terça-feira, 7 de julho de 2020

'Milagre brasileiro' teve PIB recorde e semeou década perdida, FSP

Período de forte crescimento e industrialização nos anos 70 se deu às custas de endividamento e hiperinflação que viriam no final do regime

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SÃO PAULO

Sempre evocado pelos defensores da volta das Forças Armadas ao poder, o chamado “milagre econômico” que marcou a ditadura militar brasileira foi relativamente curto e uma euforia que acabaria levando à ressaca dos primeiros anos da redemocratização.

Durante o regime militar, o Brasil de fato cresceu a taxas recordes em alguns anos, industrializou-se rapidamente, criou dezenas de estatais e produziu grandes obras que viraram marcas daquele tempo, como a ponte Rio-Niterói, as usinas de Itaipu e Angra e a Transamazônica.

Ao final do período, no entanto, o país viu-se mais desigual, altamente endividado em dólares e debatendo-se numa crise que combinaria períodos de crescimento negativo com a inflação saindo completamente do controle.

É como se o “milagre” e o seu período posterior tivessem conduzido o país na direção da chamada década pedida dos anos 1980 —metade dela já não mais associada aos responsáveis pelo desfecho, pois os militares entregariam o poder em março de 1985.

Os dois primeiros anos após o golpe de 1964 foram de ajuste a partir do diagnóstico de que havia excesso de consumo em uma economia incapaz de aumentar a oferta de bens e serviços, o que pressionava de forma persistente a inflação.

Assim, os militares iniciariam a ditadura reprimindo a atuação de sindicatos e forçando uma redução de mais de um terço no valor do salário mínimo. O objetivo foi conter a elevação de preços por meio da redução do poder de compra.

A partir dessa política repressiva contra trabalhadores que procuravam manter ou aumentar seus salários, o ritmo de alta anual da inflação foi reduzido de 92% para cerca de 30% no período entre 1964 e 1967.

A partir daí, a estratégia foi aumentar a oferta de bens e serviços com políticas agressivas de industrialização e de investimentos em infraestrutura, a maior parte deles financiados pelo endividamento externo em bancos e instituições internacionais.

O capital estrangeiro também chegou ao Brasil via empresas multinacionais, que encontraram no país um ambiente macroeconômico mais favorável e socialmente controlado pela força da ditadura.

Essa segunda fase, operada entre 1967 e 1973, seria a dos anos do “milagre econômico”, quando o Brasil alcançaria taxas de crescimento sem precedentes. Na média, o PIB (Produto Interno Bruto) subiria cerca de 11% ao ano.

O período foi crucial para dar legitimidade ao regime militar durante a fase mais violenta do combate à esquerda armada e uma consequência direta das políticas implementadas pelo então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, que pôde contar com uma conjuntura internacional bastante favorável.

Após uma série de medidas para reorganizar as contas públicas e o sistema tributário, houve investimentos contínuos na infraestrutura em energia, transporte, comunicação, siderurgia e mineração.

Como consequência, dezenas de empresas estatais foram criadas no período, como a Nuclebras, a Infraero e a Telebras.

Os militares também promoveram as exportações e implementaram medidas para estimular os investimentos financeiros e a poupança, como a correção monetária, a fim de proteger aplicações da corrosão inflacionária.

Outra inovação foi a criação do Banco Central, que recebeu a missão de controlar a oferta de moeda na economia, antes papel que era do Banco do Brasil.

Essa fase proporcionaria também um substancial aumento do crédito às famílias, o que acabaria por sustentar o consumo e os investimentos do setor privado, estimulando a vinda de empresas do exterior e a criação de novas companhias nas áreas de eletrodomésticos e automóveis.

O crescimento durante essa primeira metade do regime militar aumentou a oferta de postos de trabalho, que por sua vez ajudaram a expandir o consumo interno.

A imagem em preto e branco é a vista aérea da usina hidrelétrica de Itaipu durante a construção em outubro de 1978, localizada no rio Paraná, fronteira entre Brasil e Paraguai, na cidade de Foz do Iguaçu
Vista aérea da usina hidrelétrica de Itaipu durante a construção em outubro de 1978, localizada no rio Paraná, fronteira entre Brasil e Paraguai, na cidade de Foz do Iguaçu - Folhapress


Durante o período, houve aumento do consumo de bens duráveis em mais de 25% ao ano —é dessa fase a criação da Zona Franca de Manaus, inicialmente dedicada a fabricar produtos eletroeletrônicos por meio de vantagens tributárias e a substituir importações.

Em 1966, os militares já haviam criado o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para compensar o fim da chamada estabilidade decenal, que garantia aos trabalhadores permanência no emprego após dez anos de trabalho em uma empresa —ela só podia ser rompida em demissões por justa causa.

Utilizados para financiar o setor da habitação, os recursos depositados pelas empresas no FGTS dariam impulso também à construção civil, que cresceria cerca de 15% ao ano na esteira de uma constante migração da população do campo para as grandes cidades.

Entre as décadas de 1960 e 1980, a parcela da população urbana no país saltaria de 45% para quase 70%.

Ao longo de todo o regime militar, o Brasil também recorreria de forma crescente a empréstimos externos, aumentando rapidamente seu endividamento em dólares.

Entre o início da ditadura e o fim do “milagre econômico” (1964-1973), a dívida externa brasileira saltaria de US$ 3,1 bilhões para US$ 12,5 bilhões.

Mas ela ganharia proporções gigantescas ao final do regime, atingindo US$ 96 bilhões em 1985, como reflexo de políticas insustentáveis adotadas para manter o crescimento econômico.

No início do regime, e até meados da década de 1970, as políticas de relativo saneamento das contas públicas e de aumento do endividamento levaram a um crescimento da taxa de investimento público em relação ao PIB de cerca de 15%, em 1964, para mais de 23% em 1975.

Com esse aumento também vieram mais empregos, especialmente na indústria, que teve seu grande período de desenvolvimento no regime militar.

Entre 1965 e 1985, o total de empregos no setor aumentou de 2 milhões para 3,5 milhões.

Nos anos da ditadura, ficou famosa a frase atribuída a Delfim de que o “bolo” econômico brasileiro precisaria primeiro crescer para que depois pudesse ser distribuído.

Embora o ex-ministro alegue nunca ter feito tal afirmação, o fato é que o bolo cresceu, mas não foi distribuído de forma equilibrada.

Em 1964, o 1% mais rico da população detinha entre 15% e 20% de toda a renda do país.

Ao final do regime militar, essa parcela mais rica passaria a controlar quase 30%, segundo o pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Pedro Ferreira de Souza, autor de “Uma História da Desigualdade: a Concentração de Renda entre os Ricos no Brasil - 1926-2013” (editora Hucitec).

“A economia vai bem, mas o povo vai mal” é outra frase famosa do período e que teria sido dita pelo então presidente militar Emílio Garrastazu Médici, que governou entre 1969 e 1974, durante boa parte do “milagre econômico”.

Mas foi ao final do governo de Médici que a trajetória de crescimento do Brasil começou a mudar.

Em 1973, o mundo e o Brasil sofreriam as consequências do chamado choque do petróleo, provocado por um embargo árabe às nações vistas como apoiadoras de Israel na Guerra do Yom Kippur (1973), um conflito iniciado pelo Egito e pela Síria contra os israelenses.

O embargo aos principais países do Ocidente multiplicou por quatro o preço do barril de petróleo e afetou gravemente os países importadores, entre eles o Brasil.

Além de aumentar o preço do óleo, a crise tornou-se mundial e passou a limitar o crédito em dólares a inúmeros países, obrigando o Brasil a refinanciar suas dívidas e obter empréstimos a juros cada vez mais elevados.

O crescimento do PIB brasileiro em 1973, de 14%, cairia para 9% no ano seguinte.

Procurando manter a estratégia de obter empréstimos externos para financiar investimentos, o endividamento acelerou até que, em 1979, uma nova crise do petróleo —desta vez provocada por uma revolução islâmica no Irã —atingisse o mundo e o Brasil em cheio novamente.

Nesse período de crises, a dependência insustentável do Brasil por empréstimos externos a fim de manter a economia à tona —e os militares no poder— se evidenciaria na explosão do endividamento em dólares.

A imagem em preto e branco mostra Antonio Delfim Netto, ministro da Fazenda do governo Costa e Silva, e o general Augusto José Presgrave (II Exército).
Antonio Delfim Netto, ministro da Fazenda do governo Costa e Silva, e o general Augusto José Presgrave (II Exército). - Folhapress


Entre a primeira e a segunda crise do petróleo, a dívida externa brasileira saltaria de US$ 12,5 bilhões para US$ 50 bilhões. Entre a segunda crise e o fim do regime militar, em 1985, ela praticamente dobraria, chegando a quase US$ 100 bilhões.

Ainda no regime militar, o Brasil mergulharia no pântano da chamada crise da dívida, tendo dificuldades crescentes em honrar pagamentos, ao mesmo tempo em que o crescimento cairia rapidamente e a inflação sairia do controle.

Entre 1978 e o ano final da ditadura, 1985, além do salto no endividamento, a inflação se multiplicaria de 40% ao ano para mais de 240%.

Herança dos militares, a hiperinflação que se seguiria e a moratória da dívida externa em 1987 seriam as principais marcas da década perdida dos anos 1980.

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Delfim Netto
1965 Membro do Conselho Consultivo de Planejamento (Consplan), órgão de assessoria à política econômica do governo Castello Branco e do Conselho Nacional de Economia
1967 a 1974 Ministro da Fazenda
1979 Ministro da Agricultura
1979 a 1985 Ministro do Planejamento

Em dezembro de 1968, Delfim foi um dos signatários do Ato Institucional nº 5 (AI-5)

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