quinta-feira, 11 de julho de 2019

Cada coisa no seu lugar, Maria Hermínia Tavares de Almeida, FSP

Não fará mal às oposições democráticas colocar a luta contra a corrupção na agenda

Maria Hermínia Tavares de Almeida
Progressistas de todos os matizes precisam dar atenção especial aos resultados da pesquisa Datafolha do último fim de semana. Mais da metade dos entrevistados (58%) reprova as conversas do então juiz Sergio Moro com os procuradores da Operação Lava Jato. Igual porcentagem considera que, tendo sido imprópria a conduta do hoje ministro da Justiça, suas decisões deveriam ser revistas.
No entanto, um contingente quase igual (55%) considera o trabalho da Lava Jato bom ou ótimo, ante 18% que o avaliam como ruim ou péssimo. É da mesma ordem o apoio a Moro ministro (52%). Não surpreende que a percepção positiva seja maior entre os eleitores de Bolsonaro e os que aprovam o seu desempenho.
Só que cinco em cada dez entrevistados que votaram em branco, ou se abstiveram, ou ainda anularam o voto também aplaudem a Lava Jato; fazem-lhes companhia pouco mais um terço dos eleitores de Haddad.
Para parte do público uma coisa é a conduta condenável de Moro, outra são os resultados da operação que expôs o conluio entre grandes empresas, figurões do governo e dirigentes dos principais partidos brasileiros nos colossais contratos da Petrobras. A operação desembocou, segundo a contabilidade oficial, na condenação de 159 pessoas, devolução de R$ 14 bilhões ao erário e geração de R$ 24 bilhões em créditos tributários.
A Lava Jato também engendrou o terremoto que fraturou o sistema partidário da Nova República, abrindo caminho para a chegada da extrema direita ao poder. Talvez não precisasse ser assim, fosse outra a reação do PT e do PSDB. Mas passemos.
O que sobressai da sondagem é que a repulsa à corrupção está a léguas de se circunscrever aos que veneram o "mito" e —​em nome da batalha contra o que chamam de "velha política"— enxergam em Moro um super-herói credenciado a cruzar a linha da legalidade que separa o juiz do justiceiro. Nada mais natural numa democracia em que a sociedade tem a seu alcance farta e fundamentada informação.
Se não por princípio, ao menos por interesse elementar, as oposições democráticas precisam inscrever o combate à corrupção na primeira página de sua agenda. Isso o resgataria do moro-bolsonarismo, promovendo a busca de soluções institucionais que reduzam a influência de dinheiro não contabilizado nas campanhas eleitorais, a propina nas obras públicas e o tráfico de cargos para engordar o caixa do partido e o patrimônio de seus dirigentes. Além de novas regras que permitam ao sistema de justiça apurar, julgar e punir —dentro da lei. Sem elas, a luta contra a corrupção continuará servindo à extrema direita.
Maria Hermínia Tavares de Almeida
Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. Escreve às quintas-feiras.

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