Em meio à campanha de boicote à publicidade no mundo digital em curso, há uma confusão que precisa ser esclarecida. A campanha promovida por ONGs contra racismo como a Liga Anti-Difamação (contra antissemitismo) e NAACP (que enfrenta preconceito contra negros) não tem por foco todas as redes sociais. O que propõe é que grandes negócios não anunciem no Facebook e no Instagram, que pertence à holding. Mais de 500 companhias já se juntaram, incluindo-se na lista a Unilever, segunda maior anunciante do mundo.
Será que agora o gigante enfim se move para enfrentar de vez a questão do discurso de ódio e da desinformação?
Não está claro. Segundo informações obtidas pelo site The Information, que costuma acompanhar com lupa os bastidores do Vale do Silício, o CEO Mark Zuckerberg está desafiante. “Nós não vamos mudar nossas políticas por conta da ameaça a uma pequena parcela de nosso faturamento”, ele afirmou a um grupo de funcionários. De fato, são companhias gigantes com verbas publicitárias enormes, mas o negócio dos anúncios na maior de todas as redes sociais é muito fragmentado. Segundo uma estimativa, os 100 maiores anunciantes representam 6% do faturamento. Ou seja: é dinheiro, mas o Facebook pode perfeitamente viver sem isto.
Só que este jogo não se conta em dinheiro. Se conta em reputação. As companhias economizam com o dinheiro que gastariam e, mais de um analista já observou, a decisão de deixar a plataforma faz bem a sua imagem. É deste jeito que Zuckerberg está avaliando o tabuleiro: como um jogo no qual estas empresas estão ganhando reputação às custas de sua rede. “Minha aposta”, ele disse, “é de que estes anunciantes retornam à plataforma logo.”
Pode ser que retornem. O Facebook fez alguns gestos, como o de anunciar que informará que é discurso de ódio, quando for o caso, postagens de gente graúda, como o presidente americano Donald Trump. Para as ONGs, é muito pouco, quase nada. Como desde então mais e mais empresas se juntaram ao boicote, parece que pequenos gestos não serão o suficiente.
Só que não é simples o que as companhias estão pedindo de Zuck. E o problema é ele, sempre ele, o algoritmo. Um software movido a inteligência artificial que tem uma única missão: fazer com que os usuários fiquem a maior quantidade de tempo possível dentro da rede. E o que o software descobre todos sentimos na pele. Basta nos deixar indignados. Quanto mais indignados, mais retornamos. E retornamos. Para comentar, protestar, ler avidamente tudo o que há.
É neste cenário que políticos agressivos crescem e políticos amistosos desaparecem. É também um cenário propício à manipulação de opiniões, pois um número pequeno de pessoas publicando em ritmo de bombardeio ideias pesadas ganham muito mais distribução do que outras. Criam a ilusão de consenso e passam, quais pescadores, um arrastão levando os incautos. A sociedade se torna mais agressiva em todos os lados. Mais extremista.
É neste ambiente que racismo, homofobia, agressões de toda sorte que eram consideradas coisas a se esconder há poucos anos ganham a luz do dia impunes, ditas por uma gente que ainda sorri sarcástica e fala: ‘só não sou politicamente incorreto’. O termo é outro. É desumano. Incapaz de compaixão, de empatia.
Só que para atacar o problema só tem um jeito, mexer no algoritmo. Fazer com que os posts distribuídos apelem não para o que há de pior em nós mas para qualquer outro critério. E isto terá resultados. Estaremos menos viciados em redes sociais. O Facebook fará menos dinheiro.
Só que se o boicote se estende, aquelas companhias ganham boa reputação. E o Facebook perde. Neste caso, merecidamente.
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