segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A dívida privada pesa, Celso MIng, OESP

O alto endividamento emperra tudo: o consumo, os investimentos e mesmo a nova tomada de crédito

Celso Ming, O Estado de S.Paulo
06 Setembro 2018 | 21h00
Um após outro, os candidatos à Presidência da República repetem que é preciso garantir o crescimento da economia e da renda. Mas não dizem como.



Nem são capazes de identificar uma das principais travas para a retomada da atividade econômica, que é o alto endividamento, não só do setor público (déficit fiscal acumulado), mas, também, do setor privado.
Quando vagam sobre o tema, pensam como se o endividamento do setor privado estivesse concentrado em bancos e cartões de crédito. E, no entanto, nesse setor a inadimplência é até reduzida. Como mostram os últimos números do Banco Central, os atrasos por mais de 90 dias no resgate de dívidas com os bancos não ultrapassam os 5% dos tomadores de crédito com recursos livres.
Os números da Serasa são mais enfáticos e mais impressionantes. Nada menos que 61,6 milhões de brasileiros (ou de CPFs), ou 40,3% da população adulta estão inadimplentes.
As dívidas em atraso permeiam a sociedade. É empresa que deve para fornecedores, para funcionários, para a Receita Federal, para o INSS, para as distribuidoras de energia, para operadora de telefone e assim vai. Grande parte da população deve no crediário, nos impostos, na conta de luz, na de telefone e nos empréstimos feitos com familiares, amigos e compadres.
O alto endividamento emperra tudo. Emperra o consumo tanto pela parte do devedor quanto do credor (que não recebe e não pode gastar) e emperra a tomada de novos empréstimos. A ideia de que a retomada do crescimento econômico depende apenas do deslanche do crédito bancário e da redução dos juros é simplista e, se colocada em prática, fadada ao fracasso.
O candidato do PDT, Ciro Gomes, chegou a sugerir que, se for eleito, estimulará grande operação de renegociação da dívida privada, tanto a contraída com os bancos como a contraída com outros agentes do setor privado.
A redução de dívidas e o alongamento dos prazos às vezes são impostos até mesmo pela Justiça, como acontece nos casos de recuperação judicial. Mas não podem ser amplos e indiscriminados, por duas razões. Primeira, porque estimulam novos calotes, como a prática demonstra. E, segunda, porque enfraquecem os credores que também serão obrigados tanto a reduzir seu consumo como, também, a retrair seus financiamentos formais ou informais.
A saída é mesmo o crescimento econômico e da renda. E, no momento, são principalmente dois os setores em condições de proporcionar tração: o agronegócio e o petróleo.
Por trás do futuro do agronegócio está a impressionante demanda da China e dos asiáticos por alimentos. E é preciso aproveitar essa onda. Por trás do futuro do petróleo também está a demanda global por energia. Com um decisivo e gravíssimo porém: a era do petróleo está no fim. A partir de 2030 a maioria dos veículos que chegarão ao mercado será propulsionada por motores elétricos e não por motores a combustíveis fósseis e, a partir de 2040, a demanda por petróleo cairá rapidamente. O Brasil tem pouco tempo para explorar essas riquezas. Infelizmente, o governo mostra pouca pressa.
CONFIRA

» Desinflação em agosto

Surpresa na inflação de agosto: queda do IPCA de 0,09% em relação a julho. Duas observações sobre esse comportamento dos preços: (1) estão esgotados os efeitos inflacionários causados pela crise do abastecimento produzida pela paralisação dos caminhoneiros ocorrida em maio; e, (2) apesar da disparada do dólar em reais (de 23,20% em 2018 até esta quinta-feira), não foi detectado nenhum impacto relevante dessa alta sobre a inflação. Mas é provável que esse efeito comece a aparecer neste resto de ano.

Precarização maior é o desemprego, Celso MIng , OESP

Celso Ming, O Estado de S.Paulo
01 Setembro 2018 | 17h00

Certas expressões são tão repetidas que passam a ser consideradas verdadeiras, sem que antes seu significado tenha passado por um mínimo de análise crítica.

Carteira de trabalho: seguro-desemprego
Com o mercado de trabalho ainda cambaleante, desalento bate recorde Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Uma dessas expressões é a tal precarização do trabalho. Até mesmo juízes do Supremo que votaram contra a terceirização irrestrita aferraram-se ao conceito da precarização do trabalho, que acontece, justificaram eles com exibição de estatísticas, nas condições do emprego terceirizado.
Antes de prosseguir, vamos ao enunciado-síntese da Coluna. Precarizadas são as condições do atual mercado de trabalho, situação que não é apenas a do Brasil. Mais precarizados do que os postos de trabalho em empresas terceirizadas é o desemprego, que hoje alcança 12,9 milhões de trabalhadores mais 4 milhões entregues ao desalento no País.

Quem usa o argumento da precarização, em geral, faz a comparação errada. Emprego não precarizado, para essa gente, é o da minoria contratada por grandes empresas, em geral estrangeiras, que garantem todos os benefícios da lei mais alguns. E não a situação da grande massa de trabalhadores brasileiros.
Quase sempre, os sindicatos cuidam dos interesses dessa minoria que goza de empregos de qualidade e não liga a mínima para os desempregados e subempregados. Lutam por melhores salários e melhores condições de trabalho dos que participam dessa elite sindicalizada, e não pela melhora de vida dos que estão ralando por aí.
O processo de inserção do brasileiro no mercado de trabalho está longe da conclusão e, no entanto, todo o sistema enfrenta hoje dois impactos enormes de outros dois fatores adversos. O primeiro deles é o avanço da economia asiática, especialmente chinesa, que vai dizimando empregos e salários no mundo.
O segundo fator é impressionante crescimento da utilização da automação intensiva e da tecnologia digital, que está dispensando mão de obra, em setores até recentemente altamente empregadores de pessoal, como o comércio, os bancos e a construção civil.
Não é mais verdade que o aumento da oferta de postos de trabalho depende apenas do crescimento econômico. O Brasil e outros países poderão voltar a exibir PIBs portentosos e, no entanto, o emprego não crescerá na mesma proporção. Não há solução satisfatória para esse fenômeno socioeconômico com graves consequências políticas.
O mercado de trabalho brasileiro enfrenta agora problema semelhante ao do ensino. Nos anos 60, acusaram o então governador de São Paulo Abreu Sodré de ter provocado a deterioração do ensino público no Estado. Ele respondeu algo como: “A prioridade foi dar escola para todos, o que foi cumprido. Nessas condições, não dá para garantir a mesma qualidade do ensino para todos.”
Pergunta: é mais importante proporcionar algum avanço do emprego, ainda que em condições precarizadas, ou continuar exigindo excelência das condições de trabalho quando há tanto desemprego e quando o Brasil (e o mundo) passa por transformações rápidas que provocam grande dispensa de mão de obra?
CONFIRA:

PIB nanico 

A principal informação divulgada sexta-feira com as Contas Nacionais não foi o pibinho decepcionante do segundo trimestre, de apenas 0,2% sobre o trimestre anterior. Foi a revisão do PIB do primeiro trimestre, que cresceu apenas 0,1% e não 0,4%, como havia sido divulgado. Essas revisões são esperadas e continuarão a acontecer, especialmente num trimestre, como o segundo, tão impactado pela greve dos caminhoneiros em maio. De todo modo, o avanço do ano dificilmente ficará superior a 1,5%.

2008 continua aí, Celso Ming, OESP

Há dez anos estourou a maior crise financeira global depois da Grande Depressão.
A falência do Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, detonou o pânico global e, no entanto, tratava-se apenas da quebra de um banco de investimento de porte médio. Na mesma situação estavam bancões comerciais, que só não foram a pique porque, logo depois, as autoridades trataram de agir para impedir o alastramento da catástrofe.
O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) ajudou não só a escorar o Citigroup e a maior seguradora financeira, a AIG, mas despejou, “de helicóptero” (como disse Ben Bernanke, o presidente do Fed), nada menos que trilhões de dólares para recomprar nos mercados ativos que ninguém mais queria, porque eram considerados “podres”. Ainda hoje o Fed tem balanço patrimonial de aproximadamente US$ 4,2 trilhões em ativos.
As grandes vítimas foram as classes médias, especialmente dos Estados Unidos, que viram derreter não só o valor de mercado de suas casas, já que uma das principais deteriorações foi a do valor das hipotecas, como enfrentaram o forte desemprego e perda de salários. O balanço da destruição, apenas nos Estados Unidos, foi a eliminação de 9 milhões de empregos e a perda, por falta de pagamento, de 9 milhões de moradias. A vida de muita gente desmoronou. O desalento, que veio em seguida alimentou outras consequências políticas de impacto. No miolo do Partido Republicano dos Estados Unidos surgiu o movimento ultraconservador do Tea Party e, anos mais tarde, a vitória de Donald Trump, cuja campanha explorou a desesperança do americano médio e seu novo ódio aos bancos, às grandes empresas e à enganação promovida por magnatas e políticos.
As autoridades reguladoras do sistema financeiro salvaram os bancos, mas, com eles, os banqueiros e toda a massa de calhordas que entupiram as próprias contas bancárias com receitas de bônus multimilionários. Apenas uma meia dúzia de figurões foi condenada por fraudes que foram amplamente disseminadas. A grande maioria está por aí, endinheirada e empoderada.
Essa impunidade produziu o movimento Occupy Wall Street e espalhou ondas sucessivas de ressentimento que continua minando corações e mentes. De repente, o tão aclamado sonho americano pareceu irremediavelmente desvanecido. Daí, também, a força do slogan “put America first”, que alavancou a campanha de Trump.
Essa reação de repúdio não se limitou aos Estados Unidos. Por toda a Europa, ganharam força os movimentos separatistas (como o Brexit e o da independência da Catalunha) e os partidos de ultradireita que alardeiam ter gente metendo a mão no seu prato de comida. Além da crise propriamente dita, concorreram para aumentar o ressentimento a ascensão das classes médias asiáticas e as exportações da China, que tiraram emprego e derrubaram salários.
A recuperação da economia mundial foi lenta e ainda não passa firmeza, porque continua sustentada pela megaemissão de moeda, tanto pelo Fed quanto pelos grandes bancos centrais.
Toda grande crise produz monstros. A Grande Depressão e a hiperinflação da Alemanha em 1923 produziram o nazismo, o fascismo e a 2.ª Grande Guerra. Afora isso, como boa parte das práticas fraudulentas voltou a acontecer e, como por toda parte, pipocam notícias de que grandes bancos voltaram a se atirar ao risco irresponsável em troca do lucro fácil, comentaristas de todas as tendências se perguntam quando eclodiria a próxima crise. Mas a questão mais importante não é essa. Consiste em saber se as autoridades aprenderam alguma coisa com as mazelas de 2008 e se estão preparadas para enfrentá-la se voltar a acontecer.
Boa parte do marasmo do Brasil tem a mesma origem. Em 2008/09, o então presidente Lula praticamente ignorou o impacto. Gabava-se de que chegaria às nossas praias só “uma marolinha”, porque, alardeava, o Brasil era o B do Bric e tinha uma economia à prova de crises.
Os governos do PT não entenderam que os tempos de bonanza e do grande boom das commodities que havia proporcionado a forte tração do PIB do Brasil nos anos anteriores estavam acabados. Como a crise não foi levada a sério, também não houve reforços para enfrentar o impacto nem ajustes para derrubar o rombo fiscal que não parou de alargar-se. As incertezas que ainda prostram a economia do Brasil, em boa parte, são consequência da leniência com que a crise foi tratada por aqui.