Alguns leitores consideram um erro a Folha ter aceitado a parceria com o site
Confesso que como já havia escrito sobre os vazamentos de conversas entre procuradores e o ex-juiz e hoje ministro da Justiça, Sergio Moro, aguardava a evolução da parceria entre a Folha e o The Intercept Brasil para voltar ao assunto.
O leitor não concordou. Muitos deles, alguns bem incisivos, escreveram dizendo que esperavam que me posicionasse no último domingo (30).
“A ombudsman amarelou. Prima pela omissão, a exemplo de sua última coluna.”
“Você vai apontar os erros da Redação e denunciar a parcialidade do jornal ou vai se omitir?”, cobrou outro.
Muitos veem com desconfiança a decisão da Folha de analisar o material em conjunto com o The Intercept.
A percepção é que o jornal está doando a sua credibilidade ao jornalista Glenn Greenwald, sabe-se lá sob quais condições, e está usando material que, além de obtido ilegalmente, pode não ser real.
O jornal de fato empresta sua credibilidade ao site de notícias, o que não é incomum. Consórcios de notícias são formados no mundo todo, em especial quando o material sob análise é vasto, dando às reportagens um alcance maior do que teriam.
Se disso saírem matérias escritas com precisão e que garantam espaço ao contraditório, lá na ponta essa credibilidade tende a aumentar.
Além da Folha, a Veja também topou produzir matérias a partir das mensagens obtidas pelo The Intercept, mostrando em sua edição mais recente que Moro sugeriu à Lava Jato inclusão de prova contra réu e levantando mais suspeitas sobre a imparcialidade do juiz.
Um argumento muito usado por leitores que são contrários à publicação do material se refere à suposta forma criminosa pela qual ele pode ter sido obtido, violando a comunicação privada de Moro e dos procuradores.
Como disse em minha primeira coluna sobre o tema, isso não impede a publicação do material.
Se o jornalista não participou nem induziu a violação, ele conta com proteção legal, sobretudo se o conteúdo tem interesse público.
Não cabe ao veículo julgar a forma de acesso ao material ou esperar que ela seja julgada para só então publicá-lo. O que o jornalista não pode é participar da prática ilegal.
Ainda assim, questionam alguns leitores, não seria mais prudente publicar o material apenas após a comprovação de sua autenticidade?
Penso que não. O tempo da notícia é outro e, nele, ninguém quer ficar para trás. Além disso, há indicativos de que o conteúdo seja íntegro.
Os envolvidos, a princípio, não negaram as conversas. E as mensagens trocadas entre profissionais do jornal e integrantes da força-tarefa estão todas preservadas, como também atestou a Veja.
Uma perícia das conversas feita de modo independente ajudaria a amenizar esse clima de conspiração?
Talvez. A própria Folha não descarta essa hipótese.
Talvez. A própria Folha não descarta essa hipótese.
Roberto Dias, secretário de Redação, diz que uma perícia parece fazer sentido no caso das mensagens de voz —mas não nos arquivos de texto.
Especialistas indicam que não há perícia possível nos textos sem os arquivos originais. Ocorre que não se sabe se os envolvidos entregaram os celulares para análise ou se têm interesse em entregá-los.
Ademais, já disseram que as mensagens foram apagadas, no que pode ser uma estratégia para impedir a comprovação.
Sobre a parceria, Roberto Dias diz que a análise do material é feita pelos dois veículos e que, na Folha, é publicado apenas o que o jornal considera noticioso.
Os textos são escritos pelos repórteres da casa e editados pelo jornal. Os três repórteres têm acesso livre ao material, com a condição de que isso seja feito dentro da Redação do The Intercept.
Por fim, há quem questione se seria correto ter uma parceria com um site de notícias “com viés à esquerda”.
A meu ver, isso não é indício de adulteração do material.
Pessoalmente, não me agrada a forma pouco sóbria como Glenn Greenwald se coloca nas mídias antes da publicação de cada reportagem. Mas isso também não diz nada sobre a veracidade do material.
Em tempo. Na semana passada, a Justiça julgou improcedente um pedido para barrar reportagens do jornal O Estado de S. Paulo sobre conteúdos telefônicosobtidos no âmbito de uma operação que ligava José Sarney, então presidente do Senado, a contratações de parentes e afilhados.
A decisão ocorre dez anos após a primeira matéria veiculada. Depois disso, o jornal foi proibido de escrever qualquer coisa adicional a respeito.
É um bom exemplo de que conveniências políticas ou econômicas podem matar o jornalismo que, diferentemente da ombudsman, não pode pecar por omissão. Tanto tempo depois, que efeito teria esse conteúdo?
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