domingo, 2 de agosto de 2020

Hélio Schwartsman A catástrofe, FSP

Richard Horton é o editor-chefe do periódico médico britânico “The Lancet”, no qual foram publicados alguns dos mais importantes estudos sobre a Covid-19. Se há alguém que acompanhou de perto e em detalhe o surgimento e a evolução da pandemia, é ele. É dessa posição privilegiada que ele escreveu “The Covid-19 Catastrophe”, um dos primeiros “instant books” sobre a epidemia.

A principal vantagem desse tipo de obra é que ajuda a organizar o caos. Se o jornalismo é o primeiro rascunho da história, os “instant books” são sua versão ampliada e passada a limpo. Oferecem um relato mais ordenado e holístico de eventos ainda em andamento.

Para Horton, o mundo falhou, daí o termo “catástrofe” que consta do título do livro. Os riscos de uma pandemia viral são conhecidos pelo menos desde os anos 80, com a eclosão da Aids. Ainda assim, fizemos pouco para aprimorar a vigilância epidemiológica, que, para funcionar, precisa ser uma iniciativa global e não de nações isoladas.

Capa de "The Covid-19 Catastrophe", de Richard Horton
Capa de "The Covid-19 Catastrophe", de Richard Horton - Reprodução

E, se o mundo inteiro errou, o fracasso é ainda mais vexaminoso para alguns países ricos, normalmente funcionais e cientificamente avançados, como os EUA e o Reino Unido. Eles tiveram o privilégio de observar antes o que aconteceu na China e em algumas regiões da Europa e, ainda assim, preferiram não acreditar no que estava por vir e não se prepararam adequadamente para enfrentar a doença.

Horton tenta encontrar as razões para tantas falhas e apontar caminhos para melhorarmos. Nada de revolucionário, apenas mudanças de bom senso.

O ponto fraco de livros instantâneos reside justamente no fato de que os acontecimentos ainda estão em curso. Horton entregou os originais no fim de maio e há coisas no livro que já ficaram velhas. Seja como for, até que a Covid-19 se torne oficialmente um evento pretérito e objeto de estudo de historiadores, obras como a de Horton é com o que de melhor podemos contar.

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Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Governo aperta cerco a tributação via apps e marketplaces, FSP

SÃO PAULO

O projeto de reforma tributária do Ministério da Economia, que acaba com o PIS/Cofins e cria a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), responsabiliza plataformas de comércio eletrônico pelo recolhimento do tributo.

Em outras palavras, aplicativos de compras, inclusive os de alimentos, e os marketplaces, que têm crescido durante a pandemia, ganham a responsabilidade de recolher o novo tributo de terceiros.

Nas regras atuais, não existe uma definição clara do papel dessas plataformas digitais e a iniciativa do governo já causa controvérsias.

Na exposição de motivos do projeto, o Ministério da Economia diz que a nova regra segue as recomendações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para adequação do sistema de tributação do consumo à economia digital.

Alcolumbre abraça Luiz Eduardo Ramos (de costas) e Paulo Guedes ao receber reforma da PIS/Cofins - Pedro França - 21.jul.2020/Agência Senado

Ana Cláudia Akie Utumi, sócia-fundadora de Utumi Advogados, diz que já há decisões judiciais no Brasil que responsabilizam as plataformas pelo recolhimento de tributos e que há uma tendência internacional de tentar transferir essa responsabilidade.

"Não é uma coisa só brasileira. A OCDE, há algumas semanas, soltou uma publicação falando da importância de as plataformas digitais compartilharem informações com os fiscos, para que eles tenham mecanismos melhores de fiscalização e responsabilização", afirma a tributarista.

Segundo a advogada, a medida gera uma série de complicações para essas empresas. Em especial, no caso das importações, pois os intermediários terão de reter antecipadamente parte do dinheiro da venda para garantir o pagamento do tributo. Além disso, terão de acompanhar a logística da importação, para recolher a CBS no momento em que houver o desembaraço aduaneiro no Brasil.

"É uma medida pesada, porque obriga essa plataforma a ser um fiscal, uma extensão da Receita Federal. Por outro lado, há uma tendência internacional nesse sentido", diz.

Para alguns advogados tributaristas, a proposta do governo fere o CTN (Código Tributário Nacional) e deve ser revista pelo Congresso ou mesmo questionada no Judiciário.

De acordo com o projeto, as plataformas digitais serão responsáveis pelo recolhimento da CBS sobre a operação realizada por seu intermédio, nas hipóteses "em que a pessoa jurídica vendedora não registre a operação mediante a emissão de documento fiscal eletrônico".

No dia em que o projeto foi divulgado, o Ministério da Economia informou que essa responsabilidade se aplicaria a "plataformas de vendas entre pessoas físicas", mas o texto enviado ao Legislativo acabou por tratar apenas de pessoas jurídicas.

Para a Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), isso afeta principalmente microempreendedores individuais (MEI). A venda de produtos usados por empresas também seria tributada.

Outro ponto polêmico é que o governo abriu quatro exceções, tirando a responsabilidade de plataformas de fornecimento de acesso à internet, processamento de pagamentos, publicidade ou procura de fornecedores, desde que não cobrem pelo serviço com base na venda realizada.

Para não ter responsabilidade, a empresa só pode realizar uma das quatro atividades. Se realizar duas delas, já seria responsabilizada pelo recolhimento do tributo de terceiros, segundo a Abcomm.

O diretor jurídico da entidade, Guilherme Henrique Martins Santos, diz que plataformas que publicam anúncios e cobram taxa por eles vão ser enquadradas na lei, mesmo que não façam a intermediação do pagamento pela venda.

"Miraram no MEI, mas parece que acertaram um pouco além. Aquele pequeno empresário que vive de plataformas eletrônicas vai ser onerado. É evidente que as grandes empresas de marketplace vão ter de repassar esse custo. Isso vai ser um estímulo à informalidade", afirma Santos.

Ainda segundo o texto da norma, na importação feita por pessoa física, os fornecedores estrangeiros e plataformas digitais também ficam responsáveis pelo recolhimento da CBS. Para isso, precisam fazer cadastro simplificado via internet na Receita Federal. Está mantida a isenção para remessa sem valor comercial ou pequenas encomendas de pessoa física.

Patricia Azevedo, advogada tributária do Kincaid | Mendes Vianna Advogados, afirma que essa mudança não pode ser feita por projeto de lei ordinária, que é o caso da proposta do governo, pois contradiz o Código Tributário Nacional. Seria necessário outro projeto, de lei complementar, que precisa de maioria absoluta para ser aprovado (41 senadores e 257 deputados).

"A norma está extrapolando a competência dela. Esse formato de lei não se presta para estabelecer esse tipo de responsabilidade", afirma Azevedo.

Ela diz também que a regra prejudica pessoas que utilizam o comércio eletrônico para viabilizar pequenos negócios, além de gerar uma responsabilidade para as plataformas que não deveria ser delas.

"A mercadoria não é dela, a receita não é dela. A plataforma tem receita sobre intermediação, sobre a qual incidiria a CBS, mas não sobre a receita de outro contribuinte."

O advogado Pedro Siqueira Neto, da área tributária do escritório Bichara Advogados, diz que já faz um tempo que os governos tentam empurrar a responsabilidade de fiscalização para as empresas de marketplace e que o projeto de lei deixa isso explícito.

O projeto, no entanto, entra em conflito com o artigo 128 do Código Tributário Nacional, que diz que "a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação".

"Você pode imputar a responsabilidade a quem tem vinculação jurídica com o fato gerador, mas tem de praticar o fato gerador junto. O marketplace não pratica. Quem pratica é o comprador e o vendedor", afirma Siqueira Neto.

PARA GOVERNO, MUDANÇA SEGUE TENDÊNCIA GLOBAL

Na exposição de motivos enviada ao Congresso junto com o projeto de lei, assinada pelo ministro Paulo Guedes (Economia), o governo diz que relatório da OCDE de 2015 já relatava as dificuldades das administrações tributárias em cobrar o imposto sobre valor adicionado nas transações internacionais B2C (Business to Consumer) e que o princípio da cobrança no destino, com diz o projeto do governo, deveria ser mantido a fim de manter a neutralidade nas transações entre países.

"Assim, ficou mantida a tributação incidente na importação realizada por não contribuinte, sendo a responsabilidade pelo recolhimento atribuída aos fornecedores estrangeiros", diz o ministério no texto enviado ao Congresso.

"A responsabilidade das plataformas digitais também foi imposta aos estabelecimentos brasileiros, mas apenas nas hipóteses em que não houver registro em documento fiscal por parte dos fornecedores de bens."

Petrobrás tem ‘depósito’ irregular no mar, OESP

André Borges, O Estado de S. Paulo

02 de agosto de 2020 | 05h00

BRASÍLIA - Sem nenhum tipo de licenciamento ambiental, a Petrobrás ergueu um “almoxarifado submarino” no litoral brasileiro, lotado com milhares de maquinários e tubulações de suas plataformas de petróleo, que ocupa uma área maior que a da cidade de Florianópolis (SC).

Estadão teve acesso exclusivo ao processo sobre o assunto. A pedido da Petrobrás, o caso passou a correr sob sigilo dentro do Ibama. A petroleira busca um acordo com o órgão ambiental para iniciar a retirada do material lançado irregularmente em seis áreas da Bacia de Campos, região localizada nos litorais do Rio de Janeiro e Espírito Santo. O volume da parafernália é colossal. Os dados revelam que a Petrobrás tem hoje mais de 1,4 mil quilômetros de tubos de PVC flexíveis, usados na extração de petróleo, lançados no fundo do mar (veja quadro).

Somadas, essas seis regiões chegam a 460 quilômetros quadrados. É como se uma capital como Florianópolis (SP) ou Porto Alegre (RS) fosse transformada em um depósito marinho, de forma irregular, como afirma o próprio Ibama em um dos documentos. “As áreas denominadas como ‘almoxarifados submarinos’ vêm sendo utilizadas pela Petrobrás para o armazenamento de equipamentos (ex.: linhas flexíveis, umbilicais, sistemas de ancoragem) sem o devido licenciamento ambiental”, declara o órgão federal.

A definição de “almoxarifado submarino” usada para se referir aos depósitos é da própria petroleira que, em uma reunião realizada em julho de 2019, estimou que o processo de retirada de toda essa tralha deverá custar pelo menos R$ 1,5 bilhão, além de demorar mais de cinco anos até que tudo esteja devidamente limpo. Tudo começaria em 2022. Somente em 2027 é que a área estaria livre do maquinário (veja texto abaixo).

Ao analisar a dimensão do problema, os técnicos do Ibama afirmam que o lançamento e recolhimento desses equipamentos realizados por anos vinham causando “impactos algumas vezes superiores à instalação de um sistema de produção típico, sem qualquer avaliação prévia de alternativas locacionais e tecnológicas e sem qualquer medida controle ou monitoramento”.

Multa

Por causa da ausência de licenciamento para fazer essas operações, o Ibama chegou a multar a Petrobrás em R$ 2,5 milhões e a impor uma indenização de R$ 25 milhões pelo impacto ambiental causado, além da exigência de retirar cada tubo e parafuso que a estatal abandonou no litoral brasileiro. Um termo de ajustamento de conduta (TAC) foi firmado entre a petroleira e o órgão ambiental para que o trabalho seja executado, mas após sucessivos ajustes, o fato é que nada foi feito concretamente, até o momento.

A Petrobrás foi questionada pela reportagem sobre cada uma dessas informações, incluindo a situação atual de seu acordo, o cronograma de retirada da parafernália e sua possível destinação em solo. Foi perguntada ainda onde passou a depositar o material que acumula desde 2016, quando o lançamento no fundo do mar foi proibido. Primeiro, a estatal informou que iria apurar as informações. Um dia depois, entrou em contato para pedir mais prazo para dar sua resposta, o que foi concedido. Finalmente, vencido o prazo acordado, limitou-se a declarar que não prestaria nenhuma informação a respeito.

Os mesmos questionamentos foram enviados à área de comunicação e à presidência do Ibama, que ignoraram reiterados pedidos de esclarecimento sobre o assunto. A área de comunicação do órgão está impedida de se manifestar para a imprensa desde o ano passado, por ordem direta do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Os documentos mostram que a utilização dessas áreas como almoxarifado não é recente. O relatório revela que a petroleira começou a usar parte da região para depositar seus equipamentos em 1991 e que essa prática foi ampliada nos anos seguintes, até março de 2016, quando o Ibama, que já buscava há anos um acordo sobre o assunto, determinou a paralisação total de lançamentos no oceano. 

Na prática, a Petrobrás passou mais de duas décadas usando essas áreas como depósito marinho, sob a alegação de que reutilizava em outras plataformas diversos maquinários e tubulações deixados nos locais e de que tinha “dificuldade logística” para adotar outra alternativa. Cerca de metade do que hoje está depositado nas áreas já é considerado material inservível, segundo os relatórios.