O Inserm, instituto de pesquisa médica francês, tem grande prestígio internacional. Trouxe dois prêmios Nobel para a França. Teve em seus quadros um geneticista de projeção, o dr. Alex Kahn.
Há quatro semanas, o dr. Kahn deu uma entrevista para a rádio France Culture. Perguntado sobre como via a humanidade depois da epidemia do coronavírus, concluiu assim:
“A apreciação do sucesso das nações vai ser modificada de modo muito profundo. Há apenas dois ou três meses, dizia-se com frequência: a América de Trump é um imenso sucesso econômico. O cataclismo e o balanço da pandemia do coronavírus será pior nos Estados Unidos da América que na maioria dos outros países do mundo porque houve um total desabamento do sistema de saúde, agravado pela política de Trump quando ele suprimiu o Obamacare. Ora, quando se pergunta às pessoas, elas não têm preocupação mais importante que conservar a saúde, porque a saúde permite todo o resto: a alegria, a festa, o amor, ser educado e viver em melhores condições. Saúde antes de tudo. Portanto, as nações não serão julgadas unicamente pelo seu PIB ou mesmo pela sua taxa de desemprego. As nações serão apreciadas pela capacidade de proteger da melhor maneira possível seus concidadãos, e essa visão de que a saúde é unicamente um peso, um setor de gastos, um risco é uma visão que, durante alguns anos, vai desaparecer. E isso é bom, porque a saúde é o valor de base que permite essencialmente todos os outros valores.”
As análises do dr. Kahn são mais do que convincentes. Sua conclusão, no entanto, repousa sobre um otimismo que me parece excessivo. Exige a confiança na humanidade que me faz falta.
No entanto, contagiado pelo otimismo do dr. Kahn, tenho propostas pós-confinamento. Elas são perfeitamente utópicas, implausíveis. Mas vá lá, arrisco.
Uma das consequências positivas da epidemia foi a diminuição dos acidentes no trânsito. Em tempos normais, os números de mortos e feridos, sobretudo no Brasil, em desastres de automóvel, são avassaladores. Atingem, de modo particular, a população jovem. Situam-se entre 40 e 50 mil as indenizações das seguradoras por morte; o que pressupõe cifras reais mais altas.
Pois bem. Neste país, as estradas em más condições e saturadas, a sinalização ruim, os controles insuficientes, sem contar a barbárie espontânea que parece brotar em algumas pessoas ao dirigir, nos projeta entre os países com trânsito mais letal.
Por que não limitar a potência dos motores a 80 km por hora? Não estou me referindo à limitação determinada por imposição nas estradas, às placas e radares. Proponho que os motores sejam travados.
O Insurance Institute for Highway Safety norte-americano constatou que, para cada aumento de 8 km/h no limite de velocidade de uma rodovia, as mortes crescem 8,5%. Ninguém precisa ir a mais de 80 km/h, a não ser ambulância, carro de bombeiro e de polícia.
Levaríamos um pouco mais de tempo, não muito, nas viagens. Uma ou duas horas a mais para irmos de São Paulo ao Rio: o que isso significa diante das vidas salvas, dos inválidos evitados?
Ridículo. Imagino a revolta furiosa se o Brasil, ou qualquer país, determinasse tal medida. Para muita gente, o automóvel é sacrossanto, é um sonho de realizações na vida, é suprema vaidade. A potência do motor como que aumenta a potência da alma humana. Imagino os defensores das liberdades liberais berrando contra a indevida interferência do governo na autonomia pessoal.
No entanto, seria simples e eficaz.
O confinamento baixou também o índice de criminalidade. Pode ficar ainda melhor se houver legalização de todas as drogas, como se faz hoje para o álcool. Não digo apenas para a maconha, o que já vem sendo feito em vários países com sucesso, e que não é impossível um dia chegar ao Brasil. Falo de todas as drogas, duras ou moles.
É evidente. Enquanto houver pessoas que as quiserem, haverá consumo de drogas. Não há repressão que impeça. Ela, a repressão, só amplia a criminalidade em números astronômicos.
Gente que não usa drogas, como eu, deixaria de ser vítima da violência. Aqueles que consomem de modo equilibrado, como alguns consomem álcool, viveriam suas vidas. Os dependentes, como os alcoólatras, teriam assistência e apoio. E as prisões se esvaziariam.
Ok: é o confinamento que me faz delirar.
Podemos esperar o quê, então, depois da epidemia? O pior. Porque, nesse sentido, a humanidade nunca decepciona. E porque, se vier melhora, mesmo que pequenina, estaremos no lucro.