantidade ilegal de ouro" produzida no país, afirma o estudo, que constata uma tendência similar nos primeiros seis meses de 2022.

Os altos preços estão alimentando a corrida pelo ouro na Amazônia brasileira, onde o desmatamento para mineração atingiu um recorde de 121 km² no ano passado, segundo o sistema de monitoramento por satélite do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

O estudo da UFMG revela que pelo menos 23% do desmatamento para mineração na Amazônia, bioma considerado fundamental para conter as mudanças climáticas, ocorre dentro de reservas indígenas, áreas de conservação ambiental e outras terras protegidas por lei.

Garimpeiros ligados ao crime organizado são acusados de inúmeros abusos em comunidades indígenas, incluindo envenenamento de rios com o mercúrio usado para separar ouro de sedimentos e, às vezes, ataques mortais a moradores.

O estudo indica que 98% da mineração ilegal de ouro no Brasil está concentrada em três municípios do norte do Pará, afetando principalmente terras indígenas dos povos Kayapó e Munduruku.

Junto à crescente pressão internacional enfrentada pelo governo de Jair Bolsonaro devido à destruição acelerada da Amazônia, procuradores federais entraram com recursos judiciais para exigir que o governo adote controles mais rigorosos para combater a mineração ilegal.

Os promotores avaliam que a mineração ilegal causou entre janeiro de 2021 e junho de 2022 um custo de R$ 39 bilhões em prejuízos socioambientais, segundo o estudo. Esse valor quase alcança o lucro total obtido com a venda de ouro no mesmo período, de R$ 44,6 bilhões.

Já os impostos arrecadados pelo governo com a mineração do ouro representam menos de 2% do valor dos prejuízos.

"Na Amazônia, a gente tem um prejuízo que é coletivizado, socializado e o lucro dessas operações se concentrando em poucos atores", afirmao engenheiro Bruno Manzolli, principal autor do estudo da UFMG.