quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Isolamento despenca, enquanto sobe otimismo com a pandemia, mostra Datafolha, FSP

 O número de brasileiros que se dizem em total isolamento ou que só saem de casa quando é inevitável vem caindo e atingiu o menor índice em agosto, apesar do número de mortes diárias pela Covid-19 não arrefecer, mostra pesquisa Datafolha.

Em 17 de abril, dia em que foram confirmadas 210 mortes pela Covid-19 no país, 21% dos brasileiros se diziam em isolamento completo e 50% diziam que só saíam de casa quando era inevitável. Em 11 de agosto, quando foram confirmadas 1.274 mortes, o total de brasileiros que se diziam em isolamento total foi de 8%, enquanto a taxa de pessoas que diziam evitar sair foi de 43%.

Apesar de a pandemia estar em fases diferentes em diferentes regiões no país —com o número de novos casos e mortes em queda no Norte e em aceleração no Sul e no Centro-Oeste— os brasileiros têm se comportado de maneira similar em todo o país, variando pouco além da margem de erro, independentemente da região, na pesquisa Datafolha.

São mais cuidadosos os idosos (considerados grupo de risco), as mulheres e os mais pobres —enquanto 11% de quem ganha até dois salários mínimos se disseram em isolamento total, essa taxa cai para 2% entre os que ganham mais que dez salários.

Há diferença também entre quem apoia ou não o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), que desde o começo da pandemia tem minimizado os efeitos da Covid-19. Cerca de 55% de seus críticos se dizem totalmente isolados ou que só saem de casa quando é inevitável, número que cai para 41% entre seus apoiadores.

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O infectologista Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, afirma que o relaxamento da quarentena se dá pelo que ele chama de propaganda feita por políticos de que a contaminação está controlada. A redução do isolamento acompanha o relaxamento das medidas restritivas, como fechamento de comércio e serviços, que haviam sido impostas em março e abril.

"Se podemos abrir bares, academias, cinemas, escolas, há uma noção de que a pandemia está sob controle", diz. "A população não sai às ruas por desacreditar, por achar que não será contaminada. Sai porque há uma sinalização oficial de que a pandemia já está acabando."

"Quando atingimos 100 mil mortos, deveríamos ter revisto todo o plano epidemiológico que foi feito no Brasil. Mas, não, estamos caminhando para 110 mil mortos e chegaremos a 200 mil em outubro, e está tudo bem", diz.

Seu colega Paulo Lotufo, também infectologista, diz que o número de isolados aferido pelo Datafolha lhe surpreende, por considerá-lo ainda alto. Um número menor de isolados, no entanto, deve causar impacto e refletir em um aumento do número diário de mortes, diz o professor.

O psicanalista e professor da USP Christian Dunker analisa o fenômeno de outra maneira. Segundo ele, primeiro houve um momento de medo, com a chegada do novo coronavírus ao Brasil, "o que ajuda muito as pessoas a fazerem sacrifício", diz. Depois, vieram fases de confusão e monotonia.

Agora, a população chega a uma etapa em que faz cálculos para assumir determinados riscos. Há um gradiente de riscos que exige um trabalho psíquico", afirma.

"A capacidade da gente fazer sacrifícios psíquicos não é ilimitada. A gente faz sacrifícios, mas precisa de a) ter claro em nome de que esse sacrifício está sendo feito; b) por quanto tempo ele será feito. À medida que começa a ficar muito indefinido, isso interfere na nossa capacidade de manter privações e fazer sacrifícios", diz Dunker.

Com o passar do tempo, os brasileiros têm se sentido mais otimistas e pela primeira vez há mais pessoas acreditando que a pandemia está melhorando do que piorando no país, mostra ainda a pesquisa Datafolha. Essa é a opinião de 46% da população em agosto —no fim de junho, 28% haviam dado essa resposta.

Também neste caso, o otimismo é alavancado por homens (55% acreditam que a situação está melhorando) e apoiadores do governo (61% dos que avaliam a gestão Bolsonaro como ótima ou boa). Do outro lado, a situação está piorando na visão de mulheres (50%) e quem avalia o governo como ruim ou péssimo (59%).

Conforme a Folha mostrou no último fim de semana, para 47% da população o presidente da República não tem nenhuma culpa pelas mais de 100 mil mortes pela Covid que aconteceram no país.

Apesar do otimismo, bateu recorde também a avaliação de que os brasileiros deveriam se preocupar mais com a pandemia no país, chegando a 61% dos entrevistados.

O Datafolha ouviu 2.065 pessoas de todo o país nos dias 11 e 12 de agosto por telefone, modelo que evita o contato pessoal entre pesquisadores e entrevistados e exige questionários mais rápidos.

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terça-feira, 18 de agosto de 2020

‘Remover Deltan Dallagnol é punir todo o Ministério Público’, Frederico Vasconcelos

 Frederico Vasconcelos

Sob o título “Punir todo o Ministério Público é prejudicar a sociedade”, o artigo a seguir é de autoria de Maria Tereza Sadek, cientista política, e Roberto Livianu, procurador de Justiça. (*)

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Hoje quem defende o governo é a advocacia pública. O Ministério Público cumpre o nobre papel de defender a sociedade, inclusive processando o Estado, se for preciso. A Constituição entregou-lhe a responsabilidade de defender a ordem jurídica e o regime democrático.

