quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Tom Zé na Academia, José Renato Nalini, OESP

 José Renato Nalini*

28 de setembro de 2022 | 06h00

Tom Zé. FOTO: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Ontem a Academia Paulista de Letras procedeu à apuração da eleição para a Cadeira 33, aberta com a partida do insubstituível Jô Soares. O Jô, tão bem-humorado e irreverente, com certeza ficou feliz. Seu sucessor é Tom Zé, como é conhecido o baiano de Irará, nascido Antônio José Santana Martins. Um fabuloso poeta, desde criança talentoso para a composição, estudou música na Universidade Federal da Bahia.

Sua criativa originalidade o situa dentre os mais importantes músicos brasileiros. Manteve-se em constante e intensa atividade. Nada lhe é desapercebido na complexa vida brasileira, com expressiva atuação na Tropicália. Escolheu São Paulo para residir e, depois de atuar com Caetano e Gil, Gal e Maria Bethânia no espetáculo “Nós por exemplo nº 2”, em Salvador, vem para cá e participa do “Arena Canta Bahia”, dirigido por Augusto Boal. Gravou o álbum que lançou o tropicalismo: “Tropicália ou Panis et Circensis”, em 1968.

Nesse ano, merece o primeiro lugar no IV Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, com a consagrada “São Paulo, Meu Amor”. Seu amor por São Paulo não parou aí. Confessa, na verdade, “um apavorante amor”. Sua música “Augusta, Angélica e Consolação” é um verdadeiro hino para esta pauliceia desvairada que o acolheu.

Fez sucesso nos Estados Unidos e na Europa, muito elogiado pela crítica. O álbum “Com defeito de fabricação”, de 1998, foi um dos dez melhores do ano, eleito pelo The New York Times. Sempre pioneiro, compôs música para o vanguardista balé do Grupo “Corpo”. A editora italiana Add lançou a primeira biografia autorizada, chamada “L’ultimo tropicalista”, de Pietro Scaramuzzo e o livro “Tom Zé: Tropicalista Lenta Luta”, possui deliciosas passagens de sua vida, narradas por ele mesmo.

Torcedor fanático do Corinthians, chegou a compor música para o jogador Neto, o “Xodó da Fiel”, que não foi convocado para a Copa de 1990.

Pessoalmente, admiro nele a devoção pela natureza. Ele escreveu o texto “Ecologia: sem auréola, ridículo”, para Eco-2002, da Cúpula Rio + 10, realizada em Johanesburgo. Vinte anos depois, sua fala mostra-se atualíssima: “À parte ser uma decência, a Ecologia tem de ser antipática quando é preciso, menos-votada. Arrostando o ridículo, trocando auréola e armadura pelo chapéu de palhaço. E saber: continuará ouvindo os mesmos nãos destes anos todos e muitos mais”.

Toda a razão com Tom Zé: “Entrar na raiva e sair dela: a compreensão de que para cuidar da Terra, de suas águas, você é empurrado para lidar com a feiura de gabinetes, ardis, bolsas de valores, mentiras e cegueira – essa compreensão pode dar resultado. Olhai pelos que bebem água no ano 2200, que já é hoje, o tempo passa, passando a perna até nos impérios predadores”. O Brasil que hoje destrói inclemente os seus biomas, o faz por cupidez. Se “nos gabinetes políticos come e dorme aquela ignorância”, “é necessária, para agir, uma compreensão profunda da ganância, estudá-la e aos seus mecanismos, pulando por cima do horror”.

Tom Zé não é apenas poeta, músico e compositor, ecologista convicto. É um erudito. Um artigo dele publicado no Jornal do Brasil em dezembro de 1999, no limiar do emblemático ano 2000, elenca os “10 ícones do século 20”. Menciona e discorre sobre Sigmund Freud, Igor Stravinsky, Schoenberg, Charles Ives, Santos Dumont, Bossa Nova, Inventividade-Criatividade brasileira (de que é raro e paradigmático exemplar), Max Planck, James Joyce e H.J. Koellreutter.

Singularíssima a sua contribuição para o livro “Alma Paulista”, com o texto “O cidadão-dormitório (corpo onde dorme um ser)”. Em relação ao título da obra, afirma: “Não quero fazer a subdivisão triádica e complicada de Walt Whitman, que divide o homem em ego, ser e alma. Emprego a que hoje é mais comum, simplificada: o ter (personalidade, ego) e o ser (essência, alma)”.

