sexta-feira, 29 de julho de 2022

'Pico da Neblina' deixa maconha de lado e ganha anti-herói na 2ª temporada, FSP

 Não é comum a troca de escritores de uma temporada para outra de uma série, menos ainda se ela estiver sendo bem-sucedida. É compreensível, portanto, que os fãs de "Pico da Neblina" estivessem apreensivos com as mudanças na sala de roteiro.

A produção da HBO passa no teste. Não que a saída de Chico Mattoso e parte da equipe não tenha efeito —ela teve. Ainda que inferior à temporada inicial, entretanto, este segundo ano da produção a mantém como uma das melhores séries feitas no Brasil recentemente.

Os diálogos bem dosados continuam lá, com as suas gírias paulistanissímas, enquanto o tom de crítica social mordaz esmaeceu um pouco.

Cena da segunda temporada de 'Pico da Neblina', da HBO Max - Divulgação

O Brasil fictício onde a maconha foi liberada pelo Congresso e seu impacto sobre o tráfico, o crime, o comércio, as empresas já nos foi apresentado por meio da história dos amigos Biriba (Luís Navarro) e Salim (Henrique Santanna), e a nova temporada parte para questões mais individuais.

O primeiro foi absorvido pelo novo (e ultrapublicitário) mercado legal, o segundo está cada vez mais embrenhado nas fileiras do crime organizado, sem que as duas coisas sejam totalmente dissociadas. No meio está Vini (Daniel Furlan), filho de empresário que faz de Biriba seu sócio e logo cai em desgraça.

O crime pequeno, claro, é trucidado pelo crime organizado, seja aquele comandado por grandes organizações fincadas em favelas e bairros pobres, seja aquele que se pratica em jantares e mesas de negócios de escritórios luxuosos. Esse era o mote em 2019.

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Agora essa história fica no fundo, junto com a maconha. Ganha terreno o drama familiar dos dois amigos, cada um a seu modo, e a trama policial que se desenrola em torno do personagem CD (Dexter).

Casado com a irmã mais velha de Biriba, Kelly (Leilah Moreno), CD é oficial de média patente em uma organização à la PCC. Está na mira da polícia e de seus correligionários, e todos se voltam para seu cunhado como forma de atingi-lo mais rápido.

Por causa das atuações excepcionais de Dexter e Moreno, ambos egressos da música, é difícil dar atenção a qualquer outro aspecto da trama.

Cena da segunda temporada de 'Pico da Neblina', da HBO Max - Divulgação

A relação dos dois, com a evolução da ambição pessoal de Kelly, ganha a cada episódio novas camadas —dramática, cômica e também realista em relação a como se espraia um relacionamento tóxico e seus mecanismos econômicos e familiares. Eventualmente, no limiar do suspense.

Talvez por estar voltada também a um crescente mercado externo, contudo, a série perde os traços que a tornavam tão representativa do Brasil. Algo do humor resiste, mas as cenas emprestam cada vez mais elementos visuais e de edição de "Breaking Bad", "Sopranos" e outros sucessos do gênero, o que reforça o crescimento do personagem CD como o anti-herói da vez.

Há mais de meia temporada pela frente, ainda, e não dá para saber se "Pico da Neblina" enveredará pela redenção que tanto agrada ao público brasileiro. Se for se espelhar nas pares americanas, não.

A segunda temporada de 'Pico da Neblina' está na HBO, com novos episódios aos domingos

quinta-feira, 28 de julho de 2022

26.07.22 | Energia solar térmica: crescimento expressivo, potencial reprimido

 

Fonte: Procel Info - 26.07.2022
Divulgação
Por Luiz Antonio dos Santos Pinto*

São Paulo - Considerando os significativos ganhos econômicos e ambientais, é animador observar que, em 2021, o Brasil foi o segundo país no qual mais cresceu a utilização da energia solar térmica, com expansão de 28% em relação a 2020. O volume de produção de coletores solares térmicos somou 1,81 milhão de metros quadrados. Ficamos atrás apenas da Itália, onde o aumento foi de 83%. Mas, podemos e devemos ir além!