A Carta de 88 desenhou um MP robusto, garantindo-lhe independência funcional, como afirmou de forma categórica o ministro Fachin do STF, ao negar recentemente acesso à universalidade da base de dados da Força-Tarefa da Lava Jato em pedido considerado indevido feito pelo PGR.

E esta garantia foi concebida para proteger a democracia e a própria sociedade, destinatária do trabalho do MP, de ingerências de poderosos que pudessem pretender colocar em xeque o trabalho feito pelo MP. A independência foi concebida para blindar a instituição desses ataques, contrários ao interesse público.

A inamovibilidade, que igualmente existe na magistratura, tem a mesma razão de ser. Por que é socialmente importante termos membros do MP inamovíveis? Para que o compromisso, a eficiência e a continuidade do trabalho falem mais alto e a supremacia do bem comum prevaleça. Para que nenhum murro na mesa dado por “coronel” seja mais forte que as regras em vigor.

Mas tudo isto corre sério risco nesta terça em Brasília, quando Deltan Dallagnol estiver sendo submetido a julgamento pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Não por ter cometido qualquer desvio de conduta, descumprindo deveres funcionais. Não se trata de questões inerentes aos valores recuperados dos desvios no Caso Petrobrás, porque já houve exame do assunto e o CNMP arquivou.

Isentou-o de qualquer responsabilidade. E arquivou também porque o objeto do acordo era a reparação de danos morais difusos sofridos pela sociedade, e não, ressarcimento ao erário puro e simples como alegam alguns. Porque nem Deltan nem membro algum do MPF seria gestor dos recursos.

Também não se trata de tema relativo a palestras remuneradas dadas pelo procurador Deltan, em relação às quais grande parte dos valores foi objeto de doações, vez que o CNMP já as considerou legítimas.

Trata-se da única acusação que sobrou: que ele teria cometido infração de opinião, por criticar (o que sequer caracterizaria calúnia, injúria ou difamação). Isto que leva a senadora Kátia Abreu, investigada pela Lava Jato, a exigir, com faca entre os dentes, seja ele removido compulsoriamente da Coordenação da Força-Tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba.

Trata-se também da pressão que diversos senadores vêm fazendo, há tempos, para que o CNMP puna Deltan Dallagnol, a qualquer preço. Lembrando que cabe ao Senado aprovar as escolhas dos nomes dos indicados para o CNMP e, sem qualquer motivo explicitado, rejeitou em 2019 a recondução dos nomes dos promotores de Justiça Lauro Nogueira do MPGO e Dermeval Farias do MPDFT, de trajetórias exemplares no Ministério Público, indicados pelo CNPG, vagas há quase um ano não preenchidas.

Na verdade, amanhã quem estará sentado no banco dos réus no CNMP será todo o Ministério Público brasileiro. Punir o MP todo significa punir e prejudicar indevidamente a toda a sociedade. E atingir a todo o sistema investigatório anticorrupção, em virtude de uma crítica pública – algo que deveria ser normal em uma democracia consolidada.

Nunca em nossa história o CNMP removeu um membro do Ministério Público compulsoriamente de seu cargo, em virtude do exercício de seu direito constitucional de manifestação, que no caso concreto muito razoavelmente pode ser compreendida no exercício de liberdade pública garantida pela Constituição.

No caso em foco, quem pede a providência é integrante do Senado, investigado por corrupção pelo MP, na maior jornada anticorrupção da história do Brasil, reconhecida internacionalmente por diversos experts independentes. Que atingiu patamares de recuperação de ativos da ordem 1/3, inédito no mundo.

Direito é, antes de tudo, razoabilidade, proporcionalidade e bom senso. E proteção diuturna aos cânones democráticos. Deve-se observar a toda a floresta. Não basta olhar para uma única árvore. Será que a hipótese de afastar cautelarmente não seria punir por seus méritos, sob pretexto de faltas nunca comprovadas? Por que tanto açodamento, estando vagos três dos assentos do Conselho?

Que Deltan ou qualquer outro membro do Ministério Público sejam punidos sim, após o devido processo legal, permitindo-lhes o exercício pleno da ampla defesa, se houver falta funcional que demande punição. E que a punição, se for o caso, seja proporcional à falta eventualmente cometida.

É fundamental que o CNMP, ao julgar, leve em conta tudo o que está em jogo. Que não se permita jamais que o Conselho seja transformado palco de vinganças contra o MP e contra os (corajosos) membros do MP que ousam enfrentar a corrupção. Que falem mais alto os ditames constitucionais e o interesse público.

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Maria Tereza Sadek é cientista Política, doutora pela USP, professora e pesquisadora

Roberto Livianu é procurador de Justiça, doutor em direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção