segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Congresso avalia reduzir poder de governadores sobre PM e polícia civil, OESP

 Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

11 de janeiro de 2021 | 05h00

BRASÍLIA - O Congresso se prepara para votar dois projetos de lei orgânica das polícias civil e militar que restringem o poder de governadores sobre braços armados dos Estados e do Distrito Federal. As propostas trazem mudanças na estrutura das polícias, como a criação da patente de general, hoje exclusiva das Forças Armadas, para PMs, e de um Conselho Nacional de Polícia Civil ligado à União.

O novo modelo é defendido por aliados do governo no momento em que o presidente Jair Bolsonaro endurece o discurso da segurança pública para alavancar sua popularidade, na segunda metade do mandato.

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Nas polícias, pautas são vistas como defesa das corporações contra ação política Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Os projetos limitam o controle político dos governadores sobre as polícias ao prever mandato de dois anos para os comandantes-gerais e delegados-gerais e impor condições para que eles sejam exonerados antes do prazo. No caso da Polícia Militar, a sugestão é para que a nomeação do comandante saia de uma lista tríplice indicada pelos oficiais. O texto prevê que a destituição, por iniciativa do governador, seja “justificada e por motivo relevante devidamente comprovado”.

Na Polícia Civil, o delegado-geral poderá ser escolhido diretamente pelo governador entre aqueles de classe mais alta na carreira. A dispensa “fundamentada”, porém, precisa ser ratificada pela Assembleia Legislativa ou Câmara Distrital, em votação por maioria absoluta dos deputados.

Os textos foram obtidos pelo Estadão e esses mecanismos são vistos nas polícias como formas de defesa das corporações contra ingerência e perseguição política. Estudiosos do tema alertam, no entanto, que o excesso de autonomia administrativa e financeira – e até funcional, como proposto para as PMs – pode criar um projeto de poder paralelo. A avaliação é que, dessa forma, os governadores se tornam “reféns” dos comandantes.

O sociólogo Luis Flávio Sapori, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), considera que as propostas estão em “sintonia ideológica” com o governo Bolsonaro. “É um retrocesso o que está para ser votado no Congresso, e a sociedade brasileira não está sabendo. São acordos intramuros. O projeto está muito de acordo com a perspectiva do governo Bolsonaro: há um alinhamento ideológico claro pela maior militarização e maior autonomia das polícias militares em relação ao comando político”, disse Sapori.

Para o pesquisador, isso cria um problema grave em relação aos governadores, “uma autonomia política e administrativa absurdas”. “A PM se torna uma organização sem controle político e civil, mais próxima do modelo de Forças Armadas e afastada do cidadão. As PMs vão sendo dominadas por interesses corporativos, para ter ganhos, e se afastando da sociedade”, observou.

Simetria

A maior evidência disso, no diagnóstico de Sapori, é a proposta de criação de um novo patamar hierárquico, equivalente ao posto dos oficiais-generais, por “simetria” com o padrão das Forças Armadas. Haveria, assim, três níveis: o mais alto seria o tenente-general, seguido do major-general e do brigadeiro-general. Atualmente, a hierarquia das PMs vai até os oficiais-superiores; a patente no topo é a de coronel. Enquanto na Aeronáutica, no Exército e na Marinha, os comandantes são considerados generais, nas PMs e nos Corpos de Bombeiros eles são coronéis.

“Por mais relevantes e por mais que sejam instituições de Estado, e não de governo, as polícias são executoras de política pública e o governador precisa ter controle para definir as linhas e quem serão os gestores. A política não é Judiciário, nem Ministério Público. Mandato não vai resolver perseguição”, afirmou a advogada Isabel Figueiredo, consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-diretora de Ensino e Pesquisa na Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), órgão do Ministério da Justiça.

Uma das entidades consultadas para o projeto de lei, a Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais e do DF (Feneme) argumenta que a similaridade deve existir porque os policiais e os bombeiros militares constituem a força auxiliar e reserva do Exército. A legislação das polícias é de 1969 e, de acordo com a Feneme, as leis aprovadas nos Estados – sem uma padronização nacional – acabam desfigurando as polícias por “interesses particulares”.  A federação compara a situação dos militares estaduais à da advocacia, do Ministério Público e da magistratura, classes do sistema de Justiça que já possuem leis orgânicas.

Apesar da restrição da liberdade de escolha e de demissão sugerida, a entidade alega que os governadores não perdem autonomia sobre a PM, que continua vinculada aos Estados, e que não há no projeto de lei “nenhuma premissa ideológica ou partidária”.

Governo participa da discussão dos projetos

O Palácio do Planalto vem sendo consultado e chegou a dar sugestões para os projetos de lei orgânica desde a gestão do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Questionado sobre o apoio político aos projetos, o atual titular da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, disse que “os pontos de discussão encontram-se sob análise”.

O ministério confirmou ao Estadão que foram realizadas reuniões com conselhos nacionais, associações e sindicatos das polícias estaduais para discutir e receber sugestões ao texto.

Na eleição de 2018, Bolsonaro, que é capitão reformado do Exército, encampou o discurso de endurecimento na segurança pública e valorização de policiais, uma plataforma de campanha que também impulsionou a representação da classe no Legislativo.

No ano passado, um motim de PMs no Ceará expôs a politização latente pró-Bolsonaro entre policiais militares. O movimento grevista ilegal não foi condenado pelo presidente e ocorreu contra um governo de esquerda, de Camilo Santana (PT), que denunciou a “partidarização” nos batalhões. Em agosto, uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da empresa de inteligência digital Decode identificou que 41% dos praças das PMs interagiam em ambientes virtuais bolsonaristas no Facebook e 25% deles ecoavam ideias radicais.