Os números, constantes do novíssimo estudo Solar Heat World Wide/Aquecimento Solar no Mundo, realizado pela Agência Internacional de Energia (IEA), mostram que muitas nações vão percebendo cada vez mais a importância dessa fonte limpa, inesgotável, econômica e ambientalmente correta: seguindo-se ao Brasil, os Estados Unidos apresentaram avanço de 19%, a Grécia, 18%, Polônia, 17% e Índia, 16%. A China, maior mercado do mundo, ficou estabilizada, com aumento de apenas 1%.

Na média internacional, o crescimento foi de 3%. Na década, entre 2000 e 2021, a capacidade da energia solar térmica passou de 62 gigawatts (com 89 milhões de metros quadrados de coletores solares térmicos) para 522 gigawatts, com 746 milhões de metros quadrados de coletores solares térmicos. Além da economia de empresas e famílias, os ganhos ambientais são muito expressivos: em termos mundiais, os sistemas de aquecimento solar instalados em 2021 proporcionaram economia de 45,7 milhões de toneladas de petróleo e reduziram em 147,5 milhões de toneladas a emissão de dióxido de carbono (CO₂). Sem dúvida, trata-se de significativa diminuição de gases de efeito estufa.

O Brasil tem 21 milhões de metros quadrados de coletores solares térmicos instalados, com capacidade de 14,7 gigawatts. Essa estrutura, além de contribuir para o alívio do setor elétrico, dispensando o equivalente em energia para aquecer a água dos banhos, principalmente em horário de ponta, evita a emissão de mais de quatro milhões de toneladas de dióxido de carbono, ajudando assim a sustentabilidade do planeta.

É interessante notar que, além das residências, indústrias e estabelecimentos comerciais, o aquecimento solar tem sido aplicado em espaços e edifícios públicos, principalmente hospitais, centros esportivos e hotéis.

A energia térmica solar também apresenta estatísticas interessantes quanto ao seu potencial de gerar investimentos e empregos. O número de postos de trabalho nas áreas de produção, instalação e manutenção dos equipamentos e sistemas era de 380 mil em todo o mundo em 2020, conforme o estudo da IEA. O volume global de negócios estimado para o setor, no mesmo ano, era de US$ 18,7 bilhões (R$ 100,36 bilhões, ao câmbio oficial de 18 de julho de 2022). No Brasil, onde a atividade emprega hoje 46 mil pessoas, estimamos que, em 2022, o número de admissões de trabalhadores cresça 22%. No ano passado, foram seis mil contratações.

No nosso país, os aquecedores solares estão presentes há mais de 40 anos. São altamente eficientes e sua tecnologia e matérias-primas são quase 100% nacionais. São a alternativa mais eficaz para reduzir o consumo dos chuveiros elétricos, que sobrecarregam muito o sistema nos horários de ponta (entre 17 e 21 horas), representando mais de 7% de toda a eletricidade gasta no Brasil e cerca de 40% da residencial, segundo dados do Balanço Energético Nacional da Empresa de Pesquisa Energética (EPE, 2021) e Pesquisa de Posse de Hábitos de Uso e Consumo (Eletrobras, 2019).

A expansão do aquecimento solar no Brasil resulta do grande esforço do setor e da paulatina conscientização da sociedade sobre os ganhos econômicos e ambientais. Entretanto, está muito aquém do potencial nacional. Poderia ser muito mais expressivo se houvesse maior apoio do governo. É lamentável a falta de incentivo por parte de órgãos governamentais a uma tecnologia nacional que propicia grande economia no consumo de energia elétrica pelas famílias, empresas e o País como um todo.

A mera inclusão do segmento na lei nº 14.300/2022, que instituiu o Marco Legal da Microgeração e Minigeração Distribuída, embora importante, é insuficiente para sua disseminação mais ampla. O aquecimento solar de água precisa estar presente nos projetos habitacionais da União, estados e municípios e constar efetivamente da matriz energética nacional e dos planos nacionais do setor.

