domingo, 5 de julho de 2020

Pastore, a economia com rigor, FSP

Celso Pastore testou as fragilidades das teses estruturalistas sobre alimentos e inflação

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Na quinta-feira (2), houve o lançamento do volume “A Economia com Rigor”, organizado por Ilan Goldfajn e Fernando Dantas, em homenagem aos 80 anos de Affonso Celso Pastore. Com Marcos Lisboa, assino o segundo capítulo.

Pastore pertenceu à segunda geração do departamento de economia da FEA-USP. A característica da pesquisa no departamento, entre meados dos anos 1950 e dos 1970, era o emprego da melhor técnica disponível para testar empiricamente teses sobre a economia brasileira.

Havia o entendimento de que a linha de demarcação entre ciência e metafísica era a capacidade de, com a evidência empírica, poder testar as teorias.

Economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, durante entrevista à Folha, em 2017 - Zanone Fraissat - 16.jan.17/Folhapress

O grande pano de fundo para muitas das pesquisas do departamento eram as teses estruturalistas do pensamento cepalino.

Em sua tese de doutorado, Pastore testou a teoria estruturalista de que a oferta de alimentos no Brasil não se elevava quando os preços subiam.

O argumento estruturalista alegava que a tecnologia rudimentar e o comportamento baseado na tradição causavam a baixa resposta aos preços da oferta de alimentos.

A consequência era a deficiência crônica de bens agrícolas, o que explicava a carestia e a pressão inflacionária permanente. A reforma agrária seria essencial para retirar essa trava do nosso desenvolvimento.

Em contraste, a visão convencional alegava que a carência de produção agrícola para o mercado doméstico resultava de uma série de políticas que estimulavam a industrialização e oneravam a agricultura, além de incentivar um processo precoce de urbanização. Este estimulava a demanda por bens agrícolas e restringia a oferta.

Em seu doutorado, Pastore mostrou, com base na análise rigorosa dos dados, que a tese estruturalista estava errada. A resposta aos preços da agricultura brasileira era forte.

Não havia motivos de eficiência econômica para justificar uma política ampla de reforma agrária, apesar de esta sempre poder ser defendida por motivos de equidade.

Uma segunda tese estruturalista (de certa forma ligada à primeira) de que Pastore tratou foi sobre a inflação, fenômeno tão disseminado na América Latina.

A tese estruturalista estabelecia que a inflação resultava essencialmente da estrutura da economia. Que os inúmeros gargalos, entre os quais a baixa sensibilidade da oferta de bens agrícolas aos preços, explicavam o fenômeno inflacionário. Que a oferta de moeda tinha papel absolutamente secundário, se é que tinha algum papel, no fenômeno.

Em sua tese de livre docência, a partir de um trabalho à época de chinês, Pastore refez a série de todos os condicionantes da oferta de moeda e mostrou que, a partir do governo Castelo Branco, houve mudança profunda nos fatores condicionantes da expansão monetária. Esta deixa de financiar o déficit público.

Documenta também as grandes defasagens entre a expansão monetária e o processo inflacionário.

A inflação hoje está domada na América Latina com as exceções de praxe —Argentina e Venezuela—, expondo a fragilidade da tese estruturalista. Se a estrutura produtiva e de propriedade fundiária causassem a inflação, ela deveria ainda ser difundida no continente.

Hoje a escola estruturalista minimiza o papel do desequilíbrio fiscal no processo inflacionário —para ela, o gasto público estimula a expansão do PIB (Produto Interno Bruto)— e continua a considerar que o crescimento depende prioritariamente da especialização produtiva.

Adicionalmente, minimiza o papel da educação básica no desenvolvimento econômico. Temas de debates para as próximas décadas.

O evento de lançamento encontra-se em bit.ly/2AqDk8i.

Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.

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