Alma de menino irrequieto e travesso, a cantar, a gingar, a motivar o grupo que o acompanha nos concorridos shows, um dos quais tive oportunidade de assistir no último sábado, no SESC-Vila Mariana. Tom Zé contagia com sua alegria, com o seu fervor artístico mas também ético e patriótico. Nada passa ao largo de seu tirocínio. Tudo se transforma em música e testemunho poético de seu tempo.

Fizeram bem os acadêmicos bandeirantes ao elegê-lo para a Cadeira 33 da Academia Paulista de Letras. Sucessor à altura de Jô Soares, que ajuda a nos confortar a dolorosa perda. Bem-vindo, Tom Zé!

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022

Elio Gaspari - Lula pode fechar a conta, FSP

 A pesquisa do Ipec mostrou uma leve oscilação dos entrevistados a favor da possibilidade de Lula liquidar a eleição no domingo. Coisa leve, mas esparramada: o petista subiu um ponto, dentro da margem de erro e a rejeição a Bolsonaro também cresceu um ponto, para 51%. Sempre dentro da margem de erro.

Pelo andar da carruagem, o debate desta quinta (29) na TV Globo, bem como a divulgação dos números do Datafolha, trarão fortes emoções. Enquanto os candidatos pouco podem fazer para mudar os números de uma pesquisa, um debate é coisa que depende deles.

Candidatos durante debate promovido por Folha, UOL e TVs Band e Cultura - Marlene Bergamo - 28.ago.22/Folhapress

Lula teve um desempenho bisonho no debate da TV Bandeirantes e decidiu não ir ao do SBT. Em nenhum dos dois Jair Bolsonaro teve um bom desempenho e é sempre bom lembrar que ele se elegeu em 2018 faltando a todos os debates.

Amanhã, o debate da Globo terá a mesma característica dos demais: os candidatos são dois (Lula e Bolsonaro) e os demais poderão se julgar vencedores se conseguirem jogar a decisão para o segundo turno. Ciro Gomes e Simone Tebet estarão lá por direito de conquista. Já o pitoresco padre Kelmon irá ao ar levado por uma excentricidade da legislação. Formalmente, ele é sacerdote da igreja ortodoxa do Peru. Na vida real, substitui o deputado Roberto Jefferson, considerado inelegível pela Justiça.

Se fosse possível filtrar o debate, fixando-se no desempenho de Bolsonaro e Lula, as coisas ficariam melhores, mas só até certo ponto. Isso porque Bolsonaro já mostrou que é ruim de debate e Lula, bom de palanque, é imprevisível nesse tipo de confronto. Falta a ambos, nos debates como na vida real, a serenidade de Fernando Henrique Cardoso.

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Dois meses de campanha mostraram que as balas de prata de Bolsonaro eram de vidro e se quebraram. Em 2018 ele prevaleceu cavalgando as crises dos governos anteriores. Agora, o capitão cavalga o pangaré de sua administração. Como bem lembrou Eliane Cantanhêde, o general da reserva Augusto Heleno escreveu um artigo pedindo aos eleitores que não votem em Lula.

Ok, diria o capitão, mas em cerca de quatro mil palavras o general não se referiu ao governo a que serve desde 2019. Nem uma palavra. O artigo ecoa a retórica de Fernando Collor na eleição de 1989. Deu no que deu.

O conservadorismo brasileiro recolocou Lula na porta do palácio, porque atou-se ao atraso de forma inédita no período republicano. Mesmo no Império, só na década de 1840, o Regresso misturou-se ao estímulo ao contrabando de negros d'Africa. (Qualquer semelhança com os desmatamentos ilegais e as milícias amazônicas é mais que coincidência. A História não se repete, mas rima, ensinou Mark Twain).

Em 2018 o general fustigava os políticos do Centrão. Em 2022 convive com parte dele (a outra parte está calada ou já aderiu a Lula). Justificando-se, disse que "a evolução de opinião faz parte da vida do ser humano".

São muitos os conservadores que diante do dilema Lula x Bolsonaro ficaram com o ex-presidente. De esperança em 2018 com seu pitoresco Posto Ipiranga, Bolsonaro tornou-se pesadelo para boa parte dos conservadores em 2022.

Foi a qualidade da administração de Bolsonaro que levou o ex-ministro Joaquim Barbosa, o ferrabrás do mensalão, a gravar uma mensagem de apoio a Lula.


A polêmica cobertura que desfigurou a Praça do Patriarca, FSP

 Douglas Nascimento

SÃO PAULO

Quando se trata de nomenclaturas, praças e monumentos públicos, prefeitos e vereadores de São Paulo tem a peculiar característica de fazer coisas sem sentido ou malucas, que deixariam qualquer visitante perdido ou com um ataque de riso.