Os ganhos em termos econômicos para os consumidores, famílias e empresas seriam expressivos com a utilização em maior escala da energia solar térmica, conforme se pode constatar na análise de alguns dados importantes: o consumo de eletricidade no Brasil bateu recorde em março último, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). No período, foram consumidos 44.101 terawatts hora (TWh), o maior índice da série histórica desde 2004. A população brasileira poderia economizar mais de R$ 22 bilhões por ano apenas instalando aquecedores solares em todos os domicílios para aquecer a água do banho. Se o sistema fosse usado também para aquecer água nos processos industriais, a economia poderia ser quintuplicada.

Para se entender como seria viável essa economia, basta fazer a conta: o consumo de energia elétrica em 2021 foi de 500,209 terawatt-hora. Sendo 7% desse total para aquecer água, chegamos ao número 35,015 TWh. O aquecedor solar pode atender mais de 90% (fração solar) desse consumo. Ou seja, os ganhos com sua utilização mais ampla seriam imensos para o País, não apenas em termos econômicos, como também ambientais, evitando-se a emissão de mais oito milhões de toneladas de CO₂.

Com privilegiada localização geográfica, que garante sol praticamente o ano inteiro sobre todo seu território, nosso país tem imenso potencial para utilizar de modo mais amplo essa fonte limpa e inesgotável. Assim, é fundamental que a população entenda cada vez mais os ganhos que pode obter com o aquecimento solar e que as autoridades percebam o quando sua expansão seria positiva para a economia, a matriz energética e o meio ambiente.

*Luiz Antonio dos Santos Pinto, engenheiro, é presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Térmica (Abrasol).

Marcelo Viana - O mistério das pontes de Königsberg, FSP

 Gosto de contar esta história para explicar por que a matemática é muito mais do que "a ciência dos números", porque é um conto de belas ideias matemáticas que têm pouco ou nada a ver com números. Ironicamente, o herói, o grande Leonhard Euler (1707–1783), tinha opinião diferente. Mas temos três séculos de vantagem sobre ele.

A história começa em 1255, quando a cidade de Königsberg foi fundada pelos Cavaleiros Teutônicos junto a uma bifurcação do rio Pregel. O nome ("montanha do rei" em alemão) era homenagem ao rei Ottokar 2º da Boêmia. Ponto de passagem do rico comércio do mar Báltico, Königsberg logo se tornou uma das mais prósperas cidades germânicas e, mais tarde, a capital do ducado da Prússia.

As sete pontes de Königsberg - Reprodução/ilustração Glauco

No início do século 18, a povoação estendia-se por quatro regiões —as duas margens do Pregel, a ilha de Kneiphof, e a massa de terra (Lomse) entre os braços do rio a montante da bifurcação— ligadas por sete pontes: duas pontes para Kneiphof e outra para Lomse em cada margem, mais uma ponte ligando Kneiphof a Lomse.

A essa altura já se tornara folclore na cidade o seguinte problema: é possível fazer um passeio pelas quatro regiões cruzando cada ponte exatamente uma vez? Ele foi proposto a Euler, cerca de 1735, pelo astrônomo Carl Gottlieb Ehler (1685-1753), que depois foi prefeito da cidade prussiana de Danzig (a polonesa Gdansk dos nossos dias).

Euler não ficou impressionado. Na resposta enviada ao colega em março de 1736, escreveu: "Você deve entender, nobre senhor, que este tipo de solução tem pouco a ver com a matemática. Não entendo por que espera que seja um matemático a fornecê-la, e não outra pessoa qualquer, já que a solução está baseada apenas no raciocínio, e a descoberta não depende de nenhum princípio matemático".

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Mas, a essa altura, Euler já enviara a solução para publicação nos anais da Academia de Ciências de São Petersburgo (só seria publicada em 1741). Muito além de resolver o problema de Königsberg, esse trabalho fundou uma nova disciplina matemática, a teoria dos grafos.

"Sua origem foi humilde, frívola até", escreveu o britânico Norman Briggs, "mas a teoria dos grafos capturou o interesse dos matemáticos, tornando-se um assunto com resultados surpreendentemente profundos". E com aplicações em inúmeras áreas da ciência e da tecnologia, que movimentam setores bilionários da economia.

Continuarei a história na semana que vem.