segunda-feira, 17 de agosto de 2020

‘Namoro’ entre militares americanos e brasileiros pode envolver centro de Alcântara, Salvador Nogueira, FSP

 

“Eu acho que algum deputado deveria começar a perguntar sobre isso”, disse um amigo muito bem informado sobre o setor espacial. Ele se referia a uma conversa cada vez mais expansiva entre militares americanos e brasileiros no ramo das atividades espaciais.

Começam a se cristalizar intenções e interesses que até alguns anos atrás estariam na lista dos disparates. Mas partamos do início: após anos de ensaios, Brasil e Estados Unidos assinaram o acordo de salvaguardas tecnológicas que viabilizava o lançamento de foguetes e satélites fabricados nos EUA a partir do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão.

A iniciativa era mais que boa. O acordo, promulgado em novembro de 2019, era o primeiro passo para viabilizar a exploração comercial do centro, uma vez que 70% dos satélites comerciais contêm algum componente americano.

Ocorre que não basta ter o acordo; é preciso ter os serviços de lançamento. Para tanto, a Agência Espacial Brasileira lançou em maio deste ano um edital em que empresas poderiam manifestar seu interesse em desenvolver atividades no centro. Foi uma iniciativa, mais uma vez, na direção correta, mas em processo cheio de vícios, promovido em desacordo com a praxe e envolvendo documentação vaga e sumária.

Em compensação, as conversas entre militares dos dois países parecem mais focadas e produtivas, embora distantes do olhar público. Aconteceu, em quatro sessões virtuais realizadas nos dias 4, 6, 11 e 13 de agosto, uma série de conversações de engajamento promovidas pela Força Espacial americana, envolvendo representantes, pelo lado brasileiro, do Ministério da Defesa, da Força Aérea Brasileira e da Agência Espacial Brasileira; e, pelo lado americano, da Embaixada dos EUA no Brasil, do Comando Sul dos EUA, da Força Espacial dos EUA e do Comando Espacial dos EUA, dentre outros.

“As conversas forneceram um fórum para promover objetivos dos EUA e do Brasil no desenvolvimento de capacidades espaciais em suporte a operações espaciais combinadas”, disse, em nota, o Comando Sul dos EUA.

Até aí, de novo, nada demais. Surpresa seria se militares americanos e brasileiros não estivessem namorando, dada a afinidade passional no escalão superior de ambos os governos. Mas tenha em mente que a Força Espacial também acabou de publicar sua “doutrina”, um documento chamado “Spacepower”, que destaca a importância de acesso rápido ao domínio espacial, envolvendo múltiplas localidades e plataformas de lançamento.

E aí tem o fato de que não foi uma ou duas vezes que militares americanos chegaram a perguntar a brasileiros sobre a possibilidade de lançamento de foguetes de resposta rápida a partir de Alcântara.

Parcerias entre Brasil e EUA no setor espacial são mais que bem-vindas. Mas é importante que estejam voltadas para fins pacíficos e, preferencialmente, em nível civil. A última coisa que nosso país pode querer agora é projetar um neoimperialismo tupiniquim sobre a América Latina, sobretudo como mera linha auxiliar de outra nação.

Talvez algum deputado devesse mesmo começar a perguntar a respeito.

Marcia Dessen -O leão está afiando as garras, FSP

 Tem uma reforma tributária vindo por aí. Ainda não sabemos o que será criado ou alterado, mas podemos apostar que mudanças virão. A ideia da reforma é simplificar um dos sistemas tributários mais complexos do mundo e torná-lo mais justo, adotando um modelo que tributa mais os ricos com impostos sobre renda e patrimônio e menos o trabalho e o consumo.

Os impostos sobre o consumo incidem sobre mercadorias e serviços, atingindo, sem distinção, toda a população, sem diferença de classe ou nível de renda. Pobres, classe média, ricos e muito ricos pagam o mesmo tributo sobre produtos e serviços que consomem.

No Brasil, 50% da arrecadação total incide sobre o consumo, e apenas 21%, sobre a renda. Nos Estados Unidos, cerca de 15% vêm do consumo, e 50%, de impostos sobre a renda.

A proposta do governo, ainda no discurso, não é aumentar a já elevada carga tributária, mas cobrar de forma mais justa, ampliando a mordida sobre os que podem pagar mais, oferecendo, em contrapartida, redução de impostos que possam gerar aumento de emprego e de competitividade.

Resumidamente, as propostas visam: a) atualizar a tabela progressiva do imposto sobre a renda da pessoa física, a fim de ampliar o limite de isenção; b) estabelecer a incidência do imposto sobre dividendos; c) reduzir ou extinguir a dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio; e d) reduzir proporcionalmente a alíquota do IRPJ para compensar as alterações.

A proposta que atinge fortemente os mais ricos estabelece a tributação, exclusivamente na fonte, de lucros ou dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas, atualmente isentos. Para compensar, a alíquota do IRPJ seria reduzida proporcionalmente, sem onerar a carga tributária como um todo.

Empresários e acionistas, com participações societárias importantes, têm cerca de quatro meses para, cercados de advogados, avaliar os impactos e traçar estratégias no sentido de reduzir os efeitos da provável incidência a partir de 2021.

