domingo, 10 de novembro de 2019

Marcos Lisboa Travessia, fSP

Fracasso do leilão para a exploração de petróleo mostra como estamos apenas no começo de uma longa e difícil travessia

A semana passada começou com a boa notícia das medidas propostas pelo governo para a reforma do Estado.
O Orçamento público tem sido sufocado pelo crescimento das despesas obrigatórias, reiteradamente maior do que o da renda no país. Por essa razão, a proposta inclui reformas para permitir a melhor gestão das contas públicas.
Algumas medidas já constam da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas a sua constitucionalidade tem sido posta em xeque pelo STF, como a possibilidade de reduzir os salários e a jornada de trabalho de servidores públicos, ou se revelaram ineficazes, como a proibição de empréstimos entre entes da federação.
Espera-se que, constitucionalizadas, essas regras passem a ser respeitadas.
A proposta corrige algumas distorções, como a transferência de recursos ao Judiciário e ao Legislativo nos governos locais com base na receita orçada. Essa regra incentiva a demanda das corporações por orçamentos inflados, o que permite gastos crescentes com tribunais e servidores à custa da falência do setor público.
Um segundo conjunto de medidas encaminhadas tenta resolver conflitos entre a União e os estados. O governo federal deu mostra de extrema generosidade ao abrir mão de boa parte dos recursos do pré-sal em troca do fim das demandas por compensações e auxílios.
Fica a ressalva de que acordos desse tipo foram de vida curta no passado. A União cumpriu a sua parte, porém muitos estados ignoraram o contrato e continuaram com as suas práticas populistas. Apesar disso, conseguiram, com o apoio do STF, novos favores quando os problemas, previsivelmente, voltaram a ocorrer.
pacote também estabelece metas, como a redução dos gastos tributários, mas que são de pouca serventia. Esses gastos, como o Simples ou a dedução das despesas com saúde no Imposto de Renda, são tema de legislação específica. Sem a revisão das leis em cada caso, nada acontecerá.
Algumas reformas, como o poder conferido ao TCU para regular os Tribunais de Conta locais, podem ter a sua constitucionalidade questionada.
Por fim, o governo propôs medidas para reduzir os gastos públicos nos próximos anos. Aqui a notícia podia ser melhor.
Há um projeto sobre o mesmo tema na Câmara, contudo a opção do Executivo foi enviar uma reforma modesta, que exclui do ajuste algumas carreiras de servidores públicos. O resultado é uma economia estimada em R$ 24 bilhões, menos do que o necessário.
Tudo somado, a agenda iniciada pelo governo Temer, com o teto do gasto e o fim dos subsídios da TJLP, continua a avançar. Estamos apenas no começo de uma longa e difícil travessia, como exemplifica o fracasso do leilão para a exploração de petróleo.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

Lula cultiva o caldo da polarização para ativar suas bases, FSP

Presidente desenha linha de ação baseada em antagonismo absoluto com Bolsonaro

BRASÍLIA
Antes de passar sua última noite preso, Lula disse a um líder do MST que deixaria a cadeia “mais à esquerda” do que quando chegara lá. Embora alguns petistas temam que o aumento da polarização favoreça Jair Bolsonaro, o ex-presidente deu todos os sinais de que pretende investir nesse antagonismo para tentar reativar suas bases políticas.
Lula quer atiçar uma oposição que considera “acomodada”, segundo dirigentes do PT. Nos discursos após a saída da prisão, couberam palavras para atenuar desejos de revanche, mas também desenhou-se uma linha de ação baseada na rivalidade.
O ex-presidente Lula, em sindicato na Grande São Paulo
O ex-presidente Lula, em sindicato na Grande São Paulo - Nacho Doce/Reuters
Esse elemento está presente em três pontos a que o petista deu carga acentuada nos últimos dias: 1) o enfrentamento direto com o próprio presidente, associando seu governo a interesses de milícias; 2) os ataques à Lava Jato, cujo trabalho fez questão de vincular à vitória de Bolsonaro na eleição de 2018; e 3) os ataques à agenda econômica liberal.
Ainda que possa ter consequências negativas por restringir o debate público a contraposições rasas, a polarização faz parte do jogo político. Seu método não é necessariamente a radicalização.
Do caminhão de som no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o ex-presidente instigou a população a sair às ruas, como no Chile, para defender seus interesses. Falou em “atacar e não somente se defender”. Mas rejeitou o recurso ao que chamou de “jogo rasteiro” e ao impeachment.
“Tem gente que fala que precisa derrubar o Bolsonaro”, disse. “O cidadão foi eleito. Esse cara tem um mandato de quatro anos”, completou.
Ao delimitar o campo de batalha, Lula indica que pretende cultivar até 2022 divergências absolutas nos campos político e econômico.
O tom pode até mudar daqui por diante, mas o PT bebe dessa disputa porque precisa mobilizar setores que formavam sua base mais fiel: movimentos sociais e a população de baixa renda. Ao apostar nesses nichos, Lula e o partido correm também o risco de despertar o antipetismo que ajudou Bolsonaro em 2018.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).