sexta-feira, 30 de maio de 2025

Legalizar sem estimular, Helio Schwartsman, FSP

 Tudo é relativo. O projeto de lei aprovado pelo Senado que restringe a publicidade de bets é preferível à situação atual, em que reclames correm soltos em TVs, rádios e internet, mas eu ainda acho que a versão inicial da proposta, que bania qualquer forma de propaganda, incluindo patrocínios, era melhor.

Não digo isso por moralismo. Defendo há décadas a legalização e a regulamentação do jogo, assim como a de drogas para uso recreativo. E é justamente desse paralelismo que extraio meu argumento antipublicidade.

Anúncio de site de aposta durante partida da Libertadores da América, em São Paulo - Paulo Pinto-16.mai.23/AFP

Há uma diferença entre tirar drogas como maconha e cocaína da ilegalidade, tributá-las e regular as condições em que devem ser produzidas e comercializadas —passos que defendo— e estimular o consumo por meio da propaganda. Eu não gostaria de ligar a TV no horário nobre e dar com belas moças de biquíni anunciando as qualidades superiores de uma determinada marca de cocaína.

O mesmo vale para o jogo. Faz todo o sentido legalizar a atividade e internalizar a cobrança de impostos, em vez de deixar que ela seja capturada pelos países onde as bets tenham sede, mas não vejo nenhum bom motivo para autorizar a publicidade.

Nem penso que isso fira substancialmente o princípio da liberdade de expressão. A possibilidade de restrição à propaganda de produtos nocivos à saúde está prevista no artigo 220 da Constituição e é regularmente aplicada a fumo, álcool e medicamentos.

Até dá para discutir se o termo "restrições legais" usado na Carta é compatível com um banimento total ou se requer que operemos apenas com limitações. Mas, mesmo que se admita a leitura mais estrita, é fácil resolver. Basta circunscrever a propaganda a publicações especializadas, como fazemos com remédios, que só podem ser anunciados em revistas médicas. A Bayer e a Novartis convivem bem com isso.

Cérebros humanos são particularmente vulneráveis a estímulos supernormais como os proporcionados por drogas e jogo. É uma fragilidade irredutível. E não creio que seja ético explorá-la para ampliar lucros.


Carrefour fecha capital no Brasil e engrossa debandada da Bolsa, FSP

 Thiago Bethônico

São Paulo

Carrefour Brasil conclui nesta sexta-feira (30) o fechamento de seu capital no país. Com a retirada de suas ações da B3, a divisão brasileira da varejista deixa de ser uma companhia aberta e passa a ter a matriz francesa como sua única acionista.

A despedida do Carrefour engrossa a debandada da Bolsa de Valores do Brasil vista nos últimos anos. Em um momento de desvalorização do mercado de ações, juros altos e incerteza sobre a condução das contas públicas, empresas passaram a enxergar pouca vantagem em arcar com os custos de se manter listadas.

O cenário se soma à seca de IPOs (oferta inicial de ações, na sigla em inglês), que já se arrasta desde 2021. Sem perspectiva de novas entrantes no curto e médio prazo, a B3 vem encolhendo com o passar dos anos, acendendo alerta entre especialistas.

Logotipo do Carrefour - Eric Gaillard/Reuters

No caso do Carrefour Brasil —ou Atacadão—, a decisão foi aprovada no fim de abril, após a matriz francesa aprovar em assembleia o fechamento do capital da empresa na B3 para reorganizar a estrutura societária da rede varejista.

Em entrevista à Folha em março, o presidente do Carrefour Brasil, Stephane Maquaire, disse que a saída da B3 iria "agilizar as operações". "Ter duas empresas de capital aberto, uma em cima da outra, em dois países diferentes, não facilita. Alinhar as comunicações, a estratégia entre as duas realidades, é sempre um desafio", afirmou à época.

Carrefour Brasil fez sua estreia na Bolsa em 2017, com a ação valendo R$ 15 (cerca de R$ 22,50 em valores atuais). Nesta quinta (29), a companhia fechou o pregão cotada a R$ 8,45 —uma queda de 62% no período.