Em dezembro de 2019, o Congresso aprovou uma proposta de reforma previdenciária para as Forças Armadas, de autoria do governo Bolsonaro, e equiparou as regras aos policiais e bombeiros militares estaduais, por lobby dos comandantes e da bancada da bala, os deputados eleitos pelo voto dos profissionais da segurança pública. A lei foi sancionada sem vetos por Bolsonaro.

No fim de 2020, o presidente também assinou, pelo segundo ano consecutivo, indulto de Natal que beneficia com o perdão da pena agentes de segurança condenados por crimes culposos – aqueles cometidos sem intenção. O presidente já fez outros acenos à categoria, como o reajuste em maio, durante a pandemia da covid-19, para as forças de segurança do DF, Amapá, Rondônia e Roraima, enquanto outros servidores teriam aumentos congelados. Além disso, virou “habitué” de formaturas de policiais egressos das academias e também costuma ir a velórios ou homenagear nas redes sociais policiais mortos.

Cor da farda e regra de promoção são impasses

Das duas leis orgânicas, o projeto mais adiantado politicamente é o das PMs. O texto vigente, porém, ainda não foi formalmente apresentado na Câmara.

O relator do projeto é o deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala no Congresso – que reúne cerca de 300 parlamentares – e aliado do governo. Havia acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para votá-lo ainda no ano passado, mas a pandemia e as eleições municipais adiaram a pauta. Além disso, falta consenso sobre boa parte das mudanças previstas, entre elas a padronização nacional de viaturas e uniformes.

Capitão Augusto admite que seu texto ainda deve passar por mudanças. O deputado apontou, por exemplo, a resistência da PM de Minas Gerais a adotar um fardamento padrão nacional diferente do atual, na cor cáqui, e a contrariedade da PM de São Paulo em exigir curso superior para ingresso na corporação.

Em algumas praças, há diferentes critérios de promoção e os PMs conseguiram benefícios no plano de carreira similares ao dos servidores estaduais. Se alterados por uma lei orgânica de alcance nacional, esse grupo poderia sair prejudicado.

“Está difícil chegar a consenso. Falta aparar algumas arestas para ter o texto pronto, mas, se não tiver consenso, vou pedir para pautar da mesma forma. A gente retira o que não tem acordo e aprova-se o resto”, disse Capitão Augusto. “Desde a Constituição, faz 32 anos que estamos aguardando uma lei orgânica básica.”


Gratuidade do transporte para idosos: o que diz a ciência?, FSP

 


Jorge Félix

Doutor em ciências sociais, é professor de gerontologia da USP, pesquisador da Fapesp e autor de ‘Economia da Longevidade’ (ed. 106 Ideias)

A ciência tem sido destacada pelo governador João Doria e pelo prefeito Bruno Covas como condição imprescindível para a tomada de decisões na pandemia em São Paulo.

Causa estranheza, portanto, a falta de sustentação científica para a adoção de outras medidas no campo da saúde, como a revogação da lei que concedia gratuidade de transporte coletivo para idosos a partir dos 60 anos na capital paulista.

O ato provocou indignação porque foi um tema ausente na campanha eleitoral, estava embrenhado nas letras legislativas, de maneira proposital, para impedir o debate democrático e tem justificativas “falaciosas”, como definiu a associação dos membros do Ministério Público.

Política à parte, a intenção aqui é abordar, do ponto de vista científico, como há um descompasso com o debate global mais contemporâneo e denunciar o desconhecimento dos desafios de uma sociedade envelhecida, na qual o Brasil deve se espelhar em nome do bem-estar de sua população.

O maior sinal vem de figuras públicas, em redes sociais, questionando se é correto “considerar idosa uma pessoa de 60 anos”. Além de claro idosismo (preconceito), deve-se concluir que esses gestores acreditam que políticas públicas para o envelhecimento devem ser adotadas apenas para a população idosa, ignorando as ações preventivas recomendadas pela ciência. Nesse aspecto, é consensual em literatura de renomadas revistas científicas a defesa da gratuidade aos 60 anos como relevante ação de saúde preventiva.

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Estudos provaram efeitos benéficos para a prevenção de problemas mentais, no combate à depressão, à solidão e a doenças cardíacas devido ao potencial psicológico de o idoso estar no domínio sobre seu direito de ir e vir. Os resultados são colhidos nos cofres do serviço público de saúde. Londres adota a gratuidade aos 60 anos, embora o marco legal de idoso nos países ricos seja de 65 anos. A ONU acaba de dedicar esta década ao envelhecimento saudável. No item 11 de suas orientações, a acessibilidade ao transporte é primordial para a saúde.

Já a Comissão Europeia recomendou, em 2012, no projeto “Growing Older and Staying Mobile”, um esforço dos países em direção à gratuidade inglesa. Há sempre possibilidade de limitar horários ou subsidiar as linhas de ônibus mais frequentes para, por exemplo, hospitais. Ou seja, existem alternativas. A Organização Mundial da Saúde referenda esse esforço. Soa paradoxal seguir a OMS na pandemia e ignorá-la na questão da acessibilidade.

heterogeneidade da população idosa, lição número um em políticas públicas para o envelhecimento, foi ignorada. Há várias velhices. O fim da gratuidade penaliza um grupo que já está num limbo da proteção social. O envelhecimento ativo para os mais pobres —com menos educação, periféricos, quase todos pretos e entre 60 e 64 anos— deixou de ser meta e virou obrigação.

Eles não têm emprego e aposentadoria —porque trabalharam informalmente— nem são elegíveis para a assistência social. São os que mais usam a gratuidade e o destino principal, segundo o Metrô de São Paulo, que é o trabalho. Muitas vezes toda a família depende apenas dessa renda. E todos dependem da ciência