sábado, 4 de julho de 2020

Os desbancarizados, Celso Ming, O Estado de S.Paulo


03 de julho de 2020 | 19h25

Há os sem-emprego, há os sem-teto e há os sem-banco, os desbancarizados. Para esses, além de ter de lidar com dinheiro vivo para tudo, fica mais difícil receber e transferir recursos, uma exigência cada vez maior nestes tempos de modernidade.

Os pagamentos do Auxílio Emergencial, feitos desde abril pelo governo federal para socorrer a população de baixa ou nenhuma renda durante a pandemia, escancararam os problemas da falta de bancarização no Brasil. Para receber o auxílio na Caixa Econômica Federal foram realizados 7 milhões de saques em espécie. Para isso, as pessoas tiveram de encarar longas filas na rua, quando deveriam ficar em casa para se proteger do vírus.

Os bancos não fazem muita questão de manter abertas contas correntes ou contas de poupança com baixos saldos e com pouca movimentação. Cobram tarifas altas demais para pequenos correntistas e seguem fechando agências bancárias. Só nos 4 últimos anos, foram 3 mil no Brasil.

Um estudo realizado em 2017 pelo Banco Mundial em 140 países, entre os quais o Brasil, mostrou que o correntista encara com desconfiança os serviços dos bancos. A burocracia para abrir uma conta corrente é vista com antipatia ou, por força do hábito, parece mais fácil lidar com o velho dinheiro vivo. 

Pessoas mais antenadas podem afirmar que estão disponíveis soluções gratuitas e digitais das fintechs (as startups financeiras), mas estas ainda não saíram da bolha das metrópoles, onde a população é mais bem educada e desfruta de renda mais alta.

Mas bancarização é um conceito em busca de consenso. O setor bancário não acha que este seja problema grave. Entende que o índice de bancarização no Brasil não é muito diferente do existente no resto do mundo. Especialista em Sistema Financeiro, o economista Roberto Luís Troster observa que a digitalização abriu facilidades. Basta ir a uma lotérica ou caixa de supermercado, ter cartão de crédito, abrir uma conta de pagamento de uma fintech ou, em futuro já próximo, possuir um aplicativo de mensagem que realize transferências, para que uma pessoa desfrute de algum grau de bancarização.

Caixa
Caixa Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Banco Central calcula que 148 milhões de brasileiros adultos mantêm alguma forma de relacionamento bancário. Mas pesquisa do Instituto Locomotiva de junho de 2019 verificou que 45 milhões de brasileiros não movimentaram conta corrente ou poupança durante seis meses.

Esses dados, reconhece Renato Meirelles, presidente do Locomotiva, devem ter envelhecido. “Se é verdade que a pandemia escancarou a desbancarização, por outro lado acelerou a digitalização financeira. Mas o desafio não é aumentar os bancarizados, e sim fidelizá-los”, explica.

Quem pode ganhar vantagem na conquista da população de baixa renda são as fintechs, que propõem soluções com poucos toques na tela do celular. Mas, até o período pré-covid-19, elas caminhavam devagar. Novas opções ficaram disponíveis a partir da necessidade que as pessoas passaram a ter de receber e fazer pagamentos antes feitos somente em espécie. “O consumidor de baixa renda só vai recorrer às fintechs se elas demonstrarem que o uso do dinheiro digital vale mais a pena do que a manipulação de notas”, diz. Medidas como cashback (pequeno estorno do valor da compra) e sistema de recompensas (como programas de milhagens) podem ser boas soluções para quem consegue pechinchas com papel-moeda em mãos.

A iniciativa do WhatsAppno momento bloqueada pelo Banco Central, deverá facilitar pagamentos e, assim, poderá aumentar a digitalização dos serviços financeiros. Meirelles observa que, pela alta capilaridade deste aplicativo, seria a melhor solução para a população de baixa renda, acostumada a recorrer, na base da confiança, a empréstimos de amigos ou parentes. A proposta do WhatsApp seria uma forma de registrar um acordo, cravar a quantia combinada e facilitar transferências de grandes volumes, sem ter de sair de uma agência bancária com maços de papel-moeda nos bolsos.

O WhatsApp não lidera essa corrida. Outros pretendentes disputam o mesmo consumidor. O Picpay, por exemplo, é uma fintech que formou parceria com o governo do Estado de São Paulo para transferir o dinheiro da merenda para famílias de baixa renda enquanto as aulas estiverem suspensas. Concorrentes como Iti, PagSeguro e Mercado Pago também estão nesse segmento, que promete competir com os bancos na faixa das carteiras digitais. / COM GUILHERME GUERRA


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