O fechamento de capital do Carrefour foi feito por meio da incorporação das ações pela matriz. Geralmente, o caminho padrão para sair da Bolsa é via OPA (oferta pública de aquisição de ações).

De acordo com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), duas OPAs de cancelamento de registro foram feitas em 2025, da DM Financeira e da Kora Saúde. Outras duas estão em análise, solicitadas pela Serena Energia e Santos Brasil.

Nos últimos dez anos, 58 operações do tipo foram feitas no país —valor que não considera OPAs de aumento de participação, alienação de controle ou fusões.

No mesmo período, a B3 viu o número de empresas listadas cair de 456, em 2015, para 421 em abril deste ano. Além do fechamento de capital, falências, fusões e aquisições explicam o esvaziamento da Bolsa.

De modo geral, a decisão de abrir capital é tomada por uma empresa interessada em ampliar suas possibilidades de financiamento. Ao vender suas ações a investidores, parte do dinheiro vai para o caixa da companhia e vira investimento, que, por sua vez, fomenta o crescimento da companhia. O lucro é redistribuído aos acionistas, que são remunerados pelo seu investimento inicial via dividendos e valorização dos papéis.

O processo de saída da Bolsa, por sua vez, pode ter várias razões. Leonardo Chagas, especialista e consultor de investimentos da Musa Capital, afirma que os motivos vão desde aspectos econômicos até questões operacionais.

"Talvez o motivo mais óbvio sejam os juros altos. A nossa Selic em dois dígitos torna a renda fixa muito atraente e ao mesmo tempo acaba encarecendo o custo de capital para as empresas, o que vai deprimindo o valor delas na Bolsa", diz.

Leonardo destaca que isso é sintoma da percepção de risco do Brasil, que está muito ligada à questão fiscal e à falta de previsibilidade na condução econômica. "Enquanto o governo não arrumar as contas e restaurar credibilidade, o custo do capital vai continuar sufocando o investimento", acrescenta.

A segunda razão, diz o especialista, é quando os controladores percebem que suas companhias estão baratas na Bolsa, ou seja, que o valor de mercado não reflete o potencial real do negócio.

"Fechar o capital pode parecer para o controlador uma oportunidade de comprar barato ou de ter mais liberdade para reestruturar a empresa longe de pressões trimestrais, de prestação de contas e do escrutínio que o mercado faz."

Ao fechar o capital, a empresa não precisa necessariamente cumprir padrões de governança elevados e regras como a divulgação periódica de informações financeiras e a comunicação de qualquer movimento relevante. Há ainda mais flexibilidade na gestão do negócio, sem ter de prestar contas ou ter a aprovação de demais acionistas.

Para Leonardo, a saída do Carrefour da B3 é um movimento de peso e bastante sintomático. "Não é um caso isolado. Talvez seja o exemplo mais visível dessa tendência que, pelo menos para mim, me preocupa bastante", diz.

PIB

 Leonardo Vieceli

Rio de Janeiro e São Paulo

Puxada pela safra agrícola, a economia brasileira acelerou o ritmo de crescimento para 1,4% no primeiro trimestre de 2025, na comparação com os três meses finais de 2024, apontam dados do PIB (Produto Interno Bruto) divulgados nesta sexta (30) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O resultado ficou próximo da mediana das expectativas do mercado financeiro, que era de 1,5%, de acordo com a agência Bloomberg. O intervalo das previsões ia de 0,9% a 1,9%.

A alta de 1,4% vem após leve variação positiva de 0,1% no quarto trimestre de 2024, conforme dados revisados pelo IBGE. A nova taxa é a maior desde o segundo trimestre do ano passado, quando o avanço foi de 1,5%.

Considerando apenas o período de janeiro a março, o crescimento de 1,4% repete o registrado no início de 2023 (1,4%). O PIB está no maior patamar da série histórica, iniciada em 1996.

A agropecuária cresceu 12,2% ante o quarto trimestre de 2024. Assim, ofuscou os desempenhos mais fracos do setor de serviços, que teve variação positiva de 0,3%, e da indústria, que ficou praticamente estável, com leve recuo de 0,1%.

