quinta-feira, 11 de julho de 2019

FERNANDO AURELIO ZILVETI A real fonte do problema, FSP

Não há reforma possível sem atacar o gasto público

Fernando Aurelio Zilveti
Entre inúmeros anúncios de medidas econômicas, muitas apenas no plano hipotético, a reforma tributária parece estar caminhando com mais seriedade, principalmente no Congresso. Não há sequer muita oposição ao plano de reforma, uma vez que todos sabem das mazelas do sistema tributário nacional, confuso e burocrático, embora eficiente na arrecadação.
A sobreposição de impostos sobre o consumo no Brasil data do século 16, desde o descobrimento. Os portugueses não trouxeram apenas o atraso inquisitorial religioso e as doenças europeias para os trópicos. A tributação caótica feudal veio com o Império, aplicando os mesmos tributos em sua colônia, sobrepondo outros para a riqueza extrativa. 
O modelo caótico perdurou até a última metade do século 20, quando foi criado o sistema tributário brasileiro, com o Código Tributário Nacional (CTN), com competências tributárias para os entes federados. 
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A ideia era eliminar a sobreposição de tipos tributários. O CTN trouxe aparente segurança jurídica ao contribuinte, que soube afinal para quem pagar cada tributo, sobre a indústria, a mercancia e os serviços. 
Nos anos seguintes, porém, a União, os estados e os municípios voltaram a atacar o bolso do contribuinte, reintroduzindo diversos tributos e alterando as bases tributárias, retomando a sobreposição nefasta. 
O CTN, portanto, não foi suficiente para que o país tivesse um sistema tributário federal efetivo. 
Apesar de mudanças em regras tributárias, gastos públicos seguiram sem freios
Apesar de mudanças em regras tributárias, gastos públicos seguiram sem freios - Gabriel Cabral/Folhapress
A Constituinte de 1988 corrigiu esse problema, estabelecendo competências tributárias federais. O movimento federalista logrou ajustar as bases sistêmicas de uma federação, num formato constitucional rígido. 
A Carta trouxe os tributos em espécie, taxativamente definidos com as competências, distribuídos entre União, estados, municípios e o Distrito Federal. A ideia brasileira de descrever tributos na Constituição foi fruto da federação trina, que prevê competências de arrecadação típicas da federação, tanto no modelo europeu quanto no anglo-saxão.
Para evitar a criação de novos tributos, o elenco constitucional é taxativo, excepcionadas as contribuições sociais, de competência da União. Assim, desde 1988 o contribuinte não viu mais múltiplos tributos em espécie e foram respeitadas as competências tributárias autônomas. 
Os gastos públicos, no entanto, seguiram sem freio. O legislador tentou contê-los com a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas as autonomias na criação de despesas, especialmente com pessoal, transformaram os entes federados em massas falidas. 
Afinal, a proposta de reforma tributária em tramitação no Congresso unifica tributos sobre o consumo, quando o problema real está nos gastos públicos. Empulha o contribuinte com palavras de ordem, como simplificação e modernização. Eliminar competências tributárias é inconstitucional e não ataca o problema fiscal do Estado brasileiro.
O verdadeiro problema está na federação constitucionalmente atada nas competências tributárias, porém desatada nas competências de geração de gastos. Não há reforma possível se não for resolvida a questão do gasto público, pois qualquer tributo que substituir os já existentes será insuficiente para acudir os entes federados insolventes.
Fernando Aurelio Zilveti
Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), mestre em direito constitucional e doutor em direito tributário pela Faculdade de Direito da USP

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