domingo, 2 de janeiro de 2022

Hélio Schwartsman Brasil avacalha a matemática, FSP

 A matemática que nos ensinam na escola peca pela abstração. A maioria das pessoas não consegue usar a trigonometria em seu dia a dia. Já a teoria dos jogos, que quase não é ensinada nas escolas, é escandalosamente prática. Ela, afinal, pode ser descrita como o estudo das interações estratégicas entre agentes racionais. Também dá para dizer que ela expande a lógica para todos os domínios da vida.

Não é uma coincidência que, depois que Von Neumann unificou e deu nome à teoria dos jogos, em meados dos anos 40, ela se espalhou como um rastilho de pólvora. Invadiu a biologia, tomou de assalto a economia (onde produziu 11 prêmios Nobel) e deixou marcas em todas as ciências sociais. Tem ainda forte presença na ciência da computação.

A atividade policial não passou incólume. O célebre dilema do prisioneiro ilustra bem o poder que ofertas de barganha penal têm de moldar comportamentos, permitindo que se coloque a matemática a serviço do combate ao crime. Há até quem sustente que, sem mecanismos como o de delação premiada, é impossível desbaratar as quadrilhas organizadas.

O Brasil, sempre chegado a um negacionismozinho, até flertou com a ciência. As delações premiadas usadas na Operação Lava Jato produziram resultados, que se mediram em condenações inéditas e bilhões de reais recuperados para os cofres públicos. Houve, por certo, abusos, como nos processos contra Lula, que cobravam reparos. Mas a forma que o Judiciário escolheu para fazê-los foi, para usar um termo suave, destrambelhada.

O resultado prático, como mostrou reportagem de Felipe Bächtold, é que os réus que firmaram acordos de delação premiada estão hoje em situação penal pior do que aqueles que ficaram em silêncio e depois tiveram seus processos anulados. Não é preciso um Von Neumann para concluir que o recado que o Judiciário passa é: jamais colabore com a Justiça. No Brasil, avacalhamos até a matemática.

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