A Justiça do Trabalho passou a autorizar
a quebra de sigilo de e-mail pessoal de
ex-funcionário e até mesmo busca e
apreensão de computadores e
smartphones. Há decisões nos Estados de
São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito
Santo. Essas medidas, porém, só têm sido
autorizadas em casos excepcionais.
Nos pedidos, os empregadores alegam
haver indícios de faltas graves, em
desacordo com a política interna das empresas, violação de confidencialidade
ou sigilo e até disseminação de dados concorrenciais. As ações buscam,
normalmente, a reparação de eventuais danos causados e justificar as
dispensas por justa causa. Em alguns casos, há também a quebra de sigilo
bancário.
Em São Paulo, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em Campinas - 15ª
Região determinou, no fim de junho, a quebra do sigilo do e-mail de um exfuncionário de uma empresa no setor de bioenergia, demitido por justa
causa. A empresa entrou com o pedido após detectar que ele teria
encaminhado para o seu e-mail os dados trabalhistas (salário, cargo, jornada,
endereço etc) de aproximadamente três mil funcionários.
A empresa desconfiou que as informações teriam sido encaminhadas a
escritórios de advocacia para captar potenciais clientes. Por isso, entrou com
a ação pedindo a quebra de sigilo e reparação. Por unanimidade, os
desembargadores da 2ª Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2)
determinaram o acesso ao e-mail do ex-funcionário.
Os julgadores entenderam que, ainda que a Constituição assegure o sigilo da
correspondência no artigo 5º, inciso XII, no caso de e-mails, esses dados
estão armazenados em um provedor e, portanto, com uma proteção menor,
que assegura apenas o direito à intimidade (inciso X do artigo 5º da
Constituição). Eles citam, na decisão, entendimento da 2ª Turma do
Supremo Tribunal Federal (STF) nesse sentido (HC 91867).
A decisão ainda destaca que o artigo 7º, inciso III, do Marco Civil da Internet
(Lei nº 12.965, de 2014) dispõe sobre a inviolabilidade e sigilo das
comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial. E que fica
claro no artigo 22 da mesma lei a possibilidade de quebra de sigilo para
instrução em processo penal ou cível - gênero em que, segundo os
desembargadores, se enquadra o processo do trabalho.
"Logo, diante do forte indício de violação de dados e informações
confidenciais das empresas, não há que se falar em violação ao direito líquido
e certo ao sigilo de correspondência do impetrante, num juízo de ponderação
de valores fundamentais", diz em seu voto o relator, desembargador Manuel
Soares Ferreira Carradita.
Especial
considerado inédito pelos desembargadores, é um importante precedente.
"Normalmente há uma barreira muito grande para se conseguir a quebra da
correspondência eletrônica de funcionário", diz. O que, acrescenta, reforça a
prática de alguns de enviar informações confidenciais para o seu e-mail
pessoal.
Decisões como essa, segundo ele, asseguram que as empresas tenham acesso
às provas que possam caracterizar eventuais infrações graves cometidas por
ex-funcionários.
"Esse posicionamento que ganha corpo na Justiça deve
começar a inibir eventuais condutas antiéticas de trabalhadores."
Em um outro caso, a Justiça do Trabalho foi além. Em janeiro, a juíza Marly
Costa da Silveira, da 34ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, concedeu
liminar para que fosse realizada busca e apreensão do conteúdo integral do
computador, laptop, HD externo e pen drive de um ex-gerente de um banco
que cuidava de contas de clientes com patrimônio acima de R$ 5 milhões.
Segundo o processo, ele tinha acesso a dados sigilosos de cerca de 200
clientes (dados cadastrais e financeiros) e teria encaminhado essas
informações para seu e-mail antes de pedir demissão, após cerca de oito anos
na instituição financeira.
Na decisão, a magistrada levou em consideração a possibilidade de uso de
informações sigilosas e o "dever das instituições financeiras em conservar
sigilo em suas operações e às informações que obtiver no exercício de suas
atribuições, nos termos da Lei Complementar nº 105, de 2001".
A advogada Juliana Bracks, do Bracks Advogados Associados, que defende o
gerente do banco, afirma que comprovará que, apesar dele ter repassado os
dados para seu e-mail, não atua mais na área e mudou-se para Portugal, onde
faz mestrado.
Para a advogada, esse movimento das empresas envolve um aspecto
pedagógico. "A ideia é reforçar as boas práticas de compliance. O país passa
por uma crise ética e as companhias querem dar um exemplo categórico de
que não vão tolerar qualquer transação duvidosa ou deslize." Os juízes,
porém, acrescenta, só têm admitido a quebra de sigilo "quando há reais
indícios e presunção de que houve algo errado".
No Espírito Santo, em um caso julgado em 2017, a 2ª Turma do TRT
manteve a quebra de sigilo de e-mail de um ex-empregado de uma grande
indústria que teria enviado informações estratégicas da companhia, por meio
de seu e-mail pessoal, para funcionário que trabalhava na concorrência.
"Com essa atitude, o reclamante quebrou a confiança nele depositada ao
revelar para terceiros, notadamente concorrente de seu empregador, as
informações sigilosas que tinha conhecimento, em razão do desempenho de
suas funções. Desse modo, não há dúvidas de que a conduta do reclamante
representa falta grave a autorizar a aplicação de justa causa", diz em seu voto
a relatora, desembargadora Claudia Cardoso de Souza.
Além da quebra de sigilo de dados, a Justiça do Trabalho também tem
liberado o acesso a informações bancárias. O TRT do Rio de Janeiro
recentemente autorizou a medida no caso de uma ex-funcionária de uma
clínica médica, demitida por justa causa. Ela é acusada de desviar valores de
honorários médicos. Esse caso, assim como os demais, corre em segredo de
justiça.
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