01 de julho de 2020 | 19h31
Os motoboys de São Paulo encarregados de entregar pedidos de delivery fizeram nesta quarta-feira, 1, pelo Brasil a primeira tentativa de paralisação destinada a garantir melhor remuneração e melhores condições de trabalho. A foto abaixo mostra um dos pontos de concentração no País.
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Entregadores são proletários de si mesmos
Esses trabalhadores são os que operam em entregas, principalmente por meio dos aplicativos iFood, Uber Eats e Rappi. Como a pandemia obrigou o consumidor a se confinar em casa, o volume de encomendas de alimentos e de pequenos artigos aumentou substancialmente. Com isso, a carga de trabalho dos boys ficou muito maior, sem que a remuneração acompanhasse a multiplicação do esforço.
Esse é o primeiro movimento reivindicatório desse segmento no Brasil, mas não o primeiro no mundo. Em 2019, houve uma paralisação, também por 24 horas, nos Estados Unidos, realizada por motoristas (e não motoboys) da Uber e da Lyft. E, depois disso, foram vistas outras manifestações parecidas na Europa.
O mais importante a considerar aqui não é a eficácia dessa paralisação do ponto de vista dos trabalhadores, mas o fato de se ter iniciado um movimento que muitos especialistas em Economia do Trabalho julgavam improvável, diante da falta de um sindicato que os unisse e da enorme dispersão a que está sujeita essa subcategoria de trabalhadores informais. São raros os casos em que desfrutam de horários fixos de trabalho. Na maioria dos casos, são obrigados a usar seus próprios equipamentos (motos ou bicicletas).
Para o especialista Hélio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo (USP), essa mobilização lembra o início do movimento sindical no mundo, quando os operários organizavam seus movimentos a partir do chão da fábrica. “Assim como promoveu a dispersão desses trabalhadores, a tecnologia também os vem reunindo, o que sugere o aparecimento de nova forma de organização. Como o patrão é virtual, o sindicato também é virtual”, diz. O que não muda, acrescenta Zylberstajn, é o velho conflito entre empregador, que quer o maior lucro pagando a mais baixa remuneração, e o empregado, que luta por melhores condições.
Esse tipo de atividade começou com a Uber em 2009, que chegou ao Brasil em 2014. Nem empresas nem autônomos se entendem e o que acaba prevalecendo é a aplicação crua da lei da oferta e da procura por esse tipo de atividade, num ambiente geral de alastramento do desemprego. A Justiça do Trabalho e a legislação tentam enquadrar o novo modelo nas regras antigas, criadas para atender às atividades em que o empregado atua no mesmo local onde está o empregador, sujeito a horários predeterminados de entrada e de saída e certa garantia de estabilidade, a vigorar em casos de demissões, acidentes no trabalho e aposentadoria. Os debates entre os responsáveis pela formulação de políticas públicas para os autônomos quase sempre giram em torno desses pontos.
Questão de saúde
Outro renomado especialista em Economia do Trabalho José Pastore, também professor da USP, adverte que uma nova legislação que contemple os direitos desses trabalhadores deve evitar o excesso de detalhamento em que hoje incorre a Consolidação das Leis do Trabalho (a CLT) e se propor a definir pontos essenciais, como limites de jornada de trabalho e direitos básicos. Ele sugere a adoção de exames de admissão e de demissão, que atestem o estado de saúde do trabalhador no período em que operou para o empregador. O objetivo seria evitar problemas de saúde como a Síndrome de Burnout, associada à exaustão por excesso de trabalho, típica das jornadas de entregadores de aplicativos. “No Brasil, temos certa vantagem porque, na Europa e nos Estados Unidos, os planos de saúde são negociados só após as sentenças judiciais. Aqui temos o SUS, que atende a esses casos”.
Interferência e regulação excessivas podem prejudicar a inovação. “Em consequência da própria pandemia, as empresas convencionais demorarão anos para voltar a contratar pessoal. Por isso, essas novas formas de trabalho devem crescer muito. Precisamos encontrar um meio-termo que proteja tanto os trabalhadores como o negócio das empresas”, defende Pastore.
O problema é que os motoboys de aplicativos são apenas uma categoria entre as muitas que estão surgindo, não só com a maior utilização de mecanismos de tecnologia da informação, mas também pela nova organização do trabalho em todo o mundo. E já não é possível atender a cada segmento novo que apareça. / COM GUILHERME GUERRA
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