Já parou para pensar que a Praça Princesa Isabel não tem qualquer homenagem a ela, mas ao Duque de Caxias? Eu particularmente esperaria ver uma estátua da princesa ali, que aliás não é homenageada em canto algum da cidade com uma escultura.

Ou ainda a Estação Liberdade da linha azul do Metrô, estupidamente rebatizada para Japão-Liberdade, dando a falsa impressão que o nome "Liberdade" é relacionado aos imigrantes orientais, quando na verdade é ligado aos negros e a escravidão, ou seja, um verdadeiro apagamento da história negra.

E também temos a Praça do Patriarca que aberta em 1912, só teve uma homenagem ao patriarca da Independência do Brasil, 60 anos depois, com a inauguração de um monumento. De 1926 até meados da década de 1930 existia ali um lampadário projetado por Ramos de Azevedo.

fotografia antiga da praça do Patriarca
Praça do Patriarca na década de 1930, destaque no centro lampadário projetado por Ramos de Azevedo. - Divulgação

Contudo o que há de mais controverso ali atualmente é a horrorosa cobertura instalada em 2002 pela prefeitura de São Paulo, projetada por Paulo Mendes da Rocha.

Em 2003 este famoso arquiteto disse a esta mesma Folha que "arquiteto não fala de obra de colega". Felizmente eu não sou um e posso dizer que a estrutura desproporcional que ele projetou e a prefeitura construiu, destruiu uma das mais belas vistas que São Paulo tinha, onde do centro velho podia-se observar a esplanada do Theatro Municipal e seus arredores.

Cobertura da Praça do Patriarca
Monstrengo inaugurado em 2002 obstruiu a vista para o centro novo e de edifícios tombados. - Douglas Nascimento/São Paulo Antiga

Claro que se você for mais adiante, ao nível da Rua Líbero Badaró, até tem a vista que comento, mas não é a mesma coisa. A cobertura é um desastre sob diversos pontos de vista, entre eles a observação de algumas arquiteturas históricas da cidade, como a Igreja de Santo Antônio, e os vários edifícios tombados da mesma Praça do Patriarca, sem contar a da antiga sede da Matarazzo, atual sede do poder executivo municipal, que some por trás do "chapéu da Dona Marta" como muitos chamam a obra, parida a fórceps durante o mandato de Marta Suplicy como prefeita da capital.

Pouco depois de sua inauguração a obra que não agradou aos paulistanos e só empolgou arquitetos, seu autor e à prefeita da época, foi alvo de algumas tentativas de remoção, como durante a gestão do prefeito seguinte, José Serra, que, conta-se, odiava a estrutura. Seu sucessor, Gilberto Kassab também cogitou a remoção. Infelizmente não tiveram êxito.

Cobertura da Praça do Patriarca
Imóveis históricos da Praça do Patriarca tem a observação comprometida pela cobertura. - Douglas Nascimento/São Paulo Antiga

A cobertura é um projeto de 1992 da Associação Viva o Centro, sendo pretensioso demais por querer ser maior do que a própria Praça do Patriarca representa, através de suas medidas exageradas que até hoje só serviram de abrigo noturno para mendigos, talvez essa a única utilidade nobre a que esta estrutura se presta.

A primeira cobertura da praça era discreta e bonita, com medidas proporcionais com a dimensão da área mas teve vida breve, sendo substituída nos últimos anos da década de 1950 por uma outra estrutura, essa sem graça ou delicadeza alguma, que por sua vez foi abaixo para dar lugar a esta atual.

vista de praça no centro de São Paulo
A primeira cobertura da entrada da Galeria Prestes Maia era pequena, bonita e cumpria seu papel. - Divulgação/São Paulo Antiga

Outra polêmica, esta um tanto desrespeitosa, foi que com a instalação desta nova cobertura o Monumento a José Bonifácio, originalmente instalado no centro da praça, foi jogado para um canto dela de frente para a Rua Direita, como que se o homenageado fosse menos importante, ou irrelevante.

Paulo Mendes da Rocha foi um dos grandes nomes da arquitetura brasileira, disso não tenho dúvida. Porém esta obra foi um grande equívoco que precisa ser revisto. Aliás, este ilustre arquiteto no final da vida deu de ombros à cidade que tantos de seus projetos acolheu, doando seu acervo a uma instituição além-mar, em Portugal, como se nós não fôssemos dignos de ter por aqui seu rico acervo, quando na verdade é a sua cobertura que não é digna da Praça do Patriarca.

Veja mais fotos da Praça do Patriarca e sua cobertura: