04 de julho de 2020 | 14h11
Até pouco tempo antes de a pandemia do coronavírus colocar o Brasil em quarentena, o banqueiro Aloysio de Andrade Faria dava expediente na sede do banco Alfa, na região da Avenida Paulista, pelo menos uma vez por semana. Agora, de sua fazenda de Jaguariúna, no interior de São Paulo, o mineiro de Belo Horizonte continua decidindo, com mãos de ferro, os rumos de seu império.
Aos 99 anos, Faria é o banqueiro mais velho da lista da revista Forbes e o terceiro mais idoso entre todos os bilionários, com uma fortuna estimada em US$ 1,7 bilhão (cerca de R$ 9 bilhões). Prestes a completar um século de vida em novembro, o magnata, que estudou medicina e herdou aos 28 anos o banco que viria a ser o Real, quando seu pai morreu, prefere a discrição dos bastidores às luzes dos holofotes.
Contemporâneo de uma linhagem de banqueiros como Olavo Setubal (Itaú), Walther Moreira Salles (Unibanco) e Amador Aguiar (Bradesco), Faria sobreviveu a inúmeros presidentes e regimes de governo, ministros da Fazenda e presidentes do Banco Central, pacotes e crises econômicas.
“Aloysio é um dos mais sofisticados operadores financeiros do Brasil. É um banqueiro invisível que sempre fez questão de ficar longe de Brasília e das rodas do governo”, define o economista e ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto, de 92 anos. “Ninguém o vê fumando charuto cubano, bebendo Romanée Conti. Está sempre submerso.”
Mais do que banqueiro, Faria tornou-se um profícuo empreendedor em mais de 80 anos de vida empresarial. O grupo controlado por ele engloba não apenas o banco Alfa, mas também uma dezena de empresas, como a rede de hotéis Transamérica, emissoras de rádio, a fabricante de água mineral Águas da Prata, a gigante de material de construção C&C e a produtora de óleo de palma Agropalma, entre outros negócios. “Ordem sem progresso é inútil, progresso sem ordem é falso”. Esta frase, estampada em placas nas empresas do banqueiro, é a sua filosofia de trabalho.
Há ainda na lista um capricho particular: a sorveteria La Basque. Simplesmente porque ele adora sorvetes. Faria costumava dizer que no Brasil não tinha um sorvete bom e mandou chamar um especialista americano para criar o seu próprio. “Ele fazia questão de escolher os sabores”, diz um ex-executivo do grupo.
Retiro
Viúvo há quase três anos, depois de um casamento de mais de sete décadas, Faria vive agora recluso em sua fazenda em Jaguariúna, em uma propriedade em estilo clássico, construída com pedras trazidas da Inglaterra (país no qual costumava passar longas temporadas), em frente a um lago. Não abre mão de hastear todos os dias as bandeiras do Brasil e de Minas Gerais na fazenda, contam pessoas próximas a ele.
Embora esteja fora do dia a dia dos negócios – o grupo financeiro e as empresas têm há anos gestão profissionalizada, a cargo de executivos de sua confiança –, o banqueiro tem sempre a palavra final em decisões, dizem pessoas que convivem com ele. Uma geração de executivos foi moldada para cuidar dos negócios – os chamados “prata da casa”, tão discretos quanto ele. Faria não deu entrevista para essa reportagem.
Nem a venda do Real em 1998, por US$ 2,1 bilhões, na época o quarto maior banco privado do País, jogou luz sobre o banqueiro. Faria atuou nos bastidores da venda do seu banco ao holandês ABN Amro (posteriormente comprado pelo Santander), a despeito do receio da abertura do mercado financeiro ao capital estrangeiro às vésperas da desvalorização do real, na campanha à reeleição de FHC. Os grandes bancos reagiram e foram às compras nos anos seguintes.
O negócio, curiosamente, foi fechado no dia do jogo entre Brasil e Holanda, que levou a seleção brasileira para a final da Copa da França. No dia da assinatura, Faria não apareceu. Delegou a tarefa aos executivos. Em vez de fazer uma comemoração para celebrar o negócio, preferiu se reunir com a família.
Maior banco privado
Nascido em Belo Horizonte, Faria veio de família rica. Seu avô era latifundiário no norte de Minas Gerais e criou-se na política, assim como seu pai, que decidiu fundar em 1924 o Banco da Lavoura de Minas Gerais, cuja regra era “emprestar pouco para muitos”. Foi um banco que cresceu na política do “café com leite” do Brasil da época – quando o poder nacional era dividido entre as oligarquias mineira e paulista.
Em poucas décadas, a instituição se tornou o maior banco privado na América Latina. Inicialmente, Faria não pensava em seguir a carreira de banqueiro. Havia estudado medicina na UFMG e se especializado em gastroenterologia pela Universidade Northwestern, de Chicago. Com o morte do pai, em 1948, herdou, ao lado do irmão mais novo, Gilberto, o banco.
“Os filhos herdaram o banco do pai em um momento histórico para o sistema financeiro do País, quando os bancos paulistas ainda não eram tão proeminentes, e o País era dominado por instituições estrangeiras”, lembra o economista Fernando Nogueira da Costa, professor de Economia da Unicamp e estudioso sobre o sistema financeiro brasileiro. Foi o primeiro banco privado a abrir, nos anos 1960, uma filial em Nova York, na 5.ª Avenida, próximo a um apartamento que a família mantinha na metrópole.
Aloysio Faria até tentou por pouco tempo conciliar o consultório médico e a gestão do banco, sem sucesso. Enquanto o banco crescia, Faria recebeu uma proposta para comprar o Unibanco, de Walther Moreira Salles. Os dois mineiros chegaram a sentar para conversar. Falaram de tudo, menos do negócio. “Como ele não me falou nada (sobre a venda do banco), também não perguntei”, relatou após o encontro, segundo uma pessoa íntima da família.
Disputa familiar
Por duas décadas, Aloysio Faria se revezou na gestão do banco com seu irmão. Mas Gilberto decidiu seguir a carreira política em um momento crítico de polarização nos anos 1960. Como genro de Tancredo Neves (então primeiro-ministro durante o governo João Goulart) e padrasto do hoje senador Aécio Neves, foi deputado federal pelo PSD e pela Arena entre 1963 a 1971.
Foi nesse último ano que os irmãos se desentenderam sobre a gestão. Os dois cindiram o Banco da Lavoura. Aloysio ficou com os ativos que se tornaram o banco Real, e Gilberto, com o Banco Bandeirantes. A contenda entre os irmãos extrapolou os negócios. Ao dividirem a fortuna, Aloysio e Gilberto nunca reataram suas relações. “Os avós nunca mais se falaram, mas os netos se dão bem”, diz uma pessoa próxima à família.
Anos atrás, Aloysio foi obrigado a se defender nos tribunais contra uma ação milionária trabalhista movida por um de seus ex-genros. Carlos Ortiz Nascimento, que administrava os negócios não-financeiros do grupo, exigiu um naco da fortuna do sogro, alegando ter construído parte do império de Faria, como os Hotéis Transamérica e a Agropalma. Em quase todas as batalhas na Justiça, Aloysio venceu, mas ainda há processos em curso. Procurado por meio do seu advogado, Ortiz Nascimento não quis se manifestar.
Perfil discreto
Avesso a colunas sociais, Aloysio também nunca foi de frequentar rodas da high society. Esse papel cabia à esposa Cléa Dalva e às cinco filhas. O banqueiro tem 17 netos. “Ele discorre sobre vários assuntos com grande erudição”, diz o empresário David Feffer, presidente do conselho de administração do grupo Suzano. “Como meu pai, ele dividia uma paixão pelas artes e cavalos árabes.” Nos anos 1960, Faria importou cavalos árabes dos EUA, ampliando a disseminação da raça no Brasil e se mantém como um dos maiores criadores. Também tomou gosto por gado holandês.
Entusiasta das artes, foi diretor do Museu de Arte Moderna de Belo Horizonte e também do Museu de Arte de São Paulo. Sua esposa era colecionadora de esculturas e quadros e tinha obras originais de Portinari, Djanira e Maria Leontina. Ao longo dos últimos anos, fez doações milionárias para saúde e educação.
Mesmo afastado da medicina, nunca deixou o assunto de lado. Ajudou a cuidar da própria saúde e também da de sua esposa. Há alguns anos, curou-se de um câncer e montou um “mini-hospital” no seu hotel em São Paulo, conta um amigo. “Ele costuma ler e sempre me manda artigos científicos de fora para trocar impressões”, também confidencia o médico urologista Miguel Srougi, amigo de longa data.
Faria também tem suas extravagâncias, entre elas um jatinho (ele também é dono de uma empresa de táxi aéreo) e um Porsche que dirigiu há até pouco tempo. E também não abandonou o sorvete. “Ele é rigoroso durante a semana, mas toma quatro bolas no fim de semana”, diz um dos seus netos.
“Gosto é mesmo de ficar sentado na minha varanda lendo em frente ao lago”, confidenciou a um amigo próximo. E é o que ele tem feito nestes tempos de quarentena. Como um bom médico, decidiu pelo isolamento. A festa planejada pela família para comemorar seu centenário está, por ora, suspensa.
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