Um dos fatores apontados para os resultados de serviços e indústria é o choque na taxa básica de juros (Selic), que dificulta o consumo.

O salto da agropecuária veio no embalo da recuperação da safra de grãos, cujo efeito no PIB fica mais concentrado no início do ano. As projeções indicam produção recorde no campo em 2025.

A imagem mostra uma colheitadeira verde em um campo, despejando grãos em caminhão. Ao fundo, duas pessoas estão observando o processo.
Agricultores colhem soja em uma fazenda de Maringá, no Paraná - Rodolfo Buhrer - 3.mar.25/Reuters

A coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, disse que o resultado do PIB tem "super a ver" com a retomada da safra. O aumento de 12,2% é o maior da agropecuária desde o primeiro trimestre de 2023 (13,8%).

Melhores condições de clima, base de comparação fragilizada e ganhos de produtividade nas lavouras contribuem para a produção maior, segundo a pesquisadora.

"A conjuntura [no campo] está toda favorável para esse bom resultado do primeiro trimestre puxado pela agropecuária", afirmou.

Além da ajuda da safra, o mercado de trabalho seguiu mostrando sinais de força com a geração de empregos formais e renda, após uma série de medidas de estímulo do governo Lula (PT) na economia.

Isso, conforme Rebeca, beneficiou o consumo das famílias, que cresceu 1% ante o quarto trimestre de 2024, apesar do aumento dos juros. Houve uma aceleração desse componente depois da queda de 0,9% no final do ano passado.

"Tem coisas que prejudicam [o consumo], como inflação bem resiliente e política monetária restritiva. Mas a gente continua tendo melhora do mercado de trabalho, o crédito continua crescendo", apontou a técnica do IBGE.

Outro componente do PIB que acelerou foi a FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), que mede o nível de investimentos produtivos na economia.

Houve alta de 3,1% no primeiro trimestre de 2025, depois de um avanço de 0,7% no período de outubro a dezembro de 2024.

"O investimento tem muito a ver com importação e com internet e desenvolvimento de sistemas [softwares]", afirmou Rebeca.

APERTO DOS JUROS DESAFIA PRÓXIMOS TRIMESTRES

A taxa básica de juros, a Selic, fechou o primeiro trimestre em 14,25% ao ano e voltou a subir em maio, para 14,75%, o maior patamar em quase duas décadas. O aperto praticado pelo BC (Banco Central) busca frear a inflação e ancorar as expectativas dos agentes financeiros.

Ao longo de 2025, economistas apostam em um ritmo menor do PIB. A previsão está associada ao fim do impulso da safra agrícola e à manutenção dos juros em patamar elevado. A Selic de dois dígitos encarece o crédito para consumo e investimentos produtivos.

O ritmo esperado para a desaceleração do PIB, contudo, não é unânime entre os economistas. Analistas ainda se perguntam até que ponto o governo Lula estará disposto a abrir mão de medidas para estimular a atividade antes das eleições de 2026.

O cenário para os próximos trimestres também carrega incertezas do mercado internacional devido à guerra de tarifas aberta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No primeiro trimestre, não houve grande reflexo dessa turbulência no PIB do Brasil, apontou o IBGE.

Na mediana, as projeções do mercado financeiro indicam alta de 2,14% para a economia nacional no acumulado de 2025, abaixo do crescimento em 2024 (3,4%), conforme o boletim Focus divulgado pelo BC na segunda (26).

O governo federal, por sua vez, espera um avanço de 2,4%, de acordo com revisão anunciada na semana passada pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

O desempenho do PIB tem sido comemorado por Lula e seus apoiadores. Ainda assim, o presidente viu sua aprovação despencar no início de 2025. A inflação dos alimentos foi apontada como uma das principais questões por trás da queda da popularidade do petista.

O PIB é a soma dos bens e serviços produzidos por um país em um determinado período (ano ou trimestre). Seu avanço é usualmente chamado de crescimento econômico.