Há duas maneiras de interpretar a inelegibilidade imposta a Marine Le Pen por uma corte francesa.
Na visão da extrema direita, o establishment encontrou uma forma de "roubar" previamente a eleição presidencial de 2027, para a qual a líder da Reunião Nacional (RN) já despontava como favorita nas pesquisas.
A instrumentalização de tribunais para fazer política é, infelizmente, uma realidade. Um caso mais ou menos inequívoco dessa prática acaba de ocorrer na Turquia, com a prisão do prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, por acusações de corrupção. Imamoglu era o principal rival político do autocrata Recep Erdogan e o grande nome da oposição para o pleito de 2028.
O caso de Le Pen, porém, pode ser lido com lentes mais institucionais. O processo que resultou em sua condenação está bem instruído. Sob tais condições, como observou a juíza responsável pela sentença, deixar de aplicar as sanções cabíveis apenas porque a ré tem projeção política configuraria uma violação ao princípio republicano da igualdade de todos diante da lei.
Eu me inclino mais para a segunda interpretação, especialmente porque não penso que inabilitar Le Pen seja uma medida muito eficaz para conter o crescimento da extrema direita francesa. Ela pode até aumentar as chances da RN, ao forçar a troca geracional. Le Pen carrega um sobrenome que afasta eleitores e tem um sucessor claro, Jordan Bardella, que é até mais carismático do que ela.
No mundo hiperinstitucionalizado em que vivemos, praticamente todos os políticos relevantes carregam rolos judiciais: Lula, Bolsonaro, Trump, Le Pen etc. Distinguir casos de lawfare dos de justa aplicação das leis se torna uma necessidade. E não há como fazê-lo direito sem mergulhar nas minudências do processo e sem conhecer bem as leis de cada país.
Minha sugestão é que adotemos como regra heurística considerar processos que ocorrem em regimes autoritários como automaticamente suspeitos e dar um voto de confiança aos tribunais de democracias estabelecidas.
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