sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Sem o agro, aí é que não vamos sair da armadilha da renda média, Rodrigo Zeidan, FSP

 "Se a safra for boa, a gente vai comemorar os 70 anos dele na Austrália, onde vamos visitar a cidade de onde ele saiu. Se for ruim, vai ser festa de família em casa mesmo."

Essa foi a conversa com um amigo cujo padrasto tem fazenda na Dinamarca. Os ciclos de produção às vezes podem consumir grande parte das suas economias. E duas ou três safras ruins podem levá-lo à falência.

Uma das coisas menos apreciadas no debate sobre agricultura e desenvolvimento econômico é que fazendeiros (mais que pecuaristas) são muito mais empreendedores que jovens querendo abrir startups. Não existe empresa em centros urbanos que, em todo ciclo de produção, seja passível de perder tudo por causa de seca, enchente ou praga. Pior, quase não existe negócio em cidades grandes em que alguém decide quanto produzir sem saber o preço de venda. Quando alguém monta uma fábrica, sabe tanto sua capacidade quanto a expectativa do preço final. Isso também vale para salão de festas, site de vendas, restaurante ou curso de inglês. O único grande risco é não ter clientes.

Colheita de soja em Mato Grosso do Sul - Marcelo Justo - 27.mar.12/Folhapress

Mas não é assim na agricultura. A decisão sobre o que e o quanto plantar vem com imensas incertezas em relação a custos, produtividade e preço de venda. É por isso que todo país subsidia de alguma forma a produção agrícola: sem apoio do Estado, a produção agrícola de um país seria muito menor que aquilo que a sociedade considera ideal.

Obviamente, às vezes produtores rurais capturam o Estado, como no caso dos imensos subsídios que agricultores europeus recebem da União Europeia (já foram maiores no passado, resultando em destruição proposital de vários produtos, não diferente das absurdas queimas de café no Brasil nos anos 1930).

Plano Safra é uma das principais políticas de Estado do país, pois vai desde o apoio direto à agricultura familiar até oferecer seguros implícitos contra o pior das quebras de safra e, o mais importante no país com os juros mais altos do mundo, crédito. Não é diferente na China ou nos EUA, para pegar dois países capitalistas ferrenhos que mesmo assim subsidiam a agricultura local.

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Os EUA fazem isso até pior que os membros dos Brics, pois o setor agrícola lá capturou significativamente deputados e senadores, que sempre renovam as "Farm Bills", medidas de subsídio que totalizaram US$ 1,4 trilhão ano passado. Em 2001, os países da América Latina já pediam aos americanos que reduzissem os absurdos subsídios. Em 2017, Brasil e União Europeia continuavam a bater nessa tecla. Em 2050 continuaremos pedindo o mesmo.

No Brasil, pode haver alguma distorção pontual, mas os subsídios agrícolas são das raras políticas governamentais bem-feitas. Elas são transparentes, estão dentro do Orçamento, os totais emprestados podem ser auditados e chegam à mão de quem precisa, com alguma ou outra exceção. É impossível que qualquer política econômica seja implementada com 100% de acurácia.

Não é porque pecuarista usa distintivo policial para passear com ex-presidente ou porque maus atores destroem o meio ambiente que vamos jogar o agro fora. São mais de 5 milhões de estabelecimentos agropecuários. O que sobra é elitismo. Sem o agro, aí mesmo é que não vamos sair da armadilha da renda média. Onde estamos afundados. Mesmo.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O TJ-SP por seus presidentes, Conrado Hübner Mendes, FSP

 A tentativa de restringir supersalários ilegais do Estado brasileiro é combatida com armas não só políticas, mas verbais. Presidentes do TJ-SP nos últimos anos aquecem nossa memória dessa honrosa tradição:

"Temos o Conselho Nacional de Justiça e vocês não querem o Conselho Nacional de Jornalismo. Ia ter mais responsabilidade. É preciso acompanhar o dia de um juiz para mostrar para o povo o quanto o juiz trabalha." "Todo Poder tem bons elementos e maus elementos, mas a Justiça tem número muito maior de bons elementos." "Se ele não tiver garantias, vai ficar a serviço dos poderosos." (Ivan Sartori, 2012)

detalhe de coluna de prédio com representação de rosto com venda
Detalhe da fachada do Palácio da Justiça de São Paulo, sede do Tribunal de Justiça de São Paulo - Eduardo Knapp - 11.out.2019/Folhapress

"Hoje, aparentemente o juiz brasileiro ganha bem, mas tem 27% de imposto de renda, tem que pagar plano de saúde, comprar terno, não dá para ir toda hora a Miami." "A Justiça, que personifica uma expressão da soberania, tem que estar apresentável." "Auxílio-moradia foi disfarce para aumentar um pouquinho. Até para fazer com que o juiz fique um pouquinho mais animado, não tenha tanta depressão." (José R. Nalini, 2014)

"Assistimos à sumária condenação dos magistrados por setores da mídia, expondo-os como detentores de privilégios." "A remuneração paradigma dos magistrados paulistas observa o teto constitucional. Outras verbas porventura agregadas, em regra, de forma episódica, são pagas nos termos da lei." "Não existem ‘penduricalhos’. Verbas são legítimas." "É justo defender melhoria dos salários de professores. Mas por que isso passaria pela indicação de exagero na remuneração dos juízes?" (Paulo D. Mascaretti, 2017)

"O auxílio-moradia é salário indireto. Está previsto na Lei Orgânica. Ponto." "Eu acho muito pouco. É isso que você queria ouvir? Agora, coloca lá: ‘o desembargador disse que é muito pouco’." (Manoel Pereira Calças, 2018)

"A utilização do verbete ‘magistocracia’ é evidência do preconceito do constitucionalista. É a intenção que emerge de textos tão violentos quanto concebidos sem compromisso e conhecimento, buscando a indigna desmoralização de um Poder legítimo." "Procurar denegrir imagem de uma corte séria, sem preocupar-se com a obrigação moral pela verdade, é ato igualmente abjeto." (Geraldo Francisco Franco, 2020)

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"Não podemos comparar salário de magistrado com salário de trabalhador desqualificado. A responsabilidade de magistrado ao decidir sobre a vida, a liberdade, o patrimônio de uma pessoa é garantia para a sociedade ser bem remunerado. O magistrado mal remunerado poderá estar sujeito a corrupção." (Fernando Garcia, 2025)

A filosofia magistocrática não integra o cânone do pensamento ocidental. Não é celebrada na cultura, nas artes, nas ciências. Não se encontra sistematizada em livros. Aparece nas práticas e declarações públicas e semi-públicas de magistocratas. Sobretudo dos presidentes ou dos candidatos em campanha à presidência de tribunais. Ninguém vira presidente sem aderir ao script.

Aí está a parte intelectualmente mais pretensiosa das confissões senhoriais, estamentais e extrativistas do Brasil pré-moderno e pré-republicano. Uma ideologia patrimonialista onde a coisa pública não se distingue bem da coisa privada, a lei não se distingue da força, o argumento jurídico não se distingue do mando e do porrete. Onde crítica se responde com ameaça. Onde privilégio vira direito.

Repetitivos e sobranceiros. Sintonizados no erro. Não ouse deslegitimar essa merecida superioridade.

Lula diz que Tarcísio faz história com ele, mas governador é vaiado e alfinetado em evento federal, OESP

SANTOS - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta quinta-feira, 27, que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), está “fazendo história” nas parcerias com o governo dele. Adversários políticos, os dois dividiram o palanque em evento em Santos que lançou edital para a construção do túnel que ligará a cidade a Guarujá. A obra custará R$ 6 bilhões, valor que será dividido pelos dois governos.

Antes, Tarcísio havia agradecido Lula em seu discurso pela parceria que possibilitou o empreendimento. Mesmo com a deferência, o governador foi vaiado em diversos momentos pela plateia majoritariamente pró-Lula no evento organizado pelo governo federal, presenciou gritos de “sem anistia” e assistiu ao vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e outros ministros criticarem a tentativa de golpe de Estado, que segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR) foi liderada por Jair Bolsonaro (PL), seu padrinho político.

Lula e Tarcísio participam de cerimônia de lançamento do edital para as obras do túnel Santos-Guarujá no litoral paulista
Lula e Tarcísio participam de cerimônia de lançamento do edital para as obras do túnel Santos-Guarujá no litoral paulista Foto: Taba Benedicto/ Estadão

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“Tarcísio, você está fazendo história nessas parcerias que estamos construindo. Pode ficar certo que o povo compreende o que está acontecendo. Tem gente do lado do Tarcísio que não gosta de vê-lo do meu lado e vice-versa. Nós só temos um lado: o do povo”, afirmou Lula.

O presidente disse ainda que ele e Tarcísio ainda terão muitas fotos juntas e fez uma alusão velada a Bolsonaro. Ele contou que chamou o governador para almoçar na semana passada.

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“O que é mais grave pro nosso adversário é a gente estar rindo na foto. Pode até ter um fato na história, mas o que nós queremos é cuidar do povo de São Paulo e do Brasil. [...] Se a pessoa não gosta de uma foto junto, uma foto com eu e você almoçando, vai ficar com muita dor de cabeça”, disse o presidente.

Lula afirmou ainda que ele o governador vão fazer um “bem bolado” para acabar com as palafitas na Baixada Santista. “Eu não estou propondo casamento para ele e nem ele para mim. O que estamos propondo é um jeito de trabalhar juntos”, acrescentou o petista.

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Lula e Tarcísio dividiram o palanque em meio à queda da popularidade do presidente e ao aumento dos rumores de que Tarcísio pode se candidatar à Presidência em 2026, hipótese que ele rechaça. O governador ignorou gritos de “sem anistia” — ele próprio já defendeu o perdão aos presos do 8 de Janeiro — e as vaias durante seu discurso, principalmente quando falou da privatização da Sabesp. Ele preferiu sinalizar que tem bom entendimento com o presidente.

“Eu quero agradecer ao senhor porque desde o início quando tivemos as conversas sobre o túnel, o senhor colocou o assunto como prioridade”, disse Tarcísio a Lula. “Voltamos a falar recentemente e eu me lembro que o senhor falou que não está na hora de ter disputa política e que o momento é de atender ao cidadão”, continuou.

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Os gritos de “sem anistia” foram mais fortes durante o discurso do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PE). Ele disse que buscará a mesma convergência estabelecida entre Lula e Tarcísio na hora de pautar os projetos na Casa. “Nosso povo cansou de conflitos, não aguenta mais de radicalismo”, disse o deputado.

Os dois lados se esforçaram para transmitir a mensagem de que deixaram as diferenças políticas de lado para priorizar o bem-estar da população e a realização da obra, mas houve diversos momentos de desconforto e saias-justas.

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) disse que “enquanto alguns tramavam o assassinato de seus adversários, Lula prega o diálogo”. O ministro Rui Costa (PT) declarou que o ser humano somente dá valor às coisas quando perde e acrescentou que é preciso valorizar a democracia em meio “a todos esses processos que nós estamos acompanhando, essa tentativa de aniquilar a democracia no Brasil com uma tentativa de golpe”.

A Procuradoria-Geral da República denunciou Bolsonaro, que é padrinho político de Tarcísio, e disse que ele liderou uma organização criminosa para romper com a ordem democrática. No início da semana, o governador paulista classificou a denúncia como “revanchismo” e “forçação de barra” contra Bolsonaro.

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Rui Costa também deu alfinetadas no governo Bolsonaro e, em especial, na pasta ocupada por Tarcísio à época, ao dizer que quando era governador não conseguia fazer obras em parceria com o governo federal. Tarcísio era Ministro da Infraestrutura do governo anterior.

O ministro do Empreendedorismo, Márcio França (PSB), elogiou a união dos dois governos, mas criticou a proposta do governo Bolsonaro que pretendia privatizar o Porto de Santos. A iniciativa era capitaneada justamente por Tarcísio, e foi defendida por ele nos primeiros meses como governador. O governo Lula enterrou a proposta.

França é um dos cotados, junto com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que também estava presente, para ser candidato ao governo de São Paulo. Os dois seriam adversários de Tarcísio se o governador não embarcar no projeto nacional e optar mesmo pela reeleição.

O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), foi mais simpático do que o colega de Esplanada. Do mesmo partido de Tarcísio, ele afirmou que o governador e Lula juntos representam a beleza da democracia e que os dois estarão juntos em breve “para bater o martelo do leilão na B3 [Bolsa de Valores].

A promessa é que o túnel imerso diminua para menos de dois minutos o tempo de trajeto entre as duas cidades do litoral paulista. Atualmente, motoristas precisam pegar uma estrada de 43 quilômetros ou embarcar em uma balsa, cuja travessia pode levar de 20 minutos. A previsão é que o leilão seja realizado em agosto, a construção comece em 2026 e leve cinco anos para ser concluída.