SÃO PAULO
Os tratores não passam mais por cima de toneladas de pés de alface, rúcula e agrião para serem transformados em adubos nas propriedades de pequenos produtores rurais do chamado cinturão verde, que abastece a região metropolitana de São Paulo.
A produção de cerca de 90% das verduras e 40% dos legumes consumidos na capital paulista vinha encalhando desde o início do distanciamento social decretado para conter o avanço do coronavírus. Os produtores amargavam uma queda de até 80% das vendas.
Dados levantados pelo Sindicato Rural de Mogi das Cruzes apontavam que vendas de folhosas para a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) tiveram uma redução de 70%. Para feirantes, caíram 60%.
Após reportagem publicada pela Folha em 18 de abril mostrar como toneladas de comida eram destruídas por falta de compradores —e mesmo de quem fosse retirá-las para doação—, os produtores conseguiram uma forma de escoar parte da produção de frutas, verduras e legumes.
Receberam R$ 1 milhão da Fundação Banco do Brasil para entregarem cem toneladas de alimentos que serão doados a cerca de 5.000 famílias carentes de Mogi das Cruzes (região metropolitana) durante dois meses.
“A matéria colocou luz sobre um problema sério. Me emocionei de tal forma que mobilizei minha equipe para resolver o problema de uma maneira factível e rápida. A experiência foi tão positiva que vamos fazer coisas semelhantes em cinturões verdes de Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Fortaleza, onde já identificamos os mesmos problemas com os produtores locais”, diz João Rabelo, vice-presidente do Banco do Brasil.
A reportagem foi publicada num domingo. Na segunda-feira seguinte (19 de abril), Antonio Chiarello, diretor de agronegócio do Banco do Brasil, ligou para Simone Silotti, produtora de Mogi das Cruzes que afirmava à reportagem que havia perdido R$ 40 mil com a queda das vendas.
“Eu chorei durante uma hora e meia no telefone. Ele não me interrompeu, me deu atenção, me deixou falar e explicar as dificuldades do pequeno produtor rural. Cerca de 12 dias depois o dinheiro estava disponível. Foi muita generosidade e empatia”, afirma Simone.
Segundo Pepe Soares, presidente da Fundação Banco do Brasil, aquela conversa ao telefone foi decisiva na decisão da instituição para apoiar os produtores. “Chiarello ficou extremamente sensibilizado. Foi uma coisa muito marcante porque eles estavam tendo que destruir a produção, e a força com que eles se engajara foi impressionante. Conseguimos uma cesta com uma qualidade enorme. Para nós todos, esse projeto foi muito especial”, diz Soares.
A produtora Simone afirma que serão beneficiados pelas compras 60 produtores das regiões de Quatinga e Jundiapeba, da zona rural de Mogi das Cruzes. Cerca de 40% são mulheres.
“Eu tinha receio de falar para os outros produtores, tinha medo de a iniciativa não ser aprovada no banco. Só fui contar no dia 1º de maio. Liguei um por um. Muitos choraram. Infelizmente, perdemos um produtor, que derrubou tudo e parou”, diz Simone.
Ela conta que muitos já retomaram a semeadura dos tempos pré-pandemia.
A primeira entrega das doações ocorreu na quarta-feira (6). Foram 1.404 cestas básicas para 11 entidades assistenciais. As cestas são compostas por produtos como arroz, feijão, açúcar mascavo, frutas regionais, legumes, verduras e folhagens e um kit de higiene e limpeza.
“Vamos ser remunerados a preço justo. Essa cesta, que está precificada em R$ 100, vale três vezes mais se for comprar no mercado comum. A cesta tem alface, agrião, couve, rúcula, caqui, goiaba, repolho, cenoura e até shimeji”, diz Simone.
A produtora acredita que será a primeira vez que muitas famílias terão a oportunidade de comer shimeji. O cogumelo também é produzido por uma pequena produtora na região de Quatinga.
Os produtores ainda estão sendo beneficiados por uma outra iniciativa: um projeto de pesquisa que busca melhorar a alimentação na baixa renda. A escassez de consumo de produtos naturais entre os mais pobres é o mote de um projeto de pesquisa do Insper, coordenado pelos professores de logística André Luís de Castro Moura Duarte e Lars Meyer Sanches.
A pesquisa começou há cerca de três anos, mas os professores decidiram colocá-la em prática após o início do isolamento. “Fechamos uma carga de seis toneladas de pequenos produtores da cidade de Piedade [que faz parte do cinturão verde] para Paraisópolis na primeira semana de abril”, diz Meyer Sanches.
Segundo os professores, o projeto, que foi batizado de Campo Favela, prevê a doação de 200 toneladas de produtos hortifrutigranjeiros até o final de maio —os produzidos na região de Simone, inclusive.
Eles dizem que, após a reportagem da Folha mostrando o drama vivido pelos produtores rurais, as doações aumentaram. Os principais doadores são os institutos Beĩ e Galo da Manhã.
“Nosso principal objetivo é que essa cadeia se torne sustentável, que não dependa das doações. Tem algumas maneiras de fazer isso para conseguir juntar duas pontas que realmente precisam, que são os pequenos produtores e os moradores das favelas. Mas ainda não conseguimos chegar a uma única forma”, diz Moura Duarte.
Atualmente, o projeto Campo Favela já leva frutas, legumes, verduras e ovos para comunidades de São Paulo e Rio de Janeiro.