quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Doria anuncia capitalização da Sabesp e ações caem mais de 10%, FSP

 Júlia Moura

SÃO PAULO

O governador do estado de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou nesta quarta-feira (19) a capitalização, aumento de capital social, da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).

"A decisão do governo do estado de São Paulo é fazer a capitalização da Sabesp na primeira etapa. A empresa vai voltar a um programa de capitalização e, a partir de agosto, vai prestar serviços a outros estados brasileiros, disputando concessões na área de saneamento, no tratamento e distribuição de água, e também no tratamento do lixo", disse Doria em evento do Santander.

Garçom serve água filtrada de graça no restaurante
Garçom serve água filtrada da Sabesp de graça no restaurante The Fire steackhouse, em Guarulhos; a empresa paulista pretende prestar serviços em ouros estados - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Após a declaração do governador, as ações da companhia na Bolsa de Valores brasileira caíram 10,7% e entraram em leilão. No leilão, a ação segue negociada, mas sai de pregão por um curto período devido a bruscas oscilações de preço. No fechamento, reduziram a queda para 5%, a R$ 52,75.

"A aprovação do novo marco regulatório do saneamento básico era um movimento propício para dar início ao processo de privatização da Sabesp. Mas, com o anúncio da capitalização, primeiro a empresa vai crescer para depois viabilizar a privatização, se é que vai viabilizar, e essa mudança de perspectiva levou à queda das ações", diz Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos.

A Sabesp é uma empresa de capital misto, tendo o estado de São Paulo como principal acionista (50,26% das ações). Investidores esperavam a privatização da empresa na gestão Doria, o que a levou a se valorizar cerca de 60% na Bolsa desde 2019.

Agora, com a capitalização como primeira etapa, o mercado vê dificuldade em uma privatização antes de 2022. Ambos os processos tomam tempo e a privatização também traria um grande custo político.

“A capitalização traz, a princípio, menos vantagem que a privatização e ambos são modelos complexos, que levam tempo para ser maturados”, diz Ilan Abertman, analista da Ativa Investimentos.

O processo de capitalização da Sabesp é planejado desde o governo de Geraldo Alckmin (PSDB), com a lei para reorganização societária da companhia aprovada em 2017.

No governo Doria, estavam em estudo a privatização e a capitalização, com a última sendo considerada como mais viável no primeiro momento, mas, com o novo marco regulatório do saneamento básico, o mercado esperava a privatização sem a capitalização.

aumento de capital pela criação de uma holding que controlaria a Sabesp foi aprovado em 2018 pelo conselho da empresa, com o objetivo de captar R$ 5 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões iriam para o o estado e R$ 1 bilhão para a empresa.

Segundo secretário de Fazenda e Planejamento do governo do estado, Henrique Meirelles, a eventual privatização da Sabesp poderia render ao governo estadual ao menos R$ 10 bilhões.

Doria não deu detalhes da operação nesta quarta, mas disse que a capitalização será divulgada em breve junto ao presidente da Sabesp, Benedito Braga.

Em nota, a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do estado de São Paulo disse que a privatização da empresa ainda está nos planos e que a Sabesp busca se posicionar frente ao novo marco do saneamento "que trouxe oportunidades que permitem à empresa ampliar sua atuação no mercado de saneamento e também investir em novos negócios, como o tratamento de resíduos e a geração de energia".

"A Sabesp ainda fortaleceu os contratos de programas com 375 municípios do estado de São Paulo com vistas à universalização. Tais ações permitiram o crescimento, a qualificação e o fortalecimento da empresa, de modo a prepará-la para as melhores soluções que ainda serão definidas pelo governo, incluindo a privatização".

Fernando Schüler - Governo sabe que a reforma não rende votos, mas ela é sua melhor chance de deixar um legado, FSP

 O documento lançado por um grupo de economistas, no início da semana, defendendo o teto de gastos e propondo “rebaixar o piso”, ou seja, reformas capazes de preservar e aprimorar o edifício de estabilização fiscal construído pelo país nos últimos anos, deveria ser lido e relido, em Brasília.

O argumento diz que, dada a atual trajetória fiscal, a preservação do teto de gastos é insustentável. O gasto obrigatório sobe a uma taxa superior à inflação, e tornará inviável o custeio da máquina pública logo ali adiante.

O mercado já precifica o problema. O sistema político é mais lento e aprecia um exercício de autoengano. Governo à frente. É pura ilusão pensar em um programa robusto de transferência de renda e uma agenda crível de investimento público sem encarar os temas difíceis do ajuste fiscal.

O problema é o governo se decidir a enviar ao Congresso a reforma administrativa. O tema está maduro. A pandemia escancarou a desigualdade entre o mundo protegido do alto funcionalismo público e o universo precário do emprego privado, que pagou sozinho a conta da debacle econômica.

As razões da reforma são autoevidentes. O Brasil gasta 13,5% do PIB com servidores e entrega serviços públicos de baixa qualidade. Sendo seus usuários fundamentalmente os mais pobres, a ineficiência do Estado funciona como um motor das desigualdades no país.

Resolver isso supõe um longo caminho de reformas e ninguém imagina que elas serão feitas na atual gestão federal. O que se espera é que o governo tenha a coragem de dar o primeiro passo. Em duas direções.

A primeira trata do RH do governo. Revisão das carreiras públicas, redução dos salários iniciais, flexibilização dos modelos de contratação, avaliação de desempenho e possibilidade de redução de jornada e vencimentos em situações de risco fiscal.

O segundo caminho distingue funções de Estado e serviços públicos concorrenciais (que vão da saúde até a gestão de parques). Diz que o governo deve se concentrar nas tarefas de regulação e deixar à sociedade e ao mercado a execução de serviços. Enquanto isto não andar, a ideia de melhorar a qualidade da entrega pública não passará muito de retórica.

Há sinais positivos no horizonte. Sou da época em que ainda se imaginava que o governo devia administrar aeroportos por se tratar de um setor estratégico. Hoje, precisamente por se reconhecer que eles são estratégicos chegou-se à conclusão de que o governo e sua burocracia não devem administrá-los.

A reforma é politicamente viável. Previsível seria vermos o chefe do Executivo pressionando o Parlamento a fazer a reforma, mas o que temos é o contrário. Rodrigo Maia “tentando convencer” o presidente a enviar o projeto.

O governo amplia sua base no Congresso e há uma frente parlamentar robusta tratando do tema. Quem patina é o governo. Em parte por falta de convicção, em parte por saber que o assunto lhe renderá mais uma montanha de detratores e nenhum voto.

Salim Mattar escreveu que o “establishment” feito de sindicatos, políticos e fornecedores forma uma barreira às privatizações. A pergunta é: algum dia foi diferente? As corporações sempre estiveram aí e a inércia do setor público sempre foi a mesma. Apesar disso reformas importantes foram feitas no passado recente.

O atual governo iniciou dizendo que encerraria o ciclo de governos social-democratas e faria tudo diferente. Talvez tenha acreditado no mito de que foi fácil fazer as privatizações dos anos 1990, que os leilões da Vale ou Embraer foram um passeio, o mesmo valendo para a reforma do Estado.

É bom que tenham descoberto que as coisas são mais difíceis, no Brasil, e que talvez a reforma administrativa seja a sua melhor chance, talvez a última, de deixar um legado.

Do contrário, nossos liberais-conservadores terão que reconhecer que, mesmo no terreno que propuseram como seu, fizeram pior do que os sociais-democratas dos anos 1990, cujo legado de reformas ainda é o melhor ponto de partida para as mudanças que o país precisa fazer.​

Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.