O ITCMD é outro imposto que está sendo objeto de estudos e propostas que sugerem alteração na competência do tributo, de estadual para federal, e aumento nas alíquotas, com impacto na sucessão patrimonial feita mediante doação ou transmissão de bens por causa mortis, no inventário dos bens para distribuição aos herdeiros.

Atualmente, o governo federal estabelece o teto de 8%, e cada estado define a alíquota e eventuais isenções. Quebrados, precisando desesperadamente de recursos, os estados dificilmente deixarão passar a oportunidade de majorar as alíquotas.

É possível também que haja equalização na incidência do tributo sobre recursos obtidos em produtos de previdência complementar. Atualmente, alguns estados recolhem ITCMD quando transmitidos aos beneficiários dos planos. A isenção para os contribuintes do estado de São Paulo, por exemplo, pode deixar de existir, como já acontece em Minas Gerais, Paraná, Goiás, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, entre outros.

Há controvérsias, e, embora alguns advogados sejam contrários à admissibilidade da incidência sobre os planos de previdência, advertem que há espaço para cobrança do imposto, especialmente quando configura desvio de finalidade.

Os fundos fechados, típicos nas grandes fortunas e atualmente isentos da antecipação do Imposto de Renda via come-cotas, continuam na mira da Receita Federal. O instrumento oferece vários atributos na sucessão patrimonial e tende a ser mantido apesar do novo pedágio, caso seja aprovado.

Marcia Dessen

Planejadora financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro”.

Celso Rocha de Barros - Na falta de golpe, Bolsonaro teve que trabalhar para pobre, FSP

Enquanto o golpe não voltar ao cardápio, não vai ter jeito: Bolsonaro vai ter que dar uma trabalhada pelos pobres, justo ele, que nunca gostou, nem de pobre, nem de trabalhar.

Para pensar os dilemas atuais do bolsonarismo, pode ser útil ler um ótimo livro que saiu recentemente nos Estados Unidos, “Let Them Eat Tweets”, dos cientistas políticos Jacob Hecker e Paul Pierson. O título —“Que Comam Tweets”— é uma brincadeira com o “Que comam brioches”, atribuído a Maria Antonieta.

A ideia é que, em vez de fazer concessões materiais aos pobres como a direita moderada, “populistas plutocráticos” como Donald Trump tentam satisfazer o eleitorado pobre com conservadorismo moral, racismo, homofobia e teorias da conspiração, enquanto dão aos ricos os cortes de impostos insustentáveis que eles querem.

Se isso não funcionar para sempre, há o risco de os conservadores se voltarem contra a democracia, como vem ocorrendo nos esforços para enviesar ainda mais o sistema norte-americano a favor de áreas de predomínio branco.

O interessante na comparação com o caso brasileiro é que o plano “A” de Bolsonaro já era o ataque à democracia. Os pobres que se divertissem com o conservadorismo por alguns meses, depois do golpe eles perderiam o direito ao voto e ninguém nunca mais voltaria a ouvir falar deles.

A falta de interesse de Bolsonaro pelos pobres chegava a ser chocante. É difícil achar um político brasileiro, nos últimos 15 anos, que tenha manifestado tanto desprezo pela ideia de dar dinheiro aos pobres.

Durante a campanha de 2018, por exemplo, alguém enfiou em seu programa de governo uma proposta de renda mínima. Informado pela imprensa, Bolsonaro compartilhou a notícia no Twitter com o comentário: “Meu Deus KKKKKKKKK é inacreditável”.

Carlos Bolsonaro defendeu que mulheres que recebessem o Bolsa Família deveriam ser obrigadas a fazer laqueadura. Faz pouco tempo, Bolsonaro tentou gastar recursos do Bolsa Família com publicidade oficial.

Mas, no primeiro semestre de 2020, Bolsonaro tentou o autogolpe e fracassou.

Desde então, canta “Lula Lá” e se agarra aos R$ 600 que o Congresso o obrigou a pagar aos pobres brasileiros. Bolsonaro odeia pagar os R$ 600. Não queria pagar nada, aceitou pagar R$ 200, o Congresso o obrigou a pagar R$ 600. Sua função foi só organizar a fila do auxílio na Caixa Econômica Federal, o que fez com a habitual incompetência.

Podemos apostar, nesse cenário, que o populismo plutocrático de Bolsonaro/Guedes vai dar lugar a um populismo “puro-sangue” de conservadorismo moral e intervencionismo econômico? É um cenário possível.

Afinal, o lado “liberal” do projeto bolsonarista vai muito mal. Desde que Guedes virou ministro da Economia, o Brasil privatizou o mesmo número de empresas que a Coreia do Norte.

Os novos gastos com os militares vão pesar no fiscal até alguém ter coragem de mexer com eles. Os pobres podem não saber que foi o Congresso que concedeu os R$ 600, mas os ricos sabem que foi Rodrigo Maia quem reformou a Previdência. A equipe de Guedes se desfaz diante de nossos olhos.

De qualquer jeito, o populismo plutocrático de Bolsonaro e Guedes está em crise. Se o bolsonarismo pós-Guedes der errado, podemos ter uma crise econômica terrível. Se der certo, o golpismo pode voltar a qualquer momento. O equilíbrio promete ser difícil.